O Protagonista

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O alarme do relógio começou a tocar, marcava 7 horas da manhã. O som estridente ecoava no quarto bem customizado, tinha alguns quadros de heróis, bonecos de ação, uma estante repleta de quadrinhos e mangás, um computador e a cama de solteiro do nosso protagonista, que se revirou indo em direção ao alarme para desligá-lo.

Os olhos semiabertos estavam confusos, e depois de decidir sentar à beira da cama, olhou em sua volta, depois para cima e logo em seguida para trás, como se procurasse por algo.

- Mas o que... – Disse ele, com a confusão ainda instalada. – Que voz é essa? – Dessa vez sussurrou para si, mas podemos ouvir mesmo assim.

Após tomar um banho e fazer seu café da manhã, se arrumou e partiu para mais um dia de aula em sua faculdade, mas por algum motivo estava muito irritado.

- Será que dá para você calar a boca?! – Falou em voz alta, mas para o nada, não sabia para quem estava se referindo.

- Eu estou falando de você! Que não para de falar as coisas que eu estou fazendo.

Eu? Mas eu sou o narrador desta história, minha função é transmitir ao leitor o que você está fazendo e passando.

- Não importa! Isso é muito irritante.

A voz de nosso protagonista estava alta demais, as pessoas que passavam por ele estavam o observando com um olhar estranho e se perguntando o porquê de estar falando sozinho.

- Meu nome é Arthur, e não sou protagonista de nada, espero que esse tom de voz seja o suficiente para não ficarem me olhando.

Está errado, meu jovem, você é o protagonista desta história, esta é a sua história! Aliás, sua voz está normal, não se preocupe.

- Eu protagonista? Só acredito vendo...

Arthur chegou na sala da faculdade, sentou-se na carteira e esperou o professor chegar.

- E aí, Arthur, beleza? – Seu melhor amigo, Guto, falou quando chegou, sentando-se na carteira à frente de Arthur, era sempre assim.

- E aí! Conseguiu fazer aquele trabalho de metodologia?

- Consegui! Foi bem difícil, não consegui encontrar alguns artigos. Mas tem aquela mesma pergunta que não sai da minha cabeça. – Guto se aproximou mais do amigo e pôs uma das mãos à boca, falando mais baixo.

- Quando você vai falar com ela?

Nosso protagonista baixou a cabeça e desviou o olhar, não sabia responder aquela pergunta, ainda que sua vontade fosse de gritar e chamar sua amada para confessar seus sentimentos.

- Um dia... – Respondeu relutante, não queria dar aquela resposta, não queria mesmo, mas era quase impossível chegar perto dela, era como se fosse inalcançável. Para ele, Kiara era quase uma pessoa divina, tão linda e sábia, um colírio para seus olhos que a fitavam em muitos momentos, seja o que fosse que ela fizesse, para Arthur era maravilhoso.

- Como assim, "um dia"? Ah, vamos lá cara, por que você não tenta falar com ela hoje?

- Eu não sei... Talvez mais tarde.

- Espero que esse seu mais tarde não seja parecido com os outros que você já falou, desde o ano passado. - Estavam no terceiro semestre da faculdade, Kiara sempre foi uma garota reservada, mas quando necessário era objetiva e extrovertida, seu maior passatempo era ler e estudar, Arthur observava-a de longe admirando a beleza da amada, mas não apenas a beleza da aparência, era a beleza da inteligência que chamava mais atenção. Ver Kiara lendo, respondendo as questões do professor, estudando, era lindo. A perfeição estava diante do nosso protagonista, pelo menos era isso que ele enxergava.

O tempo passou rápido, a aula já havia terminado e todos os alunos tinham saído de sala, Arthur e Guto caminharam juntos até a entrada da faculdade, depois disso se separaram e cada um foi para sua casa.

- Ei, seu nome é narrador certo? Você acha que um dia eu vou conseguir conversar com ela?

Meu nome não é narrador, apenas narro esta história, respondendo sua pergunta, depende inteiramente de você. Estou surpreso que você tenha ficado calmo depois de se irritar com a minha narração.

- Não deixei de pensar que você é irritante, mas acho que me acostumo.

Arthur chegou em casa, tomou banho, se arrumou e foi para a mesa almoçar, conversou com seus pais e depois passou o resto do dia ajudando sua mãe nas tarefas de casa, em seguida ficou estudando por meia hora, estudar de noite não era seu forte. Aproveitou o silêncio para refletir, por horas pensou em Kiara, mas também parou para refletir sobre si, por que não conseguia conversar com ela? Será que era tão covarde para fazer isso? Talvez não. Será que era porque ele não gostava dela o suficiente? Mas a partir dessa pergunta pensou em todas as qualidades de Kiara e no porque dele gostar dela, em um momento de flash, como em um despertar ele percebeu que poderia estar errado em como ele enxergava ela.

- Ei, posso conversar com você, não é narrador? Eu estava pensando aqui... Eu estou gostando dela de forma errada?

Claro! Pode falar o que quiser. Bom, não acho que esteja errada sua forma de amar, o amor é intenso de muitas formas, por isso ele pode ser exagerado. A intensidade é uma virtude em meio a esse mundo superficial e líquido. No entanto, preste atenção na sua forma de pensar em Kiara, o que ela é?

- Como assim?

Pense bem, garoto, não precisa ter pressa. Arthur fitou o teto e se aconchegou mais ainda com seu cobertor, procurava outra posição confortável enquanto pensava calmamente em sua resposta.

- Uma pessoa.

Exatamente, ela é uma pessoa normal, lembre-se disso. Nosso protagonista ficou remoendo aquelas palavras, aquilo o marcou profundamente. O sono havia chegado, fechou os olhos e se virou para dormir.

Na manhã seguinte, o começo do dia não foi diferente do anterior, até chegar à faculdade. Arthur estava com um ar confiante e conversou com Guto normalmente.

- E aí, cara! – Disse Guto, com sua voz costumeiramente animada.

- Alô. Tudo bem?

- Tudo ótimo. Só quero saber a resposta daquela mesma pergunta de ontem. – Não o culpe, apesar de Guto parecer muito inconveniente por fazer a mesma pergunta, não era todos os dias. Tinha ciência de que pressioná-lo a fazer aquilo não era nada bom, mas sabia quanto o amigo gostava da menina, queria encorajá-lo.

Mais uma vez as aulas passaram bem depressa, e Arthur só tinha uma coisa em mente. Ao fim, todos novamente saíram, mas dessa vez ele tinha algo a fazer, andando em direção àquela pessoa que ele tanto amava.

- Oi, tudo bem? – Falou Arthur, meio nervoso, mas feliz.

A partir desse momento nosso protagonista não está mais me escutando, pois é um momento a sós que devemos respeitar, e não se engane a história continua, mas ele a ditará. Nós ficaremos por aqui, eu continuarei a narrar, mas em outro lugar.

Contos de um escritor em treinamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora