eu não estou sobrecarregado

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É bom, é bom ter tido um amor. Porque se foi, eu não sei como explicar como me senti. Acho que fiquei tanto tempo preocupado, que esqueci de aproveitar em alguns momentos. Mas foram bons, apesar do fim. Nada é para sempre, então eu aprendi a lidar. Nada para mim dura muito, então eu absolutamente não me sinto surpreso mais. Em tempos remotos, estaria culpando o universo por sempre arrancar-me as coisas e ser o porquê do pessimismo que havia desenvolvido desde o início da adolescência. Mas eu cresci.

Quando Jaehyun falou aquelas coisas, me senti nu. Não de um jeito bom, foi como se estivesse exposto, alguém tivesse me desmascarado. E eu rio agora, porque pensei que essa era de impostor já havia passado, para mim, que tinha ficado em Paris, despejei sem dó alguma no rio Sena. É porque sempre foi difícil lidar com a realidade, então apenas vivo a base das minhas interpretações e visões.

Oh, eu poderia me lamentar. Lembrei do vôo cancelado por motivos ambientais e de como fiquei esperando aquela silhueta alta, esguia e pálida dentre aqueles meros cidadãos comuns. Achei que havia o cativado — olha só Le Petit Prince metendo a cara outra vez —, que não era para ele um cara assim como os outros caras no mundo. E eu sabia que tinha feito mal, só que nutria esperanças de que ele fosse aparecer para se despedir. Nem que ele apenas ficasse na porta de entrada, de braços cruzados, sem nem falar comigo. Significaria muita coisa para mim. E quanto mais tempo passava, mais gente aparecia, eu abraçava e me despedia. Doyoung apareceu e eu fiquei esperando que trouxesse Taeyong debaixo do braço, fazendo birra e tudo. Mas não. Não teve.

Tomei sundae na primeira classe e assisti um filme de Adam Sandler para tentar enganar minhas lágrimas. Eu não gostaria que ele estivesse pensando em mim, por isso quis que ele ficasse bem. Eu só queria que ele ficasse bem sem mim. E eu sempre soube que sou um desastre em relacionamentos, porque não sei como agir. Mas eu acho que ele também não sabia. Eu gostaria que apenas um de nós soubesse.

E depois daquelas doses de conhaque que tomei, em algum desses meses aí, eu liguei para ele e nada de me atender. Então pensei: se ele quisesse falar comigo, já teria falado. Ou talvez ambos ficamos pensando isso um do outro e nada da notificação chegar. Não criei expectativas, até porquê eu não gostaria de sair frustrado. Mas eu realmente gostei de Taeyong. Por isso que, quando Jaehyun disse-me sobre a mensagem, talvez minha surpresa tenha vindo do fato de eu mal ter admitido para mim mesmo, quem dirás expor para outrem. E era um pouco de verdade, para ser sincero. Eu nunca diria que amava Taeyong, mas ele deveria saber que eu sentia um pouquinho disso. E ele nunca percebia, ele nunca percebia. Eu meio que perdi a paciência.

Eu já menti tanto, eu minto tanto. Eu não quero trazer sentimentos a palavras, eu costumo usá-las para conquistar alguém, não para expôr as coisas que sinto — ou deixo de sentir. É que já brinquei tanto de amar que parei de levar a sério. E quando fui encurralado, eu não soube o que dizer. Não, não quero isso. Se um dia tiver de amar, não quero que saia da minha boca, assim como todas as vezes que disse gostar de quem nunca gostei. Eu quero que saia de mim de toda forma possível, que brilhe. Se eu amo, eu deixo a pessoa saber. Ela sabe, ela sempre sabe. Então me pergunto: se Taeyong não percebeu a sementinha do meu sentimento, significa que ela nunca existiu? Porque não conseguiria agir diferente, sobretudo perto dele. Jesus, essas porcarias são complicadas demais, por isso prefiro não me envolver. Menos dor de cabeça, porém mais vazio interno.

— E você, Ten? Já falou com o fornecedor? — a voz de Jaehyun me interrompe, então dou-me conta de que não prestei o mísero de atenção para a rápida reunião de hoje. Coço os olhos, pois estou com sono.

— Foi, eu falei com você semana passada. Eles apareceram quinta-feira, eu acho, então provavelmente você terá que...

— Tem certeza que a gente está falando da mesma coisa? — ele me interrompe, sentando-se na cadeira e olhando ao redor da mesa.

Hoje Taeyong não está nem ao meu lado nem à minha frente. Doyoung está entre nós dois, então mal consigo ver seu rosto. É bem melhor assim.

— Ah, você está falando das bebidas? — dou-me conta do que está acontecendo. Agora todos estão olhando para mim, até consigo ver o queixo de Taeyong na minha direção.

