a princesa não tão morta assim

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- ALIVE, Sia.


capítulo um

Óleo e fogo contra minha pele.
Ardendo e queimando.
Destruindo e reconstruindo cada parte de mim.
Pela mãe.
Senti como se estivesse sido desenhada centímetro por centímetro, cada fio de cabelo, cada mísero detalhe.

Então tudo explodiu em luz.
Me senti ser jogada e atingi dolorosamente o chão de pedra.
O ar entrou em meus pulmões como se tivesse passado séculos sufocada.
E de fato estava.
Minha mente girava e não tive forças pra erguer quaisquer campos de proteção quando senti alguém entrando.

Caldeirão... Caldeirão!
Ele havia me cuspido.
Eu estava viva.

Levantei a cabeça sentindo os fios de cabelo úmidos grudados ao meu rosto.
Apoiei as mãos no chão me forçando a levantar e encarar as pessoas ao redor.
Machos quais eu não conhecia exceto por...

- Você! - vociferei ao ver os cabelos dourados e olhos verdes do herdeiro da corte primaveril.

Avancei em sua direção com séculos de ódio borbulhando dentro de mim e ninguém foi capaz de se pôr a minha frente quando agarrei sua garganta furando-a com as unhas.

- Segurem-na. - a voz soberba de um homem soou e sequer me movi.

Só uma pressão maior e eu tinha absoluta certeza que atingiria uma artéria fatal do pescoço de Tamlin.
Eu ainda sentia a espada de seu pai contra a minha garganta.

Pares de homens me cercaram, me tocaram e passaram a me puxar.
Sorri ao constatar os cortes que havia causado no pescoço de Tamlin quando o mesmo levantou a mão tentando conter o sangue.

- Herdeira da corte noturna. - ergui a cabeça encarando o homem.

No trono.
Com uma maldita coroa.
Rei de Hybern em toda sua glória.
Em posse do caldeirão que havia me trazido de volta.
Eu nem sequer sabia que aquilo era possível.

Uma criada surgiu estendendo um tecido dobrado para mim e peguei passando-o pelo meu corpo, notando só então que estava com frio.

- Levem-na. - as mãos novamente em mim.

Meu sangue ferveu e mesmo ainda confusa, avancei pela mente de cada pessoa ali apenas para me deparar com paredes de pedra.
Alguém estava os protegendo. Não o suficiente.
Era sólida mas frágil, bastava só um pequeno empurrãozinho e derrubaria todas.
Um gesto que exigia mais de mim, do que eu estava disposta a dar no momento.

No entanto, eu podia apenas estalar os dedos para que...

- Não ouse. - o rei tomou minha atenção mais uma vez. - Não vai querer fazer isso, menina.

Rosnei e estava prestes a enevooar os dois guardas que me seguravam quando a vi.

- Mãe. - murmurei incrédula.

Ela também estava aqui.
Estava aqui e estávamos vivas.

- Tente qualquer coisa contra meus guardas... - uma criatura que fez o frio descer pela minha espinha saiu das sombras parando ao lado dela. - E ela pagará.

Congelei.
Imóvel enquanto era arrastada pelos corredores do palácio.
Eu tinha força.
Força o suficiente para derrubar a todos.
Mas algo emanava do rei e me fez recuar.
Era magia antiga e brutal. Mais do que eu conhecia, mais do que eu poderia suportar.

Os sussurros que ouvi dentro do caldeirão, continuavam a soar em minha mente.
Palavras e frases sem sentido algum.
Ele quis me dizer algo, ele me disse algo, infelizmente eu não fazia idéia do significado considerando o estado que me encontrava poucos momentos antes.

O maldito nos matou e guardou nossas asas.
As manteu por todos esses séculos.
Desgraçados.

Eu os mataria, um a um.
Começando pelo caçula, que agora já era um homem, apenas para enviar uma mensagem a seu pai.

Maldição!
Tamlin era amigo de Rhys e ficou parado como se não importássemos.
Como se eu não importasse.

E Rhys.
Meus olhos lacrimejaram.
Ele precisava estar vivo. Eu não era capaz de pensar na alternativa.
Ele e os outros dois idiotas.
Enquanto era arrastada fiz uma prece ao caldeirão, esperando já não ter ganhado muito, que o temperamento esquentado e difícil de lidar não tivesse matado Cass.
Que o silêncio e hesitação não tivesse... pela mãe, ele não ousaria morrer!
Eu o traria de volta apenas para matá-lo novamente.

Fui jogada em uma cela escura e asquerosa tropeçando em meus próprios pés.
Estava presa.
Paredes, grades e com um único cúbico aberto que reluzia a luz das estrelas.
As asas formigaram em lembrete ao que eu não fazia a anos. Lembrete de algo que eu precisava fazer imediatamente.

Diferente de Rhys, as minhas não eram ocultadas por uma magia.
Pelo menos não da mesma forma que a dele e de outros illiryanos.

A minha estava na tatuagem em meu corpo.
As linhas pretas que cobriam do ombro até as coxas.
Presente permitido do meu pai.
Autorizou que eu mantivesse minhas asas quando amadureci e permitiu que achassemos uma forma de escondê-la.
Elas só precisavam ser conjuradas.

Olhei em volta franzindo o nariz ao constatar o quão nojento era o local.
Senti falta da minha cama.
Da minha casa.
Não na corte noturna.
Em velaris.

Naquela noite embolada na cama encarando aquele pequeno buraco na parede, notei que não era um dia qualquer.
As estrelas despencavam do céu maravilhosamente.
E mesmo pela situação atual, me permiti chorar por vê-las outra vez.
Por me lembrarem de casa.
Por me lembrarem daqueles que amava.

Enviei, mesmo que inultimente, uma mensagem a Rhys.
Ambos amávamos a queda das estrelas.
Era nossa maior diversão sujar um ao outro com pó de estrela.

Esteja vivo.
Esteja vivo.
Esteja vivo.

Quando adormeci, pude jurar ter sentido as sombras me abraçarem gentilmente.

Corte de Memórias e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora