Cap 2 - Hugo

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Hugo

Tenho tanta coisa para fazer hoje, que sequer sei por onde começo. Há uma sessão de fotos em meia hora e duas na parte da tarde e entre os três compromissos, também preciso pegar meu filho com minha ex. Não estou com saco para lidar com ela hoje, ou qualquer outro dia, mas hoje, bom, hoje eu tenho uma sessão de fotos de comida. COMIDA. Quem gosta de fotografar empanados e canapés?

Bom, eu obviamente não.

Mas é o que mais tenho feito ultimamente, um, porque me chamam e dois, porque não recuso trabalho, nunca, afinal, tenho o aluguel de um apartamento, um estúdio fotográfico e um filho. Só Deus sabe como ex-mulheres mal resolvidas podem gastar com supérfluos quando estão querendo irritar você. Então sim, eu fotografo azeitonas para ganhar dinheiro.

Checo as horas no celular, estou atrasado, mas não porque sou alguém preguiçoso que passa tempo demais na cama, mas sim porque tive o pé enfiado em merda assim que acordei. É, você leu certo. Não tenho qualquer tipo de animal, nem mesmo um peixe, exatamente por isso, porque até mesmo limpar um aquário é algo que não tenho tempo. Então imagine minha felicidade ao encontrar cocô no tapete da minha sala quase todos os dias.

Quase todos os dias.

Eu moro em um apartamento. Gostaria de entender como algum animal consegue entrar nele sendo que deixo tudo fechado, mas bom, acho que isso é algo que nunca, definitivamente nunca irei saber, porque o espertinho não deixa rastros. Bom, ele deixa um, mas não é bem o que chamam de pista. Não conheço tipos de merda, não sei diferenciar o cocô de cachorro ou um rinoceronte, então eu realmente não faço ideia do que seja.

Obviamente nenhum rinoceronte seria tão silencioso ou conseguiria passar por algum pequeno espaço e se esgueirar para dentro do apartamento, então por esse motivo, eu diria que pode ser um gato. Cachorros não possuem habilidades para escalar uma parede. Ou eu acho que não. Como disse, não sei nada sobre animais.

Tive um cachorro quando era criança, mas ele me odiava, tenho uma marca na porra da minha coxa por causa de uma mordida que ele me deu. Ele deveria ter algum problema relacionado a raiva, as vezes até mesmo acho que passou para mim. Mas isso não vem ao caso agora. Além dele, também tive um peixe. Ele não durou mais do que um pacote de queijo em uma casa com quatro moradores.

Até hoje posso ouvir a voz da minha mãe falando sobre ter feito um belo funeral particular para ele, mal sabe ela que eu estava bisbilhotando entre a brecha da porta o momento exato em que ela o jogou no vaso sanitário. O som da descarga ainda não é capaz de sair da minha cabeça. Por isso, por esses dois motivos, e também por realmente não ter tempo, não tenho animais.

Mas olhem só, tenho um tapete com cocô mesmo assim.

Tomo um banho rápido, gasto quase todo o tempo esfregando entre meus dedos dos pés, o cheiro se espalha pelo banheiro e minha consciência me parabeniza pela decisão que tomei sobre não adotar nenhum animal. Mas quem estou tentando enganar? Há muito tempo limpo a sujeira de um, então que diferença isso faz?

Faço todo o caminho do meu quarto praguejando, já repeti tantas vezes a palavra "merda" que tenho medo de pisar em outra. Faço uma anotação mental de parar de andar descalço. Talvez eu compre uma galocha para andar dentro do meu próprio apartamento que não tem animais. Visto meu uniforme preto com minha logo estampada no peito. Não tenho tempo de fazer minha barba graças ao ocorrido.

Ouço a porta do apartamento ao lado bater. Morar em NY é um inferno. Todos sabem que aqui, os apartamentos são minúsculos e nesse prédio, ao menos, as paredes parecem terem sido feitas de papel. Editar imagens é algo que exige concentração, concentração é algo que só se consegue com silêncio e silêncio é algo que nunca tenho quando ela está em casa.

Doce VizinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora