QUINZE (Temporário)

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A porta se abriu na minha frente. Uma salvação. Com os três demônios galopando pela passagem estreita atrás de mim, rapidamente, corri pela porta rezando: Por favor, que tenha uma tranca do outro lado. Por favor, deixe que haja uma maneira de mantê-los fora.

No entanto, assim que entrei, mergulhei em um lugar completamente diferente. O que era uma porta de madeira rústica e áspera de um lado era feita de madeira laminada lisa do outro. Havia uma alavanca de metal escovado do lado, uma coisa muito moderna. Não havia ferrolho, mas também não havia sinal de demônios: nenhum barulho do outro lado da porta, nenhum movimento da maçaneta, nada. Eu imediatamente soube pelo cheiro de desinfetante que estava em um hospital.

Era o quarto de Luke no hospital. Todos os detalhes estavam como eu me lembrava, até o cheiro azedo de vômito e o odor de fluido de limpeza fraco pairando no ar, o cobertor branco na cama de Luke, sua superfície já marcada pelo número de lavagens. Por que eu fui trazida de volta a esse momento tão doloroso? Já não tinha sido terrível da primeira vez, tendo que o ver impotente daquela maneira? O que mais eu poderia aprender com o sofrimento dele – isso se, de fato, eu tivesse sido levada para esta sala para aprender alguma coisa. A não ser que eu tivesse sido enviada aqui apenas para mais uma dose de punição.

Eu nunca traí Luke, mas eu estava em um estado contínuo de indecisão o tempo todo em que estivemos juntos, sem saber se eu tinha feito a coisa certa ao retornar para ele depois de ter sido completamente apagada de sua memória. Enquanto eu era atormentada pelos pesadelos com Jonathan, foi somente agora que estive contato com Adair novamente - e o vi tão mudado - que eu podia admitir, até para mim mesma, que era com ele que eu sonhava, por quem eu ansiava, fisicamente. Foi assim que traí Luke - no meu anseio por Adair. Não era tão errado assim, era? Viver com um homem enquanto sua mente está em outro? Ser incapaz de parar de pensar nesse outro homem que, por um motivo ou outro, não era aquele sentado ao seu lado. Pensar na maneira como os olhos dele se iluminavam quando ele te via, no sorriso malicioso dele e como era quando ele te abraçava, como você reagiu ao toque de suas mãos. Em momentos solitários, você se lembra das pequenas intimidades, da sensação da pele dele contra a sua, do jeito que ele gostava de ser tocado, do prazer aveludado de seu membro, do jeito que ele a provava. Você pensa nele, mesmo que nunca pudesse estar com ele. Sua ausência incomodava como uma ferida que você não podia tocar.

Alguns diriam que eu nunca deveria ter voltado para Luke se era assim que eu me sentia sobre Adair, que era errado de minha parte voltar para ele sendo que eu tinha dúvidas. Mas a fidelidade completa do coração em um relacionamento é sempre algo que me escapou. Muitas vezes me pergunto como essas pessoas conseguem viver vidas tão diretas, para manter suas emoções tão simples e organizadas. Eles eliminam as complicações da vida tão impiedosamente quanto exterminariam insetos em um jardim? Às vezes, uma erva daninha se transforma em uma bela flor ou em uma erva útil, mas você nunca poder saber se a colhe cedo demais. Será que eles se arrependem das coisas que jogaram fora? Eu perguntaria a essas pessoas seguras qual de nós tem o luxo de ter tanta certeza das coisas? Quem pode ter 100% de certeza de suas escolhas na vida? Como você sabe que sua amada sempre permanecerá a mesma ou que você nunca mudará de ideia? Crescimento e mudança são dois dos grandes presentes que recebemos com o tempo. Seria idiotice desprezá-los.

Além disso, eu amava Luke – eu sei que o amava. Mas ele não era o único que eu queria, e querer não é o mesmo que amar. Assim como eu sabia que amava Luke, não tinha certeza se amava Adair. Eu não podia descartar que minha atração por ele não era um caso avançado de luxúria, embora isso não signifique que seja inconsequente. Somente um tolo subestimaria o poder da luxúria. Reinos foram conquistados e perdidos, homens e animais lutaram até a morte por causa disso.

Agora, se eu fosse a mesma garota do início de minha jornada - a mesma garota que amava Jonathan cegamente - eu sei que escolha eu faria. Eu deixaria de lado um bom homem como Luke para me arriscar com Adair. E eu ficaria infeliz em pouco tempo, refém do temperamento precipitado e do comportamento errático de Adair, que em minha inexperiência eu aceitaria sem nem um gemido. Eu ainda não tinha aprendido que não havia problema em exigir coisas das pessoas que amamos, que não precisávamos aceitar os outros exatamente como eles vieram até nós. Afinal, ninguém é perfeito.

The Descent - Alma Katsu  (TRADUÇÃO - A DESCIDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora