Aos Velhos Tempos!

Excerto 6: Momentos

  Mancava de uma perna. Também colecionava outras cicatrizes que os guardas fingiam não ver. Apesar desses detalhes, estava feliz de usar uma roupa que era sua. Não via um espelho a tempos, constatou rapidamente que precisava fazer a barba e o roxo de seu olho não era "normal".

Sinceramente, não sei se ele vai vir me buscar. Ele não deixou isto muito bem esclarecido. Mas era a única opção. Lúcia nunca foi com minha cara, Bianca não atende o telefone, Marcelo me mataria, o que Daniela deixou bem claro pelo celular, Maria me negou, mas passou o número do Pumba. Não a culpo, eu estraguei legal as coisas. Mas ainda não sei como ela conseguiu o número dele, muito menos porque pediu pra guardar segredo.

_Ou, Burguês!

Graças a Deus, só vou ter que suportar isso mais um pouco. Um guarda negro, enorme e muito, muito desgraçado me chamou. Na verdade, só me chamam assim. Odeio a arrogância na voz deles, "Burguês!", principalmente vindo de uma patente baixa como a dele. É só um guardinha de merda. Já cansei desse tipo.

_É melhor ele chegar logo.

Só balancei a cabeça. Se o Pumba me deixar aqui, eu vou quebrar cada osso dele. Hum, aposto que alguns dos meus colegas seria mais criativo. Aperto forte a bíblia em meu colo. Pedreira veio a minha mente, senti até os pelos do meu rego arrepiarem. Ainda tive sorte vindo pra essa penitenciária. Sorte não, tive pais.

_Tem alguém pra você aqui. Levanta!

Levantei, o mesmo guarda me levou até a saída, passando por paredes rachadas e outras coisas que estavam uma merda. Passei pela porta barulhenta, fechei os olhos por um momento.

Por algum motivo, não era aquilo que eu esperava. Porra, é o Pumba! A sua voz está estranha, ele está cinza. Parece um vazio encostado num carro incrível, modelo vintage. O guarda ficou na porta, comecei a me aproximar do carro. Pumba tirou os óculos de sol e também veio em minha direção. Abracei ele e dei tapas amigáveis, mas fortes, em suas costas. Ele contribuiu desfeito, sem firmeza nos braços e recuou rápido.

_Bem vindo à liberdade!

Que empolgação espontânea é essa? Abriu um sorriso enorme. Foi para o carro, eu segui. As portas do veículo abriam para cima. Antes de dar a partida, vi ele colocando uma mão na cabeça, fez uma careta.

_Você tá bem?

Ele olhou para mim, sorriu.

_Chega dessa viadagem!

Ri um pouco e ele também. Nós falávamos cada merda antes, tinha umas resenhas boas em qualquer lugar. Mesmo na aula. Quantas crises de risos! Pumba ria como um animal. Mas Luan ria pior ainda. Foi hoje. Será que ele tem uma breja na casa? Faz tempo que não tomo uma gelada. Merda, só de pensar minha mão já tremeu.

_Que que aconteceu com a sua perna?

Não gosto dessa história.

_História longa.

_Vamos ter bastante tempo.

Não vou ter bastante vontade. Pensa numa desculpa. É uma história confusa, é estranha...

_É constrangedora.

Ele fez um barulho de quem concorda, sei lá o nome.

_Suponho que o olho também seja.

_Mais ou menos, Pumba.

_Ninguém me chama mais de Pumba.
Tudo bem... Paranoico. Um pouco de silêncio constrangedor ficou no ar.

_Mas que que é essa bíblia?

Uma farsa, mas ele já percebeu, eu acho.

_Os evangélicos passam lá de vez enquando. Se você é temente, é santo, bom comportamento.

Não importa eu repetir isso pra mim mesmo ou em voz alta. Não conheço uma palavra, não sei se acredito em uma só passagem, mas eu gosto dela. Me faz sentir melhor. Ia falar de um episódio engraçado com um crente, queria fazer ele rir um pouco, por nostalgia, mas meu celular tocou, era um modelo mais antigo, um vidro resistente, um pouco flexível e muito fino.

Peguei ele. Bianca. Estranho. Por que ela tá me ligando? Atendi, não era a voz dela, mas de outra conhecida.

_Você já tá com ele?

Era Maria.

_Sim, é... Por que você tá com o celular da Bianca?

_Sem tempo! Passa o meu recado para o Jorge também, preciso avisar todo mundo.