Chegou ao palácio um mendigo conhecido por ser comilão e chamado por todos de Iros, pois costumava levar recados para os pretendentes. Iros entrou no pátio e quis expulsar Odisseu, insultando-o com palavras grosseiras: "Sai daqui velho! Vá embora, se não queres que eu te arraste por um pé". Odisseu disse que ele não deveria provocá-lo, mas o homem continuou com suas ofensas. Antino se divertia com a cena e incitou a briga, oferecendo um bucho de cabra assado, recheado de gordura e sangue, como prêmio ao vencedor.
Odisseu disse que um velho não poderia vencer um moço na luta, mas como estava com fome, aceitaria o desafio. Queria, porém, um juramento: ninguém tentaria golpeá-lo, para favorecer Iros. Quando Odisseu retirou os farrapos para lutar, todos viram os músculos de seu corpo e temeram pela sorte de Iros, que começou a tremer. Odisseu perguntava a si mesmo se devia matá-lo logo com um soco ou apenas deixá-lo sem sentidos. Por fim, resolveu ser mais brando, para que não desconfiassem dele.
Iros feriu o ombro direito de Odisseu, que revidou com um golpe na nuca, abaixo da orelha, que fez o sangue espirrar. Enquanto o homem gritava e rolava de dor, os pretendentes morriam de rir. Odisseu o agarrou pelo pé e só o largou na entrada do pátio, dizendo: "Fica aí agora, cuidando para que os cães e os porcos não entrem na sala. Se não quiseres que te aconteça o pior, permanece aqui fora. Não passas de um pobre coitado."
Os pretendentes, ainda rindo, desejaram que Zeus concedesse ao vencedor tudo o que ele mais desejasse em seu coração e Odisseu se alegrou com o presságio contido naquelas palavras. Antino lhe serviu a carne e Anfínomo lhe deu dois pães, saudando-o e lhe desejando sorte e riqueza. Odisseu agradeceu a Anfínomo, dizendo que ele parecia ser um homem sensato, assim como era sensato o seu pai. Por isso, disse Odisseu, ele devia observar a vida desregrada dos pretendentes, consumindo os bens e desrespeitando a esposa de um homem que logo poderia retornar, pois uma divindade, certamente, o conduziria de volta a sua casa.
Em seguida, recomendou que Anfínomo se afastasse: "Acredito que Odisseu já está bem próximo daqui e espero que os deuses te levem para a tua casa, para que não te encontres com ele, no momento em que voltar à terra de seus pais. Quando Odisseu regressar, sua luta contra os pretendentes será sangrenta e cruel." Ao ouvir essas palavras, Anfínomo começou a andar de um lado para o outro, angustiado, prevendo a desgraça, mas não pôde fugir ao seu destino. Acabou voltando à mesma poltrona em que estivera sentado, pois a deusa Atena o reteve no palácio, para que fosse morto pela lança de Telêmaco.
Então Atena, a deusa de olhos de coruja, fez Penélope ter a ideia de se apresentar aos olhos dos pretendentes. A rainha chamou duas escravas, para desceram com ela até o salão, pois também desejava fazer uma recomendação a seu filho. Ao ver o rosto de Penélope, desfigurado pelas lágrimas, Atena mudou seus planos e fez o sono cobrir os olhos da rainha. Enquanto ela dormia, a deusa cobriu-a de dons, para que os pretendentes a admirassem ainda mais. Quando Penélope acordou, desejou que a morte a tivesse levado, para que não continuasse a sofrer pela falta que sentia de seu marido.
Afinal, acompanhada das escravas, Penélope deixou seus aposentos e desceu as escadas. Finos véus lhe ocultavam a face. Os pretendentes, fascinados, sentiram seus joelhos fraquejarem. Todos desejavam dormir com ela. Penélope se dirigiu ao filho e o repreendeu por permitir que ofendessem um hóspede. O prudente Telêmaco disse que compreendia a indignação da mãe e contou o que havia acontecido, explicando que aquela briga não havia sido imposta pelos pretendentes e que o seu hóspede saíra vencedor.
Eurímaco, um dos pretendentes, elogiou a beleza de Penélope, mas ela respondeu que os deuses haviam acabado com seus encantos e com sua formosura no dia em que seu marido embarcara para Troia. Em seguida, revelou o que Odisseu lhe dissera pouco antes de embarcar, depois de elogiar a força de seus inimigos, os troianos: "Não sei se voltarei à pátria. Toma conta de tudo. Quando nosso filho tiver barba, deves te casar e deixar o palácio."
