Antes que me perguntem eu quero explicar: na minha concepção existem dois tipos de realizações: realizar=fazer
realizar=ousar.
No primeiro o resultado é palpável, você fez. No outro, não necessariamente.
Mas você ousou, desejou, trabalhou para realizar e mesmo que não tenha tido um resultado de fato, ainda assim se sente feliz.
Brasil- Mato Grosso do Sul 20/05/2020
Estamos na quarentena de quase 90 dias já, o distanciamento ou isolamento social não foi suspenso, e mesmo assim o número de mortes pela COVID-19 é continuo e constante.
Esta é a história de uma mulher comum, do povo e essa mulher sou eu, é você e são todas as mulheres que sempre lutaram pelos seus filhos e por um lugar ao sol.
Alternam-se em minha mente vários eus: ora a criança, ora a jovem, ora eu mesma, a idosa. Eu as administro muito bem. E me divirto com isso!
Me divirto ao perceber que já é quase hora de fazer o almoço, eu dou uma ordem para a criança ou a jovem sair de cena e coloco a idosa para lavar a louça, limpar o fogão, deixar tudo ajeitado para quem vai cozinhar. E ela é obediente e rápida. Age com disposição e ânimo. Nem quando jovem ela foi tão animada em lavar louças. Estranho, não é?
Tudo para que o dia transcorra bem, que a leveza e tranquilidade pairem na sua gaiola, sim, não esqueçam que estamos em isolamento social, não vamos a lugar nenhum. Então resolvi poetizar minha casa. Passou a ser uma gaiola. Não é bom ficar presa. Mas imagino uma linda gaiola de ferro pintada de azul onde momentaneamente estou morando.
O dia a dia e um tal de cozinhar, limpar, lavar roupa, recolher e de novo e de novo.
Já passou a hora do recreio desse isolamento, já vi muitos filmes, já escapei algumas vezes para ver minha irmã e minha prima, agora desisti disso e estou conscientemente cumprindo as regras impostas, não sei se pela Organização Mundial de Saúde, ou pelo Ministério da Saúde, ou pelo medo mesmo.
E nesse isolamento consciente me ocupo com minha mente. Vcs não imaginam como ela é fértil!
E outra característica: ela é esponja, absorve muito bem, lembra de cheiros, detalhes, cores, sentimentos.
Outra característica: ela é seletiva. Sabe que houve acontecimentos ruins, até horríveis, eu diria, mas esses ela esquece. Não que varra para debaixo do tapete. Nada disso. Eles simplesmente não ocupam espaços.
O espaço é ocupado com as passagens pitorescas, com as lembranças boas como essas de que vou falar agora: realizações.
Ou não realizações, como já expliquei.
Uma delas foi o curso de corte e costura.
Imaginem, eu me conhecia tão pouco! Hoje eu tenho plena consciência do quanto sou péssima em coordenação motora.
Ahh, mas minha mãe era costureira e eu queria ter uma profissão. Então fui atrás de um curso de corte e costura e o encontrei num local não tão distante que eu não pudesse ir a pé, com os quatro filhos. Não é hilária essa pretensão minha? Como é que eu aprenderia escala métrica, para tirar o molde da revista e riscar no tamanho normal num papel e colocar esse papel em cima do tecido, riscar o tecido com o giz e depois corta-lo, pregar com alfinetes ou alinhavar e depois sentar na máquina e costurar.
Como eu achei que aquietaria um bebê de um ano e pouco, outro de três, outro de quatro e meio e a mais velha de seis anos, enquanto eu fazia todas as ações descritas acima?
Pois então... Foi um curso de uma ou duas aulas só, o vestido de papel ficou pronto, mas fiquei envergonhada do alvoroço causado na casa da mestra, e desisti. Mesmo assim eu o coloco na categoria de realizações!
Ahhh, mas então vamos ver algo que eu não precise sair de casa, onde as crianças se ocupem com seus brinquedos e não me perturbem em meus estudos.
Mais uma tentativa hilária e pelo mesmo motivo: zero de coordenação motora e quatro crianças! Terminou com o bebê caindo na bacia de água, onde eu estaria aprendendo o curso de manicure e pedicure. Outra realização!
E assim foram acontecendo as tentativas, entre elas uma que deu muito certo e fui salgadeira por uns meses. Fazia salgados para vender. Nesse ofício tive realização total. Até que enfim!
Voltando aos dias da quarentena, penso muito nas pessoas que não estão assistindo Netflix, nem pedindo delivery, nem bordando, nem fazendo crochê, nem fazendo flores para a próxima festa junina, como uma querida amiga e nem escrevendo, como eu.
Penso naqueles que todos os dias tem que sair para tirar da rua o pouquinho que conseguem para o seu sustento e de seus filhos.
Nosso país é enorme e a desigualdade social é alta. A pobreza, a falta de moradia digna, a falta de saneamento básico, água potável, as famílias que se amontoam para dormir num só cômodo são fatores que tendem a agravar o número de infectados pelo vírus e não há nada que possa ser feito de imediato.
O governo federal implantou um auxílio financeiro emergencial, governos estaduais e municipais tomaram ações que procuram minimizar as perdas de renda dos trabalhadores e trazer um pouquinho de condições aos que nada tem.
Não sabemos ainda quanto tempo durará a pandemia, e os homens e mulheres que sobrevivem com muito pouco dependerão mais ainda que o poder público ampliem os programas de governo até que passe esse período conturbado que estamos vivendo. Há muito a ser feito e a pandemia deixará seus reflexos em toda a cadeia produtiva, com mais desempregos, quedas nas vendas e na produção. Após a crise da saúde é bem possível que sobrevenha uma grande crise econômica.
As pessoas terão que ter criatividade para conseguir restabelecer a vida e seguir em frente.
Será que essa crise vai mudar a nossa percepção sobre a questão da segurança econômica? Sobre a necessidade de poupar, de ter o que se dizia "reserva"? Quantos pequenos empresários, quantos pequenos negócios fecharão? Cabeleireiros, quem está indo tanto ao salão se não há eventos ou festas para ir? E lojas de roupas? E empresas de turismo?
Há os que nada tinham e há os que tinham alguma atividade que deixou de ser de primeira necessidade nesta época, como o setor de turismo, o setor de eventos e tantos outros. Os pequenos empreendedores terão que se adequar as necessidades da atualidade. Álcool em gel, máscaras de tecido estão sendo fabricados, muitos serviços de delivery, principalmente no setor de refeições.
Não sei, mas penso que é hora de conscientização geral.
TantoSeria bom que as pessoas pudessem dizer um dia: que no Brasil após a pandemia da Covid-19 ocorridas em 2020, a situação tinha mudado e que tínhamos melhorado a qualidade de vida das pessoas, o número de casas servidos com esgotos e água potável, o número de moradias aumentou, o analfabetismo foi erradicado, as doenças da sujeira como a dengue diminuíram drasticamente, que o número de desempregados diminuiu e que o nível econômico das pessoas tinha melhorado.
Que pudéssemos dizer que houve muitas realizações tanto governamentais, empresariais, quanto pessoais!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos da Quarentena 1- A pandemia
ContoEste é o livro de estreia de DafneMaria. Contos da Quarentena é um livro de contos escrito no período da pandemia que estamos vivendo desde fevereiro de 2020, mais conhecida como COVID-19. Pandemia, coronavírus, notícias, passado, presente, lembran...