— Ten, você acabou de confundir as coisas — Doyoung nota. — Você tem certeza de que não está sobrecarregado?

— Relaxa, eu não estou sobrecarregado — relaxo os ombros e tento confortá-lo com um sorriso. — Eu só estou um pouco distraído.

Eu não acho que estou sobrecarregado. Porque eu sempre soube lidar, sim, com determinadas responsabilidades. Mas prefiro as externas, porque quando mistura responsabilidades emocionais com as externas, eu não consigo dar conta. E ando ponderando em qualquer canto, pelo que estou vendo, e não é um bom sinal. Estou esquecendo que preciso dar respostas, não ficar com cara de panaca.

— Ahn... Eu falei, sim. Marquei um horário, sábado pela tarde, para você e Minyoung irem experimentar os drinks e dizerem quais vocês preferem. Ele até pode criar um especialmente para os dois, se tiverem alguma preferência em ingredientes — finalmente respondo. Minha cabeça está meio emperrada, eu preciso dormir direito e parar de pensar nas coisas.

— Uh, essa é uma boa ideia — Dodo sorri, animado, remexendo-se na cadeira.

Estou olhando para ele, mas quando recosta-se, consigo ver Taeyong catando os pedaços de chocolate do sorvete de café dele. Consigo sentir o aroma daqui. Ele está fofo de óculos, ele está fofo com os lábios esticados, está fofo nessa camisa de algodão com uma estampa vintage e esses suspensórios pretos. Eu gostaria de dizer isso a ele, mas não nos falamos mais. Não como antes. Não como costumávamos.

— Ah, então só precisamos resolver a questão de banda. A Minyoung disse que a amiga dela tem uma boa recomendação, então não devemos nos preocupar com isso. Só que vamos repassar isso direito, para que consigamos um espaço para eles e, com sorte, um palco digno — Jaehyun tagarela, sério, direto, objetivo até. Eu gosto de como ele é focado, mesmo que pareça um cara pouco divertido. Ele é muito seletivo quando se trata de mostrar seu lado divertido.

E enquanto discutem mais sobre coisas importantes de casamento, que eu não fazia a mínima ideia de que eram discutidas — tipo com que material será enrolado o buquê (seda ou juta) ou de que cor serão os guardanapos (bege ou creme) —, fico quieto e opino uma vez ou outra, embora todos tenham argumentos fortes sobre o buquê ser enrolado em juta e os guardanapos serem creme.

— Isso realmente é importante? — questiono.

— Sim?! — Jaehyun praticamente me espanca com esse olhar oblíquo. — Os convidados vão ficar impressionados. E, além do mais, é o casamento de Doyoung e com certeza pessoas influentes estarão lá. Temos que impressionar.

Concordo com uma balançada da cabeça e, sem querer, jogo o olhar em Taeyong, quando deveria olhar para Doyoung. Ele estava olhando para Jaehyun, que está ao meu outro lado, e acaba por encarar-me de volta. Eu desvio o olhar, viro-me para Yuta, à minha frente. Yuta reclama que não devemos deixar muito gourmet senão ficará brega, então Dodo mexe-se outra vez e diz que às vezes brega é bom.

Cruzo os braços, pois não quero ter de ficar nessa brincadeira de encarar. Porque eu sinto, sinto que queremos conversar, mas ninguém dá um passo. Assim como o telefonema, que acabou ficando deixado para depois e depois até cair no esquecimento. Assim como a mensagem que foi esperada e esperada até já não saber mais pelo o que estava esperando. Me pergunto se dessa vez beberei também, se tentarei uma ligação de madrugada e se ele irá ignorar como fez da última vez. Porque foi por isso que não mais tentei.

Por isso que, quando nossos olhares se cruzam mais uma vez, quero que ele perceba na minha expressão cansada quão farto estou disso. Porque ele aparentemente está bem, então não tenho com o que me preocupar agora. Só quero que paremos com essa atmosfera silenciosamente sufocante. Eu sempre soube o que fazer, porém confesso que as circunstâncias me pegaram de jeito dessa vez. Sei não, mas o jeito que olha-me é diferente. Não parece estar com raiva ou aversão, só parece estar... Não sei, olhando. Como se eu fosse uma pintura abstrata e ele estivesse passando horas e horas com os olhos pregados em mim apenas para entender. Apenas olhando.

Bebo meu milkshake em silêncio, pois acho que se eu olhar para ele mais uma vez, com certeza irei falar algo que irei me arrepender. Veja bem, já me arrependo de muitas coisas ditas a ele.

thé et fleurs༶✎༶tae. tenOnde histórias criam vida. Descubra agora