QUATORZE

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Na ilha, as semanas de inverno cederam lentamente à primavera. Todos os dias, por mais curtos que fossem, pareciam durar uma eternidade, à medida que o sol se movia no céu azul pálido. Olhando pela janela em sua ilha, Adair observou os casacos das cabras espessarem contra o frio e depois fugirem com o início da primavera, deixando mechas de pelo espalhadas nas rochas como sementes de dente de leão. E ramos verdes e frescos apareceram nos galhos dos pinheiros na medida que o musgo cresceu tão grosso quanto um cobertor sobre a vegetação.

Adair estava ao pé da cama de Lanny, quase explodindo de impaciência. Ela estava dormindo há meses, o frasco embalado firmemente em sua mão. Ele nunca imaginou, quando concordou em ajudá-la, que ela ficaria longe por tanto tempo. Parecia um truque cruel e ele se perguntou pela milésima vez se ela o fizera de propósito. Ele ansiava por chamá-la de volta e, no entanto, a honra o impedia de fazê-lo - honra! Ele certamente nunca foi chamado de homem honrado antes e não estava alheio a ironia. Durante séculos, ele viveu feliz com seu próprio código, sua lealdade jurada ao conhecimento e à descoberta. Agora, era a ideia de honra a Lanore que reinava dentro dele. Ele pensou nas coisas que havia feito em sua vida que a horrorizariam, além de mentir, roubar e enganar. Ela tinha uma noção dessas ações do passado dele, é claro, mas se ela descobrisse todas, realmente saberia do que ele era capaz, ele temia que se ela descobrisse essas coisas, ela nunca seria capaz de amá-lo, que nunca confiaria nele. Ele poderia ser corrupto demais para merecer o seu amor, seus pecados eram horríveis demais para serem perdoados - esse auto reconhecimento de sua indignidade era por si só uma prova de quanto ele havia mudado, mas seria o suficiente para conquistar Lanore?

Ele estava cansado de daquele suspense. Volte para mim, ele pensou, batendo as juntas impacientemente contra a grade ao pé da cama dela. Ela poderia voltar se soubesse o quanto eu a quero aqui, ele pensou enquanto fechava os olhos, alimentando ardor que queimava no fundo de seu coração. Certamente você pode sentir o quanto eu quero você aqui comigo.

Ela poderia voltar se tudo estivesse bonito e pronto para ela, concluiu ele. Essa ideia de beleza flutuava sobre a ilha como pólen no vento, e pequenas mudas começaram a brotar instantaneamente onde havia apenas rocha negra e, a partir das mudas, caules disparados para o céu, folhas desenroladas e espalhadas. Os botões apareceram de todas as cores - rosa pálido, lavanda, índigo, branco - depois floresceram à luz do sol. Um tapete de flores se espalhou pela ilha de um lado ao outro, cobrindo rochas, musgo e a praia de calhau negra. As cabras atacaram as plantas com apetite, mas as flores voltavam a crescer instantaneamente, sem se deixar abater. A ilha estava coberta de um tumulto de cor pastel; videiras subiam pelas muralhas da fortaleza e logo petúnias e glórias da manhã se enroscavam nas barras de ferro sobre as janelas. A ilha também estava repleta de perfume, o perfume sutil de centenas de milhares de flores.

Acorde, ele pensou, subindo na cama ao lado dela. Um coração que sente amor profundamente e pode criar tanta beleza pode ser totalmente ruim? Queria ele perguntar a ela. Você vai acreditar agora que eu me arrependi por você, vai me dizer que pode confiar em mim com todo o seu coração?

Adair adormeceu. Algum tempo depois, acordou com o som da música tocando docemente no chão abaixo. O sol havia deslizado sobre o horizonte e o céu lá fora havia ganhado tons de pervinca. Estava anoitecendo.

O som que subia pelas escadas não era como o hip-hop zangado e o thrash metal que as garotas escutavam antes, o tipo de música que elas utilizavam para atrai sua atenção. Não, isso era doce e agradável, havia sons de velhas guitarras ciganas, algo como Django Reinhardt. Talvez a primavera forçada tenha levantado o ânimo - embora isso parecesse improvável. Ele havia deixado as meninas sozinhas por semanas, mal conseguindo se lembrar da última vez que falou com elas. Ele não as culparia se tivessem feito as malas para deixá-lo; e sendo honesto, ele preferia que fosse assim.

The Descent - Alma Katsu  (TRADUÇÃO - A DESCIDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora