REABILITAÇÃO
O meu nome é Melissa Antunes Giani, mas você deve saber como é. No meio artístico, ninguém é quem deveria ser. Às vezes penso que não sou eu mesma quando assumo a outra identidade e fico me perguntando se isso é comum. Bem, já que falei em coisas incomuns, eu mesma nasci em uma família pouco convencional. O meu pai é músico profissional e vive de dar aula em uma escola de música. Nem sempre foi desse jeito, lembro bem que ele seguia o sonho de ser um rockstar, mas sua banda nunca decolou, se contentando a ganhar trocados em barzinhos. Isso não dá dinheiro e assim que minha mãe nos deixou, ele teve que arranjar um emprego mais estável, digamos assim. Tem horas que fico me culpando por ver que meio que arruinei sua ambição. Não que ele me faça sentir assim, meu pai é um fofo, esse lance é uma coisa minha mesmo. Sei lá. Já minha mãe é uma figura diferente e confesso que dela eu só quero distância. Sei que nos deixou para viver com um cara casado e se mudou para bem longe, sorte nossa. Aconteceu quando eu tinha meus cinco anos, mas ainda lembro bem de quando ela saiu com uma roupa bem curta, maquiagem carregada e garrafa de tequila na mão. Sumiu sem mais nem menos. Ainda nos falamos de vez em nunca pelo celular, mas para mim ela poderia morrer. Enfim.
Comecei falando do meu nome real e acabei me perdendo. Acontece. Então, sou a Melissa Antunes Giani, tenho recém feitos 19 anos e uma coluna fixa na Revista Viva Teen, de circulação nacional, onde falo sobre ídolos adolescentes da música. Como disse, assumo outra identidade no mundo artístico e a coluna é sempre assinada por Mel Jagger. Até gostaria de assinar Melissa Giani, acho que soaria bem, mas minha editora gosta de Mel Jagger, nome sugerido por meu pai, aliás, homenagem ao icônico Mick, dos Stones. Tá, sei que o homem é um velho e que não combina nada com o universo teen atual, mas acham sonoro e vendável. Quem sou eu para contrariar?
No finalzinho do ano passado fiz uma matéria especial para a Viva Teen com o cantor Felipe Bizz. O sujeito é um caso interessante, novinho, com cara de bebê a ponto de fazer as adolescentes se apaixonarem e dono de uma sonoridade marcante que faz até o mais hardcore dos roqueiros olhar para o seu estilo com o mínimo de atenção. Consegui a exclusiva graças ao meu pai, que deu a dica e me apresentou a um músico da banda de apoio do Felipe e que descolou essa oportunidade através de contato com o empresário. O mundo da cultura pop tem muito disso, um cara que conhece um cara que indica um cara para outro cara.
Encurtando um pouco toda a lorota, minha matéria foi premiada em um importante evento do jornalismo brasileiro e ganhou como a "Matéria Teen de 2017". U-A-L! A festa de premiação foi um arraso, cheia de gente, celebridades e ícones do jornalismo nacional. Meu pai bebeu tanto e festejou a noite toda a ponto de perder o paletó. Hilário. Foi épico e, claro, tenho centenas de fotos e postagens nas redes sociais para provar.
Só que nada nessa vida parece ser um mar de rosas, né? No dia seguinte, chegou uma bomba. Sabe a tal maldição dos genes? Pois é. Me pegou. Até aquele momento, eu jamais havia escrito sobre música em si, ou sobre o mundo da música, porque meu foco era na condição de ídolos dos meninos, ou ainda sobre roqueiros na minha coluna, mas a matéria com o Bizz foi tão festejada, tão anunciada, tão premiada, que despertou o senso aguçado da editora-chefe. Segundo ela, eu tinha o dom de transitar por aquele universo do rock.
Bom, na verdade eu concordo. Fui criada entre um show e outro do meu pai e de seus amigos, em meio às festas, barzinhos, eventos, sempre acompanhada de música, claro. Quando não estávamos "trabalhando", nos momentos de lazer também tínhamos a companhia da boa música, especialmente o rock and roll. Acontece que, mesmo assim, meu assunto na revista não tinha tanto a ver com essa vertente. Apesar de entender muito de rock graças ao meu pai, escrevia sobre ídolos adolescentes da música que, muitas vezes, não tinham nem um pingo de rock nas veias. Queríamos meninos bonitinhos, não os badboys. Eu estava feliz e contente por assinar uma coluna na Viva Teen e radiante por ganhar um prêmio. As coisas não poderiam continuar assim?
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Escritor Solidário
AcakProjeto criado pelo escritor e jornalista Arisson Tavares com o objetivo de promover a literatura e a solidariedade.