Querida Mara,
— Acho que a sua amiga me odeia. — eu disse para Pol.
Me empolguei com a hora e cheguei trinta minutos mais cedo para a sessão de terapia em grupo, encontrando apenas o garoto. Ajudei-o a organizar as cadeiras em um círculo no meio da quadra e aproveitei para jogar conversa fora.
— Vamos dizer que ela não sabe fazer amizades. — ele riu, acomodando a última cadeira que fecharia a roda.
Se ele sabia sobre o que eu estava falando, Lavínia havia falado sobre mim, certo?
Afastei o pensamento, não é como se ela fosse dizer coisas boas depois de como me tratou no banheiro.
— Você pode ainda não entender, mas tem um motivo para ela fazer as coisas como faz. — ele complementou, sentando-se na arquibancada.
Me acomodei ao seu lado e suspirei, repassando suas palavras em minha cabeça. Talvez Lavínia fosse um enigma que eu ainda não estivesse pronta para desvendar.
— O que você vai fazer hoje depois da reunião? — Apolo perguntou, quebrando o silêncio.
— Tenho que ajudar minha mãe com os últimos detalhes do restaurante que ela vai inaugurar semana que vem. — eu disse. — E você?
— Felizmente, tô de folga do inferno onde eu trabalho. Ia sair com a Lávis, mas ela teve algum imprevisto, tanto que nem vem pra reunião. — ele explicou, e foi olhando para as próprias mãos, tentando esconder o rubor que tomava conta de suas bochechas. — Será que você e a sua mãe não querem ajuda? Tipo, tudo bem se não der... Eu não quero incomodar. Desculpa se for uma péssima ideia...
— Deixa de ser bobo! — eu disse, rindo ao chutar de leve seu All Star roxo com os meus tênis verdes de mesmo modelo. — Minha mãe vai adorar. — ele sorriu, devolvendo o chute.
Em poucos minutos, quase todas as cadeiras do círculo estavam preenchidas. Doutora Abgail demonstrava um bom humor ao perguntar sobre nossas semanas e parecera orgulhosa quando contei que estava conseguindo socializar na escola.
A caminho de casa, Pol ocupou o meu lado no metrô, oferecendo seu fone de ouvido que reproduzia o álbum "Fine Line" do Harry Styles. Ele tirou algumas fotos conforme se interessava pelo que estava acontecendo ao nosso redor, como mãos dadas ou livros que eram segurados com firmeza por passageiros concentrados.
— Você sempre faz isso? — eu perguntei.
— Meio que sim. — ele declarou, parecendo envergonhado. — Acho que posso dizer que sou um fotógrafo amador. — ele me mostrou as pastas da sua galeria de fotos.
— Elas são muito boas! — eu disse com sinceridade. — Você tem alguma conta pra postar elas?
— Ainda me falta coragem pra criá-la.
— Pois bem, eu acho que você deveria. — ele sorriu e eu sorri de volta.
O restaurante se encontrava no térreo de uma construção de dois andares na esquina, originando ironicamente seu nome: "La Esquina", que era escrito em grandes letras luminosas vermelhas em um letreiro verde envolto por luzes amarelas. Em letras brancas menores era possível ler "RESTAURANTE MEXICANO".
No andar de cima, as paredes eram revestidas por tijolinhos vermelhos. Já no de baixo, tanto as internas, quanto externas, tinham sua parte superior recentemente pintada de branco e a inferior de vermelho. O estofado dos sofás que ocupavam os lados opostos das mesas de madeira era de um verde escuro e as janelas eram envolvidas por uma moldura de madeira clara.
Apolo analisava o lugar tão atentamente que se assustou quando percebeu a presença da minha mãe no salão.
— Gostou? — um sorriso iluminava o rosto da mulher que carregava características físicas parecidas com as minhas.
— Sim, senhora. — ele deu uma última olhada em volta.
— Pode me chamar de Olinda, por favor.
— Eu sou o Apolo. — os dois selaram a apresentação com um aperto de mãos.
— Mãe, eu trouxe o Pol para ajudar a gente hoje. Vou subir pra deixar a minha mochila e a gente já começa.
Ela assentiu, ainda sorrindo. Guiei o garoto para o lado de fora e adentramos por outra porta, que dava acesso ao hall e ao pé da escada que nos levava para o andar de cima, onde era a minha casa.
Quando eu destranquei a porta, Pepper correu em nossa direção, pedindo por carinho. Enquanto Pol a acariciava, corri para o meu quarto, aproveitando para também trocar o meu casaco por uma camisa de flanela. Arrumei meus cachos curtos em um rabo desajeitado e voltei para a sala.
Pol se despediu de Pepper com um beijo no focinho e voltamos para o restaurante, onde as perguntas da minha mãe começaram.
— Como foi a terapia?
— Boa. — eu disse, concentrada em pendurar uma das extremidades da bandeira mexicana.
— Tá vendo, Pol? Eu tenho que lidar com esse tipo de resposta todos os dias. Você tem alguma mais criativa? — meu amigo riu, prendendo a outra ponta.
— Foi legal, tivemos algumas dinâmicas e eu descobri que a Ari não é boa em esportes. — ele disse, se referindo a dinâmica com bolas de vôlei em que eu quase acertei a cabeça do pobre garoto.
Eles riram, desenrolando mais histórias. Era a primeira vez em muito tempo que eu e minha mãe ocupávamos o mesmo espaço sem ser em silêncio.
— Estão com fome?
— Morrendo. — eu e Pol dissemos quase ao mesmo tempo depois de horas de "trabalho".
— Então sentem-se, vocês serão meus primeiros clientes.
Apolo se acomodou no lugar a minha frente e abanou-se com as mãos, na tentativa de diminuir o calor. Distraída, arregacei as mangas da minha camisa, as abaixando logo em seguida sem conseguir esconder meu constrangimento do garoto que me olhava com ternura.
— Você não precisa se envergonhar. — ele disse, segurando minhas mãos. — Você não precisa se esconder. — seus dedos correram até meus pulsos. — Posso?
Eu permiti lentamente e o assisti puxá-las para cima. Ele não encarou, nem perguntou por que eu tinha aquelas cicatrizes. Continuamos conversando e posso dizer que tanto meus olhos, quanto os dele brilharam ao ver os pratos que minha mãe acomodara à nossa frente.
Não pensei duas vezes antes de encher minha boca com o burrito de chilli vegetariano e olhei para a minha mãe, que sorria ao nos ver comer.
Acho que posso dizer que naquele momento estávamos verdadeiramente felizes.
Com amor,
Ari.
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PLANETAS ANÕES TAMBÉM SÃO PLANETAS
RomanceTendo planetas anões como uma grande curiosidade, Arizona se identificava com Plutão, o planeta renegado pela União Astronômica Internacional. Embora não seja o único planeta anão, Ari sempre acreditou não obter a sorte de contar com semelhantes, co...