Capítulo 7- O resgate

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- Eu não tenho nada, sou pobre. Se perdi aqui em Inglaterra, se quês me assaltar vais perder teu tempo, e se queres me violar estás a vontade- falei tão rápido ( em português ) que fiquei sem ar.

- Te violar? te assaltar? estás a falar do quê?- perguntou a moça com muita delicadeza.

- Tu falas português?

- Iria falar contigo em inglês, mas como também falas português

- Tu por acaso és angolana?

- Se eu não fosse nem estaria aqui a falar contigo.

- Como assim?

Ela apontou pra minha mala e notei que havia um autocolante da bandeira de Angola nela. Isso é trabalho do meu pai.

- Tu vives na rua? assim bem bonito?- ela me perguntou já me reparando.

- Tu falas com pessoas que vivem na rua? assim bem bonita?- ela sorriu.

Ya, eu sou rabugento mesmo.

- Eu estava a ir pra uma festa, mas como vi um angolano com malas e ainda mais assim bem vestido, achei que precisavas de ajuda. Precisas?

- Sim preciso. É uma história longa, mas se puderes me dar um prato de comida eu posso contar ela do principio ao fim.

- O que me garante que não és um predador ou que não vais me assaltar se eu te levar em minha casa?

- Tu viste a pouco que eu sou muito medroso, até permiti que me violasses.

- Isso não garante nada.

- Ok, eu não sou nenhum assaltante, eu nem teria pra onde ir após eu te assaltar. Sou apenas um jovem angolano que se perdeu em UK e precisa se alimentar senão irá morrer. - pra aumentar no drama, mostrei-lhe as minhas medicações todas, que não eram poucas.

Ela ficou parada a me olhar e depois de um tempo pegou uma de minhas malas.

- A minha casa é próxima daqui. - suspirei de alívio. Pelo menos essa bandeira serviu pra alguma coisa.

Enquanto íamos tentei abrir papo com ela, apesar da fome e frio que eu tinha não deixei de notar que ela é muito bonita.

- Não me disseste o teu nome - disse à ela

- Cláudia. E o teu?

- Samuel. Vives aqui há muito tempo?

- 3 anos. Sou uma estudante da universidade de Wolverhampton.

- Vamos ainda ver se ainda és mesmo angolana, me diz como é que se diz lutar no nosso calão?

- Balar- ela respondeu rispidamente

- Polícia?

- Baba, poliangue*, boneco azul.

- Nome da melhor sandes?

- Magoga, chandula*

- Transforma a frase " Roubaram o meu telefone "

- Pinaram o meu baica.

- Meu pai me ralhou.

- Velho me deu dica gata - eu sorri após ela responder todas essas questões.

- Sim és mesmo angolana - ela sorriu.

- O facto de eu viver aqui não quer dizer que eu não sei nada da banda. E chegamos. O meu apê fica nesse prédio.

Entramos no prédio, fomos pra o elevador e por fim chegamos no seu " apê ".

Não deu pra não reparar na casa dela. Não era tão grande e nem tão pequena, tinha uma decoração e simples e cenas de jovens mulheres ( tipo roupa espalhada por toda casa e kit de maquilhagem na mesa ).

- Sinta-se à vontade - disse ela indo pra o quarto.

Pensei já em se desmontar, mas quando lembrei do frio. Pausei.

- Já não vais mais na tal festa?

- E te deixar aqui sozinho? pra destruir a minha casa?

- Ok é justo. Vives sozinha?

- Não, vivo com uma brasileira chamada Bruna. Nós duas dividimos as contas da casa. Não tenho nada feito, vou encomendar pizza. - ela gritava do quarto.

- E onde é que está ela?- perguntei curioso.

- Na festa onde eu estava pra ir. A pizza está a caminho, podes já contar a tua história - ela veio sentar ao meu lado no sofá, já de um calção curto e uma blusa. " Devagar moça" pensei dentro de mim.

- Antes deixa eu tomar a medicação.

- Ok, vou buscar um copo de água- ela levantou e shiiiii. Que corpaço.

Tentei disfarçar que não olhei, mas ya, não dava pra não olhar.

- Tá aqui- ela me entregou o copo de água e de seguida eu tomei aquele montão de comprimido.

Comecei a contar a história do principio, desde o jogo, o diagnóstico, a viagem e por fim:

-... Cheguei lá e não havia nenhum doutor André. Por isso estava a dormir naquele banco.

- E o que irias fazer se eu não aparecesse?

- Arranjaria um jeito de falar com a minha família. Se eu voltar pra Angola sem ser operado, bem, as coisas vão ficar feias pra mim.

- Podes ficar aqui essa noite, e amanhã procura entrar em contacto com a tua família e resolver esse mal entendido.

- Obrigado pela ajuda Cláudia- e surgiu um clima silencioso, a baby começou a me concentrar sem dizer nada. Parece que gostou do Bolo de chocolate. E antes de eu encostar um pouco até ela, a campanhia tocou. Droga.

- Deve ser a pizza.

Ela levantou e... ya vocês já sabem. Neide Sofia aqui perde rede.

Começamos a nos deliciar da pizza, conversa daqui, conversa daí, descobri que ela é do Alvalade e não tem namorado ( bom pra mim ) e que está a fazer o curso de Gestão e Marketing.

- Podes me ajudar com a língua? estou com muita dificuldade- perguntei a ela, era mais uma desculpa pra eu poder estar ao lado dela mais tempo.

- Primeiro descobre ainda se esse médico André existe mesmo.

Preocupação voltou. E se aquele médico nos mentiu?

- E se ele existir?

- Eu te ajudo na boa. Pensas em comprar uma casa ou ias viver com ele?

- Penso em comprar uma e tentar entrar num clube de futebol. Quem sabe eu receba bem.

- Podes ficar aqui até tu encontrares uma casa.

- A Bruna não vai se importar?

- Posso falar com ela.

Fezada ya.

Depois de muita pizza e TV, ela ficou com sono e foi pra o quarto dela dormir, não antes de dar dois lençóis pra mim. Eu não queria apressar as coisas então não entrei com conversas afiadas, tudo nas calmas.

Em segundos caí num sono que eu muito queria e precisava.

Umas horas depois senti a porta a ser aberta, e como estava escuro não vi quem era. Então fiquei em alerta, tinha esquecido que ela vivia com mais alguém. Percebi que a pessoa que abriu a porta não estava sozinha, e parece que eles estavam em beijos e já começavam a tirar a roupa. E eu aí sentado no sofá vendo tudo.

A primeira pessoa que se apercebeu foi a rapariga que começou com os gritos, e não parava de gritar " ladrão, ladrão ". O wi pegou um vaso que estava na sala e me deu logo da cabeça.

Mas essa é a vantagem de ter cabeça grande: eu não desmaiei nem perdi os sentidos, e a pessoa que me deu com o vaso parecia que tava cheio de medo, porque nem me deu com tanta força. E depois desse ato dele eu reagi, meu lado do gueto acordou e disse pra dentro de mim: Agora é que vais saber como é que a policia bate, depois mais sou do Rangel. Ninguém foge!

Em Busca do SonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora