Acima do caos e dentro dele

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Aqui de cima posso sentir o vento que mal bate no caos da cidade. Num lugar onde estou fora do ar, desconectada, sem sinal. Apenas vejo as luzes da cidade. E tudo parece incrível daqui. Longe demais de toda a bagunça, mas ainda dentro dela – ou sendo ela.

Sinto como se minha cabeça começasse a se tornar um emaranhado muito complexo de fios em que sequer é possível encontrar as pontas. Meu coração me pesa uma tonelada dentro do peito, pulsando tão forte que parece querer pular através da minha garganta e jorrar sangue ali na minha frente mesmo, até não sobrar uma gota.

E tudo isso parece um dramalhão mexicano com direito àquelas vozes esquisitas e tudo o mais. Mesmo sendo, não é. Não dá pra entender mesmo. A situação é complicada de um jeito tão simples. Leve e pesada, como quando se tem um lençol seco e o deixa cair na água e ele fica pesado demais.

Dou voltas e voltas no meu pensamento e sequer chego a algum lugar. Quero esvaziar minha cabeça.

Deito-me sobre o chão que cobre a cobertura do prédio sem me preocupar com sujeira ou qualquer outra coisa. Encaro as estrelas tão invisíveis quando meus olhos estão cheios da luz da cidade.

Fecho os olhos e posso ver o céu estampado no interior de minhas pálpebras e isso me faz sorrir por um momento. Os abro de novo e fixo minha atenção nas minhas estrelas preferidas: o cruzeiro do sul.

Penso como seria legal poder tirar uma foto e mostrar para...

– SAI DA MINHA CABEÇA – grito num ato de desespero.

Como pode uma pessoa ficar na nossa cabeça assim, sem ao menos pedir permissão? Devia ser contra as leis! Ainda mais quando a pessoa é importante demais para você perder ela para uma coisa tão idiota – leia-se: um romance.

Que inútil isso! Minha cabeça recomeça a dar voltas e mais voltas. Mal sinto o vento frio que me açoita. Não consigo ligar. Só consigo pensar no que estou perdendo – ou o que penso estar.

Meu celular começa a tocar alto, espalhando as vozes e instrumentos de Fortune Fadded. Não era pra estar pegando sinal. Balanço a cabeça, frustrada, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Não, chorar não, penso, mas choro mais ainda. Quanto mais penso que devo parar, mais choro.

Ponho a mão no celular e o atendo sem ao menos ligar pro meu estado. Apenas atendo e fico muda do outro lado da linha.

– Tessa? – Uma voz conhecida chama do outro lado. Fico balançando a cabeça negativamente, apenas me martirizando e o telefone fica mudo. Olho sua tela e vejo que estou sem sinal de novo.

Pra que tanto estardalhaço por causa de uma ligação? Veja bem, você tem uma pessoa que é seu porto seguro, por falta de definição melhor, e aí você faz a grande arte de se apaixonar. Pra quê? Qual a necessidade disso? Por que eu sempre complico todas as situações?

O pior de tudo é que eu sei que no fim eu vou acabar perdendo uma pessoa amiga. Às vezes o amor apenas fere. Eu havia me esquecido disso. Ou a falta dele. Ou qualquer coisa. O que importa é que já está fazendo estrago.

Abro meus olhos novamente. Sinto lágrimas mornas – e infinitas – despencarem deles. Os fecho de novo e nem assim elas se contêm. Fico fazendo isso por minutos a fio tentando não pensar e parar de chorar. Acaba funcionando.

Minha mente acaba vagando para qualquer noite em que subi o morro – ou seria uma serra? Subi com ela. Sempre ela. E nós ficamos lá apenas conversando e rindo de qualquer coisa que agora já nem importa mais. A descida foi difícil, quase torci o tornozelo, mas ela estava lá pra me salvar e rir da minha falta de atenção. E eu nem consegui ficar chateada. Não dá. Não com aquela risada contagiante.

Ouço um rangido vindo do lado oposto ao que estou, e volto para o presente. Quem mais vem até aqui? Ninguém sabe que venho para cá quando não quero ficar com as pessoas. Ou quase ninguém.

Sento-me e olho na direção da porta. Vejo a única pessoa que sabe que aqui é meu refúgio – até havia me esquecido. É ela. 

Pulvis et Umbra SumusOnde histórias criam vida. Descubra agora