Penélope continuou: "Vai se aproximando a noite em que terei de suportar um casamento odioso. Os pretendentes, porém, já não respeitam os costumes antigos. Os que pretendem uma mulher nobre, levam ricos presentes à noiva, bois e ovelhas, em vez de devorar impunemente os seus bens."
Odisseu se alegrou ao ver que ela pedia mais presentes e que os pretendentes aceitavam suas exigências. Em resposta, Antino disse que ela seria presenteada, mas eles não voltariam para suas casas até que a rainha desposasse um deles. Em seguida, os pretendentes enviaram mensageiros, para que buscassem em suas casas as ricas joias com que presenteariam Penélope e continuaram a dançar e a cantar, esperando a chegada da noite.
Ao anoitecer, acenderam os braseiros, que eram alimentados pelas escravas com lenha e brasas. Odisseu disse às mulheres que deviam subir para fazer companhia à Penélope e que ele mesmo cuidaria dos braseiros. Todas riram dele, incentivadas pela bela Melanto, que se tornara amante de Eurímaco. Penélope sempre a tratara com carinho de mãe, mas a escrava não demonstrava gratidão e dirigiu-se a Odisseu com grosseria: "Miserável, estás louco? Devias ir dormir em outro lugar. Pensas que és um herói só por que vencestes um mendigo? Alguém melhor que Iros vai aparecer para te quebrar a cabeça e te expulsar coberto de sangue".
Odisseu atravessou-a com um olhar terrível e respondeu: "Vou contar a Telêmaco o que estás dizendo, cadela, para que ele venha aqui te esquartejar." Ao ouvirem essas palavras, as mulheres, apavoradas, correram dali e ele foi se sentar juntos aos braseiros. Os pretendentes, no entanto, não paravam de insultá-lo. Eurímaco foi o primeiro a ofender o rei, debochando dos ralos cabelos de sua cabeça e fazendo todos os outros rirem às gargalhadas. Depois o chamou de preguiçoso e completou: "Tu não sabes o que é trabalhar. Preferes sair mendigando pelas ruas, para encher essa tua barriga insaciável."
Odisseu respondeu com sabedoria, dizendo que em uma competição entre os dois, queria ver quem era mais resistente no trabalho de ceifar um campo no verão, quando os dias são mais longos que as noites. E se Zeus, pai dos deuses, enviasse alguma guerra, ele o veria combatendo com guerreiros nas primeiras linhas e não o insultaria por causa de sua fome: "Tu és um arrogante de coração duro. Só és forte quando enfrentas esses fracos que te cercam. Se Odisseu viesse, retomaria o domínio desta terra, e logo estas portas, bem largas, se tornariam estreitas para a tua fuga".
As palavras de Odisseu encheram de ódio o coração de Eurímaco. Sua vista se turvou ao responder, enraivecido: "Desgraçado! Tu serás castigado pelas asneiras que dizes! O vinho fez subir à tua cabeça a vitória que tivestes na luta contra Iros?" Mal terminou de falar, o homem pegou uma banqueta para atirá-la em Odisseu, mas ele se afastou, indo se sentar aos pés de outro pretendente, e a banqueta atirada por Eurímaco atingiu o braço de um copeiro. O jarro que o homem levava voou longe e ele caiu de costas no chão. Na sala sombria, os pretendentes fizeram uma gritaria, reclamando do estrangeiro que tumultuava o festim.
Telêmaco, corajosamente, tomou a palavra: "Desgraçados! Devem estar loucos! Que deus os incita a comer e a beber tanto, ao ponto de perderem a razão? Já comeram e beberam o suficiente! Agora devem voltar a sua casa. Quem quiser que vá, pois não forçarei a ninguém."
Todos morderam oslábios, perplexos. Os pretendentes silenciaram, admirados por Telêmaco lhesfalar com tanta audácia. Um dos pretendentes, Anfínomo, rompeu o silêncio:"Amigos, nenhum de nós deve se irritar com as palavras de Telêmaco, nemresponder com agressões aos escravos desta casa. Vamos deixar o estrangeiro aoscuidados de Telêmaco, que o recebeu como hóspede". Todos os pretendentesaceitaram aquelas palavras. Fizeram suas últimas libações, beberam o vinho eforam para suas casas dormir.