O corvo sobrevoava a planície, não tinha pressa. As folhas dançavam juntamente com o vento, que uivava naquele fim de tarde que se aproximava cada vez mais. As asas negras planavam indo em direção àquele tapete que decorava o ambiente de forma macabra e tingia a vegetação de vermelho rubro, os corpos amontoados exalavam um cheiro pútrido que invadia as narinas do animal... Era o cheiro da morte.
Os estandartes do exercito derrotado tremeluziam diante do pôr do sol, corpos despedaçados, armaduras e armas espalhadas, destruídas, vermes se esgueiravam por olhos e bocas. Era desolador olhar todos aqueles mortos despejados no chão frio e impiedoso. Ao longe, o pássaro observa os algozes daqueles que caíram.
- Meus irmãos, esse foi apenas o começo, muitos esperaram por esse momento, principalmente eu. – Falou impotente o capitão, vestia uma armadura de metal reforçado de altíssima qualidade, com alguns detalhes em azul escuro misturado com preto. O batalhão era composto por apenas 30 soldados. – Todos aqui sabem o que viemos fazer, podem repetir?
- Matar todos que entrarem em nosso caminho, a cidade de Ambar será nossa! – O batalhão falou em couro.
- Nossos inimigos nos subestimam... Mas esta noite, eles conhecerão os Arautos da escuridão. – Começaram a rir em um tom sombrio. Todos, menos um rapaz.
- Anime-se! Hoje será sua segunda vez em uma verdadeira e gloriosa batalha. – Virou-se para o rapaz que tinha o olhar para o vazio, como se estivesse refletindo.
- Não acho que esse seja meu caminho. – Falou firmemente, após sair de seu estado anterior.
- Mas será... Você não tem escolhas, Venir. – A expressão do capitão mudou, os olhos cerrados viraram-se para o horizonte em que o sol estava se pondo e não falou mais nada, apenas andou em direção à linha de frente.
O batalhão foi se aproximando da floresta, a mata fechada era ardilosa, mas não era nenhum problema para eles. O barulho de grilo quebrava o silêncio letal que se esgueirava juntamente com o frio da noite, deixando o clima tenso para Venir, que não estava gostando nem um pouco de fazer aquilo. Desde cedo foi criado para matar, mas sua mãe tratava-o como deveria ser tratado, era a única que o entendia e sempre estava ao seu lado com amor e carinho, lendo histórias, preparando o lanche preferido, protegendo-o dos pesadelos. Mas foi por pouco tempo, certo dia ela não estava mais ao seu lado.
Uma vila podia ser vista mais adiante, as luzes acessas nas casas mostravam que havia habitantes, mesmo que fossem poucos.
- Talvez nós possamos encontrar mais diversão antes do nosso objetivo. – Rindo mais uma vez de forma macabra o capitão para seus soldados.
- Não acho que devemos fazer isso, essas pessoas não tem nada a ver com o nosso objetivo, pense melhor. – Apesar de calmo, Venir sabia que as chances de mudar a cabeça de seu capitão eram quase nulas, ver aquelas pessoas inocentes serem mortas não estava em seus planos.
- Quem você pensa que é, moleque? As ordens são dadas por mim, e não por um ninguém como você. – Cuspiu nos pés do rapaz e fez uma expressão enojada.
- Mas essas pessoas são inocentes! Não fizeram nada contra nós e...
- Silêncio! Não quero que nossos brinquedinhos nos escutem e fujam. – Os soldados mais próximos começaram a rir.
- Os arautos da escuridão têm um único objetivo, recuperar a cidade de Ambar, matar dessa maneira não trás glória alguma.
- Parece que o filhote de passarinho aqui esqueceu o que eu disse antes de partimos, então vou lembrar, nós vamos matar todos que entrarem em nosso caminho, sem exceção – Disse friamente, virando-se mais uma vez para o vilarejo, para depois continuar. – Eu deveria ter matado sua mãe bem antes, assim ela não teria mimado-o até chegar a esse ponto, fraco demais... Os dois.
- O que? – um frio subia sua barriga e passava por todo seu corpo até chegar à garganta, a agonia crescia no seu coração e o desespero minava sua mente. – Como assim? Você... Tinha dito que ela tinha desaparecido e... Ela... – As lágrimas começaram a descer lentamente, estava atordoado demais, ouvia apenas um zumbido, suas pernas começaram a fraquejar e o ar faltava em seus pulmões. A dor era horrível.
- Como você pôde? – Uma raiva sem controle foi subindo em seu corpo como a erupção de um vulcão.
- Você teve sorte de não ter sido morto pelo... – Um arauto da escuridão que estava ao lado de Venir começou a falar, mas foi interrompido pelo aço da lâmina que perfurou sua boca e dilacerou toda sua mandíbula com um golpe rápido e preciso. Todos os outros soldados ficaram assustados.
A fúria tomara conta, Venir mantinha os olhos arregalados em atenção e desespero olhando para o capitão.
- Você vai pagar.
Foi uma completa carnificina, todos os 30 soldados foram mortos sem piedade, os últimos a morrerem foram tropeçando nos companheiros caídos, a espada do rapaz estava coberta de sangue. Apenas o capitão estava de pé.
- Venir, parece que você cresceu, mas agora não importa, sei que você quer me ver morto, mas faria isso com o seu próprio pai?
- Um pai de verdade não faria o que você fez, nunca o perdoarei por isso!
- Faça como quiser você nunca me derrotou, não será hoje que vai me vencer, muito menos me matar.
- É o que veremos.
A investida de Venir foi rápida, chegou perto do capitão em questão de segundos, empunhava sua espada firmemente mirando no coração, mas ao chegar próximo decidiu mudar sua postura jogando o corpo mais para a esquerda e deixando a espada na direção da cintura em um golpe circular, sabia que não seria fácil derrotá-lo. O capitão já esperava esse ataque, e imaginou que Venir mudaria sua postura devido à experiência em batalhas, desferindo um golpe no rosto do rapaz com o cabo da sua espada para logo em seguida acertá-lo no estômago com o joelho. A dor era forte e deixou Venir atordoado e curvado com a cabeça baixa tentando se recuperar, mas o capitão não esperou, lançou sua espada de cima para baixo como um ato final para encerrar aquela luta. Venir desviou por reflexo rolando para trás, no entanto, percebeu que havia sido cortado na bochecha, o sangue quente escorria pelo rosto.
- Ainda não percebeu que você não passa de uma criança tentando derrotar um adulto? Ponha-se no seu lugar. – A voz soava como um trovão. Depois de lutar contra um batalhão sozinho, o cansaço estava batendo na porta.
A raiva que sentia havia sido transformada em ódio, seus olhos só enxergavam o assassino de sua mãe. Partiu mais uma vez, só que mais concentrado, os metais se colidiram, o tintilar da peleja ecoava pela floresta e assustava os animais noturnos que andavam por perto, as luzes do vilarejo haviam se apagado. Venir era rápido, mas seu adversário era forte, e ele tinha ciência disso, dessa maneira, tentava desviar a direção dos golpes com a espada, apesar de jovem, seu estilo de luta era admirável para um novato.
A luta estava equilibrada, até o capitão decidir aplicar mais força do que técnica, queria cansá-lo ainda mais.
- Você é fraco! Não aguenta nada. Por que não desiste logo?!
Em um momento de descuido, enfraqueceu a pressão que fazia, abrindo uma janela de oportunidade que o garoto aproveitou bem. A espada deslizou fazendo um barulho estridente de aço com aço, Venir mudou a direção do seu corpo em uma investida letal, a lâmina fincou no coração do seu pai, e um silêncio triste se estabeleceu.
Venir retirou a espada e lentamente olhou para o céu, seus olhos refletiam as estrelas, mas um vazio descomunal aparecera e percebeu que estava chovendo. Não naquela floresta, mas sim em seu coração.
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Contos de um escritor em treinamento
Historia CortaOito contos, mas todos completamente diferentes entre si. Viaje em um mundo de fantasia, sinta medo, desvende mistérios. Acompanhe um treinamento.