III 가을 (Gaeul) - Outono

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O hábito de estar sentado em frente à porta de correr aberta, com um pincel na mão direita, porventura fosse deveras criticado pelos indivíduos de Classe Alta que por ali, raramente, passavam.

Lembro-me de que, naquela hora, cromatizava em tom azul as penas dos dois pássaros, cujas pequenas patas se prendiam aos ramos finos e despidos da velha cerejeira do jardim, que passara a pertencer ao guerreiro Jung Hoseok desde a sua chegada. Aquele pequeno jardim harmonizava todos os seus atributos, porque Hoseok no outono tornava-se a única flor viva daquele horto descascado e apagado.

Enquanto deslizava os pincéis manchados de índigo pelas folhas artesanais, completamente mergulhado na pequena obra resultante das simples habilidades de pintura que havia adquirido com o tempo, escutava a magnífica melodia do gayageum que uma das servas tocava nos corredores do palácio a mando do rei ou de algumas das minhas irmãs.

Por estar tão absorvido pela Arte, não reparei na pessoa que sentou-se no varandim de madeira, de pernas cruzadas e com o queixo apoiado na palma da mão, para contemplar o meu trabalho com um sincero sorriso aberto na face. Não sei por quanto tempo Hoseok ficou ali me fitando, uma vez que só reparei na sua presença quando a sua mão delicadamente acariciou os meus cabelos compridos e, assim que levantei a cabeça, a minha bochecha. 

O guerreiro trajava as suas específicas roupas de tecido espesso preto e, por via de regra, a sua espada estava atrás das suas costas presa entre cordas grossas com fios dourados.

Fechei os olhos para aproveitar o carinho e a maciez insólita das mãos pequenas do guerreiro — os soldados, comumente, tinham as mãos ásperas devidos aos treinos pesados, mas Hoseok sempre possuiu aquelas nuances delicadas —, suspirando depois pelo arrepio que percorreu toda a extensão das minhas costas.

No momento em que passei a admirar todas as particularidades do seu semblante, acariciando com o polegar a palma das suas mãos para sentir o calor, identifiquei aquelas suspeitas fitas brancas arranharem-me a ponta dos dígitos. Não sabia o motivo pelo qual ele tinha os seus pulsos protegidos por ligaduras, no entanto, mais tarde naquele dia triste de outono, eu presenciei de modo infeliz toda a sua transparência junto dos compráveis conselheiros.

Após olhar para todos os cantos e constatar que era seguro entrar dentro do meu aposento, Hoseok quebrou a pouca distância que existia entre nós e abraçou-me com tanta força que vi-me forçado a assemelhar aquele afago a uma cruel despedida.

Por breves momentos, fiquei assustado, confesso que um pouco relutante em corresponder-lhe, mas logo vários beijos foram depositados vagarosamente por todo o meu rosto e eu esqueci-me do mau pressentimento que, como um manto obscuro, envolveu o meu peito. 

Os meus olhos de imediato se encolheram num sorriso pela meiguice do guerreiro e comecei a rir ao que era mimado pela pessoa por quem eu era, e ainda sou, perdidamente apaixonado.

Não deixei, no entanto, de achar muito estranho os seus lábios tocarem muitas vezes as minhas bochechas, testa, nariz e, principalmente, a boca. Aquele romantismo excessivo continuava a soar como uma indesejada e melancólica despedida.

Hoseok riu contido e assim que me afastei do seu corpo para olhá-lo nos olhos, os seus braços magros voltaram a enlaçar a minha cintura com intensidade e amedrontamento. Os sons alegres e contagiantes, que ele habitualmente soltava, não aparentavam ser mais animados e, à vista disso, mostrei uma fisionomia fechada por conta da minha desconfiança, confusão e preocupação.

O brilho consolador do guerreiro Jung, naquela ocasião, estava completamente apagado, mas eu não detectei a sua angústia na estação decadente do ano 573. E por causa da minha imperdoável ingenuidade, Jung Hoseok desmoronou no dia 28 de novembro.

As quatro estações de Jung Hoseok | vhopeOnde histórias criam vida. Descubra agora