Que palavra linda, não é? Devaneios...
Logo vem à mente do leitor uma moça que anda sem prestar atenção onde põe os pés, que ao andar não percebe se já foi longe, que não se dá conta das horas...
Quais serão seus pensamentos, qual será seu sonho, ou ela simplesmente anda, anda e anda. Nunca ninguém saberá.
Pois então!
Enganou-se quem pensou que ela é uma moça. Ela é uma menina.
Sim, uma garotinha de poucas palavras, só responde se perguntada, o seu mundo não é barulhento. Em compensação observa e se espanta com cada coisa boba! Acreditem que ela espantou-se quando descobriu que o amendoim nascia debaixo da terra? Foi um espanto genuíno o dia que ela viu um trabalhador arrancar aquele pequeno arbusto cheio de bagos de amendoim! Eu a imagino agora, com os olhos bem abertos, não acreditando no que via!
E quando foi a uma chácara e admirava uma pata com uma fileira de patinhos lindos atrás e a senhora dona da chácara dizendo que tinha benzido os patinhos para que não morressem de mau olhado. Como assim? Quem poderia ter um olhar mau para uns patinhos tão lindos?
E quando se escondeu atrás duma porta para que não pegassem sua boneca e dormiu ali de pé, acordando assustada com o alvoroço de todos da casa pelo seu sumiço? Ela olhava e não entendia porque tanto barulho, ela apenas estava dormindo em pé atrás de uma porta!
Essas lembranças são devaneios de uma criança de quatro a oito ou nove anos talvez.
Mas também havia coisas estranhas, como quando ela ficou inebriada com o cheiro bom duma fruta que um coleguinha levou em sua lancheira e que ele lhe disse ser maçã e perguntou se ela queria. Ela disse que sim, e ele mandou que ela olhasse embaixo da mesinha onde sentavam os quatro aluninhos, a boba olhou e não havia maçã nenhuma, mas o menino abrira sua calça e estava com o piupiu de fora! Não me recordo qual foi sua reação no momento, só sei que anos depois quando ela finalmente comeu uma maçã ela se sentiu vingada, porque achou a fruta insossa!
E quando aquela familia chegou e se instalou no galpão e ao entardecer fez a janta e o cheiro do alho frito (com a vontade de comer o jantar alheio) a fez amar esse tempero até hoje.
E quando choveu bastante, e a água escorria pelo meio fio e ela rebeldemente andava na garoa de fim de chuva e chutava raivosa a água porque ela intuía que aquela seria sua última vez de andar na chuva...afinal ela já era uma mocinha!
Tempos longínquos ...
Hoje já não há devaneios e infelizmente não há como fugir da realidade. Uma realidade nunca vivida! A menina ainda vive e ainda se espanta. Só não deve dizê-lo em voz alta, pois poderá passar por caduca, ou algo do gênero. Sendo assim ela observa e conclui:
É interessante como a epidemia, que rapidamente se transformou em pandemia, a COVID-19 aconteceu quando todos pensavam que o ano iria começar, de verdade.
No início do ano as pessoas todas estão se preparando para aquele impulso de colocar em prática os desejos e resoluções de Ano Novo.
É o período que se pensa em mudar de endereço, talvez trocar a escola dos filhos, começar o nível superior, fazer um regime ou matricular-se na academia...
No início do ano as pessoas estão corajosos, cheios de energia, indo ou voltando das férias, de uma maneira ou outra existe uma sensação de recomeço. E agora?
Como é que pode o mundo ter mudado tanto assim? Será que mudou mesmo? Somos bombardeados pelas notícias via internet, televisão e manchetes dos jornais. Os fatos são mostrados com detalhes, números, fotos, depoimentos, e o mundo todo está com a mesma percepção: o ano de 2020 não começou ou não vai ser como o esperado.
Acredito que os idosos são os que mais tem percebido a mudança do mundo. As crianças sabem por alto que algo está acontecendo, porque não vão mais as escolas, não tem mais festinhas dos amigos para ir, entre tantas outras perdas que os pequenos estão tendo; os jovens creio eu que se sentem acima dessa discussão, pois pela própria juventude são otimistas e corajosos. Os idosos esses sim são os verdadeiros afetados. Como cereja do bolo, ainda são considerados como "grupo de risco".
Essas observações tem um misto de fatalismo, tristeza e no fundo, bem no fundo, um pouco de rebeldia!
Depois, a menina que mora em mim pensa que estamos sendo observados, como num teste. Quem sabe depois de superarmos essa época, não surja uma manchete assim: Os idosos que passaram pela pandemia do início do ano de 2020 e sobreviveram estão todos imunes as doenças da terceira idade! Teríamos tipo uma compensação pelos dias de incerteza e temor passados.
Não seria bom? Devaneios, apenas devaneios, da menina de outrora que se tornou a idosa de agora!
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Contos da Quarentena 1- A pandemia
Historia CortaEste é o livro de estreia de DafneMaria. Contos da Quarentena é um livro de contos escrito no período da pandemia que estamos vivendo desde fevereiro de 2020, mais conhecida como COVID-19. Pandemia, coronavírus, notícias, passado, presente, lembran...