O trem que saia de Paris com destino a Dunkirk só levava passageiros uma vez por mês e, raramente voltava com pessoas em seus vagões. O meu ticket, assim como de todos ali, só havia sido marcado a opção de ida. Levei isso como um presságio sádico de que não voltaríamos nunca mais e solto um pequeno riso mórbido.
Não era comum pessoas retornarem da guerra antes que fosse declarado o seu fim oficialmente. As que tinham sorte e conseguiam dormir em suas camas quentes novamente antes do fim, eram considerados dispensados pelo o que chamavam de "grandes feitos". A tarefa era muito simples, quanto mais missões você cumprisse com êxito, mais rápido você voltava pra casa. E com um bônus: sem ter a chance de ser convocado novamente.
Porém, é claro, que isso era um tanto primitivo demais visto que todos os soldados faziam filas para serem escalados para uma. Meu irmão mais velho me contou em uma carta que quando escolhiam o pelotão para as missões, era um misto de euforia e medo. Dezenas faziam filas que pareciam intermináveis para verificar se seus nomes haviam sido mencionados. É trágico e patético. Você literalmente está fazendo fila para a morte com a esperança de voltar para casa.
É claro que a outra forma de voltar temporariamente seria se você ficasse gravemente ferido. Levavam os mais lesionados através de pequenos caminhões em filas até os hospitais mais próximos. Os que aguentavam a viagem ganhavam um "tempo de paz" nos hospitais. Alguns eram convocados imediatamente para retornarem quando acabavam o tempo de recuperação de uma cirurgia e outros ganhavam uns dias em casa. Mas eles voltavam.
Enquanto o trem se movia em uma velocidade que mal dava para apreciar a vista, não tinha outra opção a não ser tentar descansar antes de desembarcar. O único problema era como fazer isso.
O ambiente não era o dos melhores. Os trens que iam as guerras iam amontoados de gente. Não havia assentos para todos e o cheiro de cigarro já era algo que fazia você ficar nauseada. Não havia ventilação suficiente e o silêncio era quase que mortal, interrompidos uma vez ou outra por algum espirro ou tosse de alguém. A maioria eram homens, jovens soldados, que se recusavam a levantar suas cabeças, e não tinha como culpa-los. Eles sabiam muito bem o que os aguardava. Também havia algumas mulheres que carregavam a identificação de enfermeiras mas algo me chamou a atenção.
Sentadas a poucos bancos de distância de mim, havia outras duas médicas. Médicas, mulheres médicas. De repente eu soltei um sorriso que ia de orelha a orelha. Queria muito poder falar com elas mas com tanta gente entre nós, ia ser impossível.
Durante o tempo da faculdade, eu fui a única mulher da minha turma. A maioria das mulheres ainda optavam por seguir em Enfermagem devido ao preconceito que o mercado de trabalho tinha com mulheres exercendo a medicina. Era a primeira vez que tinha contato com outras duas de mim e eu senti uma explosão de orgulho por saber que estávamos nos saindo bem e chegando aonde queríamos chegar.
...
Acordo assustada quando o trem para na primeira estação. Olho o relógio que estava na parede e noto que já são passada das 04 da tarde. Meu pescoço parece que foi girado em 360º devido ao jeito torto que dormi nas últimas horas.
O trem alivia grande parte de sua lotação e acompanhando os soldados, vejo as enfermeiras e médicas descendo junto. Agora entendi quando diziam que alegria em guerra dura pouco. Tinha acabado de perder a chance de me sentir um pouco confortável nesse inferno.
Olho ao redor e vejo outros médicos, mas agora são só homens. Alguns finalmente sentam depois de longas horas de pé e o silêncio volta a atormentar os ouvidos.
...
Quando o trem para na estação de Dunkirk o relógio marca 09 horas da noite. Não havia empolgação para sair. Os passos eram arrastados, junto com a motivação dos passageiros. Havia um capitão do exército fazendo a checagem de todos que haviam chegado. A gente só dizia nosso nome de uma forma quase inaudível e seguíamos nosso caminho até os caminhões que nos aguardavam.
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Love In France
ФанфикHeather é convocada para trabalhar como médica durante a Segunda Guerra Mundial e é enviada para o interior da França com o objetivo de salvar o máximo de vidas possíveis. No meio de tantas bombas e vidas destroçadas, surge o amor entre ela e o sold...