Não tô vivo - 0.3

30 5 0
                                    

FLASHBACK ON

- Ela morreu faz três anos, você não sabe como foi difícil, ela era incrível. Não gosto de frases clichês e esquisitas, mas “o céu ganhou uma estrela” quando a Serena morreu. – Sorrio, ela falava da mãe um jeito extremamente fofo.

  - Eu realmente não sei como é ter uma mãe, fui adotado por um casal gay, meus pais me abandonaram em um orfanato. – Eu falo e ela me olha surpreso.

  - Deve ser legal. – Eu a olho sem entender.

  - Desculpa mas, o quê?

  - Ter dois pais. – Eu acabo rindo, eu falo que fui abandonado e ela diz isso.

  - Sim, é. Achei que iria ficar com pena e dizer “sinto muito”. – Ela sorri.

  - Você precisa me conhecer mais, eu nunca falaria isso. – Ela faz uma pausa para beber um pouco mais do drink. – Eu não disse porque sei que você não precisa da minha pena, não tem o que fazer com elas. Seria bom se desse, eu estaria rica.

  - Eu também, né. – Rimos juntos.

  FLASHBACK OFF

  Abro os olhos lentamente, às vezes eu achava que aqueles sonhos queriam revelar algo para mim. Pois eram todos os dias, quando eu fechava os olhos o rosto irônico e sorridente dela aparecia na minha frente. Eu ficava desapontado quando acordava e me dava conta que somente eu estava naquela maldita casa, mas aprendi a me acostumar com essa realidade podre.

  Levanto decidido a ir para uma corrida matinal, coloco uma roupa aleatória escovo os dentes, e pego uma garrafa de água. Os fones foram os últimos acessórios, quando eu já estou na rua, inspiro e expiro. Quase me engasgo com a poluição de São Paulo, às vezes esqueço que não moro mais no interior.

  Vou caminhando para começar, depois aumento a velocidade e já estou correndo. Sentir o vento no meu corpo trás uma sensação muito boa, de liberdade e ar fresco. Paro para beber um pouco de água, vejo uma senhora do outro lado da rua tossindo e espirrando. Eu a olho com um pouco de nojo, vai saber se essa mulher não esteja com um vírus mortífero e vá passar para todo mundo. Corro para longe dela.

  Eu estava sentando na pracinha quando vejo uma mulher com um cabelo rosa grande, e o mesmo vestido arco-íris. Eu levanto com tudo e corro até ela, eu quase caio no meio desse percurso, quando chego ao seu lado eu viro a moça com tudo. Ela me olha assustada, e eu percebo que não era a Laura. Me desculpo e saio do lugar totalmente envergonhado.

  No caminho de volta encontro alguns amigos da faculdade, nada agradável, como sempre. Eu terminei ela faz dois anos, e continuo o mesmo bosta. Enquanto esses riquinhos estão esbanjando dinheiro, cheios de sucesso. Eu estou pensando que ter feito administração foi a pior decisão da minha vida. Na época eu pensei “vou conseguir emprego rapidinho quando eu me formar”, depois que eu me formei percebi que dependia de mim para arrumar, então fiquei desempregado, queria um auxílio emergencial na minha vida.

  Quando chego em casa já vou direto para o chuveiro, São Paulo anda mais doido que meu humor borderline. É só eu sair do chuveiro que uma chuva daquelas começa, pego umas ervas de maconha – estava estressado -, e faço um chazinho. Quando está pronto bebo encostado na parede, olhando para fora. Pensando... Na minha Laurinha.

  Em pouco tempo estou olhando para o meu reflexo e pensando em tanta coisa, mas não chego à nenhuma conclusão e do nada começo a rir. Meu reflexo começa a me aplaudir, e eu fico rindo dele. Como é possível ter um reflexo tão lindo? Queria beija-lo e é isso que eu faço, e então nós paramos de nos beijar e rimos ainda mais. Bebo o resto do chá para aliviar a tensão que tinha ficado entre nós.

  Eu olho para o fundo do espelho e vejo ela.

    ELA.

    A LAURA.

    MINHA LAURINHA.

  - Laura?

  - Sou eu. – Ela toca meu ombro. – Estava com saudade?

  - É claro que estava... Estou alucinando, não é possível. – Ela toca no meu queixo e o levanta.

  - Eu pareço uma alucinação para você? Sou EU, sua LAURA.

  - Minha Laura?

  - Sim, a sua, a única. – Ela me ajuda a levantar, eu a abraço e a toco por completo, como queria senti-la. – Quero que faça algo por mim.

  - O quê? Me diz, eu faço tudo por você.

  - Faz mesmo? – Ela olha para algo no chão, eu olho e vejo um pentagrama, fico confuso e com medo. – Fica no meio. – Mesmo não entendendo, eu fico. – Toma. – Ela me entrega uma faca, eu a pego confuso.

  - Laura, eu não estou entendendo. – Ela abre um sorriso triste, e algumas lagrimas caem do seu rosto.

  - Você precisa fazer isso. Por mim.

  - Do que está falando?

  - Eu não passo de um fantasma, uma alucinação. Dê a sua vida para mim. – Eu engulo em seco. – Preciso que você morra, por favor. Faça isso de uma vez.

  - Eu... Ainda não entendo.

  - Eu sumi durante esses meses porque estou morta, preciso da sua ajuda. Dê a sua vida para mim. – Ela sussurrou algumas palavras, e o pentagrama acendeu. – DÊ A SUA VIDA PARA MIM.

  Eu não sei o porquê, mas eu dei, ela merecia mais do que eu. Foi um ato carregado de amor. Eu a amava tanto que dei a minha vida para ela. Finquei a faca no lado esquerdo meu peito, foi doloroso e lento, mas melhorou quando ela segurou minha mão e disse que me amava.

    Meus olhos se fecharam, e nunca mais abriram.

A menina que roubava corposOnde histórias criam vida. Descubra agora