Alvorecer

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A luz vermelha que saia das tochas iluminava o lugar, e as paredes rochosas pareciam se mexer em uma dança fervorosa. O crepitar ecoava caverna a fundo, juntamente com as vozes daquelas criaturas que pareciam gárgulas em um estado de putrefação, emitindo grunhidos e gritos de agonia, mas não estavam sofrendo, estavam venerando.

Lúcifer observava seu jovem pupilo ao lado esquerdo, a cerimônia estava para começar. Os 10 lordes esperavam pacientemente o pronunciamento, e o grito dos infernais fazia do local uma balburdia desenfreada. O caos reinava ao mesmo tempo em que uma paz indescritível residia na aura dos que estavam presente, era um momento esperado por muitos. O rapaz olhava para as criaturas com desdém, mas no fundo sentia apreensão, uma pitada de medo talvez. A hora chegou.

As folhas balançavam suavemente naquela noite, uma fogueira iluminava aqueles dois seres vigiados pela lua de sangue que se erguia pelo céu obscuro.

- Amanhã, quando a cerimônia começar, você sentirá muitas coisas, mas não tenha medo, meu jovem, eu estarei ao seu lado. – Falou o homem de feições maduras enquanto olhava no fundo dos olhos daquele rapaz.

- Talvez eu não esteja pronto. – O vazio comandava sua visão

- Não diga isso, você está mais do que pronto! Sempre tão empenhado em satisfazer o mau. Apesar de um pouco inconsequente. E não podemos esquecer de sua inteligência, não, não mesmo! – A voz era de entusiasmo, o rapaz se acostumara com a bajulação feita por Lúcifer.

- Sei o que quer de mim, não precisa fingir.

- Ora! E eu estou fingindo? Uma aura tão forte e excepcional como a sua deve ser vangloriada, não acha? – Sem esperar uma resposta, continuou. – Veja... Sinto saudade desse tempo.

Apontou para as sombras na parede próxima, feitas pela luz da fogueira, as sombras tinham a forma de bruxas, velhas carcomidas e preenchidas por magia negra que pulsava ao redor. Mas eram diferentes, a do rapaz parecia mais nova, mais forte. A de Lúcifer, mais deteriorada e destruída.

Para alguns, principalmente para os lordes infernais, isso seria deplorável, mas o rapaz sentia medo, agonia. Olhar para aquelas figuras e saber que uma delas vinha de seu interior era pavoroso. Mas uma pergunta ficava em sua mente: A estrela da manhã estava morrendo?

O pedestal próximo à Lúcifer e ao rapaz era vermelho, tingido por sangue e decorado com corações e crânios, a estrutura segurava uma esfera negra como obsidiana. Eles viraram um para frente do outro, os gritos aumentavam cada vez mais, em um coro ensurdecedor que deleitava o senhor do submundo. Uma energia maléfica começara a surgir no interior da esfera, os olhos de Lúcifer e de seu pupilo reviraram, aparecendo apenas um branco profundo, que foi ficando vermelho à medida que o sangue subia e inundava os globos oculares. Os membros começaram a se debater, uma convulsão controlada que ainda deixava-os em pé. Até que uma fumaça negra surgiu do senhor infernal e sobrevoou em direção ao rapaz.

Poucos minutos se passaram, a fumaça desapareceu, os corpos ficaram inertes e os gritos cessaram. Um estalo, depois mais outro, e mais vários sucessivos estalos começaram a vir do corpo de Lúcifer, como uma estátua se quebrando, até ser esfarelado pelo pouco vento que ainda ousava invadir aquele lugar. Mas o pupilo ainda estava de pé, agora de olhos fechados e cabeça erguida para o alto.

Os infernais começaram a gritar novamente, em uma sinfonia gutural que fazia a caverna estremecer. O rapaz baixou a cabeça e abriu os olhos. A estrela da manhã estava morrendo?

O Senhor das trevas renascia mais uma vez.

Contos de um escritor em treinamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora