Amigos

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- Vamos tomar uma hoje? Só se for agora!
- Estou liso, você me empresta algum?
- Poxa, por que você não me chamou?

Isso lhe parece familiar? Que bom! Então você tem amigos!
Amigos são necessários, tanto ou mais que amores. Amores são maravilhosos, nos deixam andando no fio da navalha, é um cuidar constante, uma certeza incerta, se você já amou sabe bem como é.
Amigos não. Amigos são como os pijamas, como uma manhã de domingo, como a rede preguiçosa, como o caminhar na praia. É um conforto, é um sentimento de confiança, sem melindres, sem vergonhas, sem pressas.
Ao amigo vc conta seus segredos, suas dúvidas, seus medos, seus "podres". Coisas que não contamos ao amor, namorado ou o que seja.
Há também casos de amizades, que num abrir e piscar de olhos descobre-se como paixão e amor.
Lembro-me de um livro que li, onde a heroína, uma matriarca com filhos, marido, serviçais, parentes que moravam às expensas de sua família, numa espécie de casta, da qual ela tomava conta, e sua responsabilidade se estendia desde a zelar pela educação dos filhos de todos, aos entendimentos entre os casais, entre noras e sogras, enfim uma enorme carga sobre seus ombros.
Ela olhava por todos. E quem olhava, por ela?
Ninguém.
Um dia chegou na cidade um estrangeiro que pertencia a alguma ordem que mandava missionários aos rincões mais longínquos do mundo para evangelizar e iniciou-se uma amizade verdadeira entre os dois, onde as conversas eram extensas, sobre o mundo e a percepção diferenciada que havia entre seus mundos, sobre a aldeia, os progressos, as necessidades e dificuldades do povo, até o dia que ela ruborizou-se ao sentir uma palpitação diferente ao esperar o horário da visita e constatou que pensou no homem e não mais no amigo evangelizador.
Um piscar de olhos e o sentimento mudou toda a sua vida, com a renuncia e a negação desse amor. Uma história duma amizade linda que se perdeu por amor...
Voltemos aos amigos do mundo real, os nossos amigos.
Nem tudo na vida é uma constante. A vida, sim, é uma constante mudança. Atualmente estamos vivendo uma forma de amizade diferente, atípica. Não a provocamos, nem a desejamos.
Aconteceu, simplesmente.
Refiro-me, claro, ao novo comportamento que estamos sendo obrigados a adotar neste período do COVID-19.
Não estamos tendo convívio social, não temos visto os amigos, nada de visitas, churrascos de finais de semanas, nada de futebol com os amigos, nada de cinema, nada de barzinhos, nada de " vem aqui que eu preciso te contar uma coisa!"
Mas estranhamente estamos em sintonia e com um sentimento muito forte de proximidade, solidariedade, e acolhimento entre os amigos.
O distanciamento nos aproximou mais ainda. A falta dos abraços nos uniu.
O pensamento cruzado substituiu o olho no olho. Eu penso e me preocupo com meu amigo e ele comigo.
É muito lindo e comovente constatar isso. Nossos amigos hoje "estão" virtuais. E nesse contato virtual nos descobrimos muito reais. O cuidado, o carinho, o sentimento estão à flor da pele ou melhor, na ponta dos dedos, ao nos comunicarmos pelas redes sociais.
Temos nos comunicado com muito mais sinceridade e ouso dizer que essa é a única coisa positiva que essa pandemia trouxe: a percepção da nossa fragilidade como seres humanos e do quanto os amigos são importantes !
Todos temos histórias de amigos, mas eu vou contar algumas, porque estamos no isolamento ou distanciamento social e você já está sabendo que gosto de contar histórias.
Vou contar a história de um dos meus netos. Ele tem 9 anos e uma pureza de criança numa mente cartesiana.
Eles moram num condomínio pequeno e aventou-se a possibilidade de eles se mudarem para outro local que ficaria mais perto de sua escola e do trabalho dos pais. Ao saber disso ele foi argumentar que não, não podiam se mudar de lá, de jeito nenhum!
Perguntado porquê, ele disse: Ué, porque moram aqui meus CINCO melhores amigos!
Simples, não é? Essa foi a razão dele morar até hoje onde mora "seus cinco melhores amigos".
Que a pandemia passe logo para ele voltar a brincar de tudo que a cabecinha deles criarem e tudo inclui riscar com giz o asfalto com o alfabeto grego e falar cada letra aos seus amigos. Até que um duvide e ele volte chorando para casa, porque seu amigo não acreditou que aquele "rabisco" era um beta!
Para logo em seguida estarem todos juntos correndo pelo condominio, em mais uma brincadeira. Ser criança tem isso, não se perde tempo, o que importa é brincar! Amizade linda!
E a história das minhas amigas irmãs, que ao não me verem e a nenhum dos meus filhos pequenos fora de casa preocuparam-se e foram saber o que tinha acontecido. Estávamos os cinco deitados na mesma cama, com o rosto inchado e gemendo de dor num surto de caxumba, onde abrir a boca e falar a primeira palavra do dia era adiado ao máximo pela dor que causava.
Essa amiga convocou mais duas amigas e fizeram o papel de enfermeira, limpadeira, cozinheira, babá, e nos cuidaram até que a doença passasse. Uma solidariedade incrível entre mulheres amigas.
E a amiga que te defendeu moralmente botando o dedo em riste na cara de quem precisava ouvir umas verdades, porque percebeu que você não se sentia forte o suficiente para fazê-lo?
Amigos que incluiram teu nome no trabalho da faculdade, porque sabiam que você estava realmente sem condições de se reunir em grupo, com um bebê resfriado.
Amigos que foram te buscar, porque você quebrou o carro ou seu pneu furou e você estava sem estepe.
Amigo que se reuniu com você na biblioteca e repassou aquela matéria que você tinha dificuldade.
E vc, que como amiga colocou umas
notas de dinheiro bem disfarçadas no meio de uma carta, e a despachou só para imaginar a surpresa que seria sua amiga receber a carta com a firme recomendação que naquele dia ela fosse fazer uma refeição decente, num lugar aprazível? E anos depois vocês duas chorarem juntas ao se lembrar do fato!
Amigos que te levaram uma cesta básica nalgum tempo que você esteve "quebrada"
Amigos que te disseram"vamos rezar", porque essa era a melhor forma de ajuda que havia naquele momento? E ajudou!
Amigos são para horas boas e horas más e agora, neste período da pandemia, mesmo que não estejamos nos vendo, nossos laços afetivos estão fortalecidos neste distanciamento, e um dia diremos: foi um período difícil em "que comi sal" com meus amigos, mesmo que estivemos distante fisicamente, mas que graças a Deus o superamos!

Contos da Quarentena 1- A pandemiaOnde histórias criam vida. Descubra agora