Querida Mara,
você sempre riu do meu ritual matinal de tomar chocolate quente mesmo no calor insuportável em que vivíamos, mas aqui é diferente. O líquido quente e adocicado me ajuda a aquecer e torna a medicação imperceptível, enquanto o vento gélido que ronda a cidade me permite usar blusas de manga comprida sem suar.
Antes de eu sair de casa, fitando a minha imagem projetada pelo espelho na tentativa de decidir se meu macacão preto e a blusa de gola alta listrada no branco e preto eram uma boa opção para o primeiro dia de aula, minha mãe entrou no quarto. Nossa relação havia esfriado e, se não fosse por Pepper, nossa cachorrinha marrom avermelhada, acho que já teríamos enlouquecido.
As vezes, eu a escutava cantando baixinho pela casa e gostava de imaginar que estava feliz, mas a dor dela talvez fosse tão palpável quanto a minha.
Ela me desejou um bom dia e deixei que depositasse um beijo em minha bochecha. Avisou que passaria o dia cuidando dos últimos detalhes do restaurante, mas que naquela semana queria ter um jantar de mãe e filha, o que era irônico, pois sempre fora apenas eu e ela. Sai de casa sem dizer uma palavra.
Ao chegar no colégio, constatei que pior do que ser um rosto desconhecido na sessão de terapia em grupo, era ser a aluna nova.
Me sentei em um banco vazio, onde os raios do sol podiam me atingir, me esquentando. Abri meu livro, mas não consegui prestar atenção nas palavras, pois era curioso observar todos se abraçando e conversando depois das férias.
Imaginei que se você estivesse aqui faríamos parte do burburinho de adolescentes felizes.
Quando o sinal tocou, esperei que todos entrassem e só depois, quando o gramado se encontrava vazio, adentrei o prédio. O que talvez não tenha sido uma boa ideia, pois quando encontrei a minha sala, a aula já tinha começado, fazendo com que todos olhassem para mim quando abri a porta.
O professor perdoou meu atraso e disse que eu podia escolher meu lugar. Me sentei perto da janela e comecei a pegar meu material, mas fui paralisada pela entrada repentina de Lavínia, que fez os alunos rirem com a expressão de derrota do professor que havia falhado na sua segunda tentativa de começar a aula sem interrupções.
A garota se desculpou e esboçou um meio sorriso, se sentando na primeira carteira vaga em seu caminho. Esperava que ela sorrisse para mim ou desse qualquer indicativo de que me conhecesse, o que não aconteceu, me levando a pensar que ela não havia me visto.
Tentei não ponderar sobre e voltei minha atenção para a aula de filosofia. Afinal, não queria começar o ano letivo indo mal na minha matéria preferida.
O professor escreveu no quadro negro em belas letras cursivas: Por que os filósofos davam tanta importância à amizade?
— Espero que o universo não decida me interromper mais uma vez... — disse o homem, arrancando algumas risadinhas. — Como vocês podem ler no quadro, esse semestre será todo dedicado para falarmos sobre amizade.
— A amizade ocorre entre duas pessoas, certo? — o professor assentiu diante da pergunta do garoto. — Isso quer dizer que trabalharemos em dupla?
— Como o Javier gosta de estragar surpresas: sim, vocês farão um trabalho em dupla e para conclusão teremos a apresentação e discussão sobre o que vocês aprenderam.
Uma onda de cochichos começou, amigos se entreolhavam e outros só faltavam grudar suas carteiras.
— Mas, estragando a alegria de vocês, eu já tenho as duplas prontas. — ele sorriu, destoando de todo o restante da classe. — Eu quero que vocês se sintam livres para escrever o que gostarem. Quero que digam sobre a percepção de amizade diante da visão de alguns filósofos que trabalharemos em sala de aula, mas também quero que trabalhem a percepção de vocês, o que deverá ser feito fora da sala de aula.
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PLANETAS ANÕES TAMBÉM SÃO PLANETAS
RomanceTendo planetas anões como uma grande curiosidade, Arizona se identificava com Plutão, o planeta renegado pela União Astronômica Internacional. Embora não seja o único planeta anão, Ari sempre acreditou não obter a sorte de contar com semelhantes, co...