Chapter 1

3.2K 91 2
                                    

Harry não gostava de Londres. Nem quando ainda era estudante e menos agora. As ruas congestionadas e confusas e o cheiro nauseante de gases de escapamento faziam-no ansiar pelos espaços abertos de sua fazenda. Mas é preciso que se diga que qualquer pessoa que observasse aquele homem alto e impecavelmente vestido, moreno, e com traços levemente cínicos, nunca suspeitaria que ele somente se sentia em casa nos pampas desolados.

Era realmente estranho que, embora tivesse nascido e crescido na Inglaterra, se sentisse bem mais à vontade naquela república sul-americana onde tinha o seu lar. Não guardava boas recordações da infância, num orfanato, e os espaços limitados de sua terra natal nunca o tinham fascinado. Logo que conseguira o diploma de engenheiro, após sacrifícios, partira para lugares mais interessantes. Mas a construção de pontes na Austrália ou de oleodutos no Oriente Médio começaram a se tornar insípidos. Aí, surgira uma oferta; dinheiro alto. Então, resolvera participar das forças mercenárias que lutavam na África Central. Mas toda aquela fortuna não compensava a falta de auto-respeito que sentia ao enfrentar um inimigo descalço, equipado com péssima munição, enquanto ele possuía o que havia de mais sofisticado. Partira, então, para os Estados Unidos, com saldo suficiente para adquirir terras, mas perdera tudo num negócio imobiliário especulativo, ficando sem trabalho e sem dinheiro.

Foi então que conheceu Charles Durham...

Harry caminhou até a janela de sua suíte e olhou para a rua, alguns andares abaixo, sem o menor entusiasmo. Teriam se passado realmente quinze anos, desde aquela noite da briga no bar? Mal podia acreditar! Entretanto, tanta coisa tinha acontecido desde então!

Durham era um arqueólogo, que supervisionara uma importante escavação no México, e que tirara alguns dias para descansar em Nova Orleans. Os dois se conheceram na rua, em frente a um dos muitos bares do local. Harry estava completamente bêbado, lembrava-se agora, contrariado, apanhando do corpulento dono do bar, quando Durham ia passando e vira que se tratava de um compatriota em apuros, indo em seu socorro. Pagara a conta, que tinha sido o motivo da briga, e o barman, consciente de que um Harry sóbrio o venceria sem dificuldades, aceitara o pagamento, aliviado. Durham levara-o até seu quarto, e o tratara até que se recuperasse da bebedeira, e eventualmente o fizera reconhecer que estava se arruinando com aqueles negócios de terras. Depois, oferecera-lhe um trabalho nas escavações no México. Embora Harry não entendesse de arqueologia, havia sido um ótimo discípulo, ansioso por aprender.

Trabalhara quase dois anos para Durham, até que descobriram as ruínas de uma pirâmide maia, e lá embaixo, ainda intocada, a câmara mortuária. Mesmo agora, depois de tantos anos, Harry lembrava-se da emoção que sentira, descobrindo colares, anéis e braceletes que tinham ornamentado o esqueleto, e a máscara de jade que escondia os buracos dos olhos e a boca.

Depois de pagar os impostos devidos, Durham dividira os lucros entre eles. O arqueólogo pretendia usar o dinheiro para financiar um instituto de pesquisas na Inglaterra, mas Harry decidira passar algum tempo na América do Sul. Vivera um ano no Brasil e depois comprara terras em um pequeno local fronteiriço entre o Brasil e o Uruguai.

Embora Durham e ele tivessem combinado não perderem contato, a distância entre a Inglaterra e San Gabriel, onde ele possuía a fazenda, era grande e nunca achara tempo para escrever cartas. Tivera muito que aprender sobre a plantação de milho e juta, e sobre a formação de pomares, onde pudesse colher suas próprias frutas. Mas o que tomava a maior parte de seu tempo era a criação de cavalos e bois, a sua verdadeira paixão. Era como se tivesse passado toda a vida à procura de sua vocação, e quando se vira diante dela, reconhecera-a imediatamente.

Mas há seis semanas, tinha recebido aquela carta...

A campainha do telefone interrompeu seus pensamentos e, movendo-se pela sala, atendeu à chamada.

Anjo LoiroOnde histórias criam vida. Descubra agora