Capítulo 1 - Bianna

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Bianna

— MERDA! MERDA! MAS QUE MERDA!

Ouço meu vizinho do lado xingando sem parar. Me remexo na cama quentinha tentando encontrar o celular para ver que horas são. Ainda teria mais vinte minutos para dormir antes do despertador tocar se não tivesse sido, mais uma vez, agraciada pelo temperamento nada agradável do meu vizinho.

Mas que jeito infernal de ser acordada...

Só mais cinco minutos. Penso, me aconchegando em meio às roupas de cama quentinhas e quando estou quase pegando no sono de novo, ouço outro som irritante, só que desta vez, é o despertador e não meu ele. Arrasto meu traseiro para o banheiro, preciso de um banho para terminar de despertar, porque pela forma como fui acordada, acho que deve ser um sinal de que o dia hoje promete ser bem longo.

Deixo a água quente tirar o shampoo do meu cabelo enquanto penso nos ingrediente para uma torta de amora que terei que fazer mais tarde no curso de culinária. Hoje, na aula de confeitaria, teremos que fazer uma receita escolhida pelo chef e acrescentar um ingrediente a nossa escolha para dar um toque pessoal, algo que deixe o sabor único. Vou considerar cada pequena dica que vovó me ensinou quando eu era criança, porque não há como criar algo especial sem incluí-la de alguma forma.

Que saudades dela.

Da minha casa.

Do Brasil.

Morar em Nova Iorque enquanto minha família está no Brasil torna tudo mais difícil, não posso voltar para vê-los, porque corro o risco de não conseguir entrar de novo nos Estados Unidos e por eu estar aqui, o visto de nenhum deles foi aprovado. Provavelmente porque a imigração tem medo de que todos queiramos ficar por aqui ilegalmente.

O que não seria uma má ideia...

Sempre tive o sonho de estudar culinária em uma das maiores universidades dos Estados Unidos, esse sonho, infelizmente, não consegui realizar, mas não perdi muito tempo chorando por esse motivo, em vez disso, fiz faculdade no Brasil mesmo e assim que fiquei sabendo que abriu vaga para o curso de culinária avançada com certificação especial na Culinary School NY e eu logo me inscrevi. Por ser uma das melhores alunas na minha classe fui aprovada e aqui estou eu.

No começo foi difícil, me vi em um país desconhecido, em meio a pessoas que nunca vi e que falavam uma língua que eu não dominava cem por cento. Uma coisa é certa, quando alguém postar um vídeo no YouTube dizendo "Fique fluente em uma semana", podem passar direto, ou excluam suas contas, porque é a mais pura mentira. É preciso passar muita fome antes de saber pronunciar algo simples como Hot Dog.

Sem contar no começo do curso, quando estávamos fazendo uma torta de ervilhas e um dos meus professores me pediu para adicionar pears e eu entendi pepper, o resultado foi péssimo, uma vez que não tinha água suficiente para uma turma inteira tentar refrescar sua língua. Além de ter perdido aquela competição, ainda paguei o maior mico na frente de todos os alunos. Algumas pessoas me chamam de pepper até hoje.

Mesmo já estando aqui há bastante tempo e dominando bem a língua, ainda tenho dificuldade em acreditar que estou realmente tendo essa oportunidade. E o melhor de tudo? No final do curso todos os alunos concorrem a uma única e exclusivíssima vaga de aprendiz, com um dos maiores chef do mundo na Culinary School NY. E este se tornou meu objetivo de vida desde então. Entretanto, para que isso aconteça eu preciso fazer algo...

Ilegal.

Ou parcialmente ilegal.

Preciso ficar no país até sair a resposta da vaga, para então pedir o novo visto especifico de trabalhadora. Mas para isso, vou ter que ficar alguns dias, ou semanas por aqui, mesmo depois do meu visto de estudante ter expirado. Isso tem tirado meu sono, e faz com que eu me revire na cama até altas horas da noite, no entanto, é um tempo que gasto brincando com Mr. Bean.

Doce VizinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora