Mudanças

4K 304 105
                                    

Sakura

Abri meus olhos, lentamente, acordada pela luz do sol. Suspirei, irritada por ter sido bruscamente tirada do sonho que estivera tendo. Empurrei o edredom sobre a cama e me debrucei no travesseiro, vendo Kami, uma de minhas serviçais, abrindo minhas cortinas brancas de seda pura.

- Quem te deu ordens para me acordar? – exigi saber, autoritária.

Kami se assustou com minha voz. Ela deu um pulo amedrontado e se virou na minha direção, tremendo. Cinco anos atrás eu teria pena dela. Hoje não. Eu tinha mudado muito depois de tanto tempo com Itachi. Tinha aprendido com ele... Não sei se aprendido o certo, mas aprendido, definitivamente.

- O Sr. Uchiha exigiu que eu abrisse as cortinas – respondeu ela, sua voz submissa e cheia de medo. – Ele disse que já está na hora de acordar.

Fiz um "hm" desinteressado. Itachi Uchiha era um ditador digno de Adolf Hitler. E, quanto ao que dizia ao meu horário de sono, a cada dia que passava ele piorava um pouco.

- Você já pode ir, Kami. Deixe que eu me resolvo com meu marido.

- Mas... Mas ele me mandou limpar o quarto primeiro...

- Saia! – gritei, subindo a voz como raramente tinha de fazer. – Eu já disse que depois eu mesma me resolvo com meu marido. Agora saia de meu quarto antes que eu me arrependa de tê-la deixado sair viva!

Kami soltou um gemido amedrontado e correu para fora do quarto, batendo a porta – exigência constante minha – antes de ir de vez. Suspirei, saturada da incompetência de meus empregados, e levantei da cama, pisando descalça no chão gelado do quarto.

Fui ao meu banheiro e olhei-me no espelho. Meus cabelos rosas estavam quase no meio das costas, e ali eu os manteria. Cabelos curtos me lembravam Sasuke. E eu evitava esse nome terrível o máximo que podia.

A porta do quarto se abriu, lá fora, enquanto eu tirava a camisola de cetim azul.

- Sakura? – chamou Itachi. Senti um enjôo subir pelo meu estômago e parar na minha garganta quando ouvi sua voz. Como eu detestava aquela voz!

Apressei-me em pegar meu roupão de banho e cobrir meu corpo – e meus machucados recentes, que ainda sangravam, feitos na noite anterior.

- No banheiro – avisei, lavando meu rosto níveo.

Itachi entrou no banheiro. Ele não estava usando sua longa capa preta, o que significava que ficaria em casa hoje. "Ótimo", pensei. "Eu queria mesmo que ele ficasse aqui hoje!"

- Kami está devastadoramente assustada, na cozinha – disse ele, mantendo uma distância segura de mim. – Posso saber o que houve?

Virei-me para Itachi, num impulso, e apontei o dedo para ele, irritada.

- Não gosto quando você manda os empregados me acordarem! – falei, mantendo o tom de voz baixo e ameaçador. – Você sabe disso!

Itachi estalou a língua no céu da boca, dando pouca – ou nenhuma – importância ao que eu dizia.

- Aprenda a dormir menos. Atualmente você dormido demais. Parece até que está grávida.

Pelo espelho, vi os olhos de Itachi brilharem.

- Você está grávida, Sakura? – perguntou, sem demonstrar a animação que eu sabia que havia lá dentro dele.

- Não, Itachi. Eu já te disse que sou estéril. Nosso médico já lhe disse isso. Até o antigo sábio da vila já lhe disse que não posso ter filhos.

Itachi soltou um suspiro desanimado, irritado e discreto. Quase imperceptível. Ele era louco para ter um filho homem, para seguir seus passos. E, eu sei que corria risco ao mentir para ele, mas eu tomava ervas seriamente perigosas para não correr o risco de engravidar. E, além disso, eu tinha subornado todos os médicos, sábios e parteiros da vila para dizerem a Itachi o mesmo. A verdade era que eu não queria ter um filho com ele. Não queria ter nada com ele além daquele casamento obrigado. Aquilo já era demais. Eu não queria colocar uma criança no mundo para sofrer nas mãos do pai. Para virar um ditador.

- Vou ficar em casa hoje – anunciou ele, apesar de eu já saber disso. – Quero que se arrume e se prepare, pois vou chamar alguns amigos para o jantar.

Assenti, temendo o que Itachi poderia dizer caso eu negasse por causa dos machucados. Itachi se distanciou mais, virando de costas. Mas, antes que ele fosse, não pude me conter. Tive de dizer:

- Ainda estou machucada.

Itachi parou onde estava e se virou para mim, o cenho franzido e a boca comprimida numa expressão que eu conhecia. Aquela expressão queria dizer "a culpa é toda sua".

- Quão machucada? – perguntou, frio, sério e cético.

Desamarrei o roupão de banho, deixando-o cair no chão e revelar meu corpo nu, cheio de cicatrizes recentes, ainda não tratadas, e os longos e profundos cortes em meus braços.

Itachi fez um "hm" para a visão e se virou de costas para mim outra vez.

- Faça bandagens – orientou. – Eu justificarei os machucados depois.

Itachi não disse mais nada e saiu do quarto. Quando ele se foi, entrei no Box e abri o chuveiro o mais gelado que pude. Precisava de água fria para curar aqueles ferimentos. Soltei um gemido baixinho e franzi todo o rosto quando a dor do sabão nos cortes me atingiu. Lavei todos com atenção e cuidado e, depois de me secar e vestir, procurei pelas bandagens nas gavetas do armário do banheiro. Amarrei as bandagens nos braços e prendi, com força, parando o sangramento. Iria ao hospital no dia seguinte, resolver aqueles cortes, mas, por hora, era o que eu podia fazer.


                                                                                       __________


À noite, quando os amigos de Itachi chegaram, eu estava perfeitamente arrumada em melhor vestido vermelho, com os cabelos presos num coque, os olhos muito maquiados, e as bandagens brancas e impecavelmente limpas enroladas nos braços.

Itachi deu qualquer explicação a eles, que também não acreditavam muito em nada do que o amigo dizia porque sabiam bem o quanto eu era agredida naquela casa, e nós jantamos. Eu sempre ficava em silêncio nessas ocasiões, e dessa vez não foi diferente. Passei a noite quieta, como um cão adestrado. Quando os amigos de Itachi se foram e nós ficamos sozinhos, ele beijou meu pescoço, dando a entender o que eu tanto queria evitar.

- Se importa se eu ficar um pouco mais aqui embaixo e tocar um pouco de piano? – perguntei, ganhando tempo para fugir de mais uma noite com ele. Itachi sempre dormia quando eu pedia para ficar e tocar piano.

- Tudo bem. Mas não demore demais. Eu geralmente fico cansado de esperar. E você sabe o quanto odeio esperar – ameaçou ele. Acho que ele estava começando a perceber que aquilo era apenas um truque para fugir de seu corpo sobre o meu... Argh!

- Não vou demorar – garanti, meio mentindo meio dizendo a verdade.

Itachi me deu as costas e subiu as escadas, deixando-me sozinha com meu querido piano. Sentei-me em frente ao instrumento e dedilhei algumas notas, só sentindo o som e a vibração das teclas sob meus dedos.

Comecei a tocar uma música, lenta, triste, quase uma marcha fúnebre. Mas logo desisti e fiquei apenas encarando o piano, pensando no que minha vida tinha se tornado. Quem era eu agora? Era a Sra. Uchiha, mas, definitivamente, não da forma que eu sonhara. Era uma mulher, apesar de ter menos de vinte e um anos, era uma sofredora, uma guerreira e uma megera. Era uma pessoa a quem todos temiam. Até mesmo Naruto tinha medo de mim agora, apesar de eu ter salvado sua vida várias vezes quando ele se rebelara contra Itachi.

Os passos atrás de mim me assustaram, mas não demonstrei nenhuma expressão. Eu tinha aprendido muito bem com Itachi a ser neutra.

- Desculpe, Itachi, acho que me perdi em pensamentos – eu disse, fechando o piano. – Já estou indo.

Soltei um suspiro interno por saber que não conseguiria fugir dele hoje e peguei a taça de vinho que estava sobre o piano e que eu estivera bebendo durante meu momento nostálgico.

Levantei-me e me virei. E deixei minha taça de vinho cair no chão e se quebrar em meu pé ao ver que não era Itachi atrás de mim, e sim seu irmão. Sasuke.

TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora