A velha Euricleia, correu aos aposentos de sua senhora, para contar que Odisseu estava em casa. De pé, ao lado da cama, disse a Penélope para se levantar: "Vem minha filha, vem ver com teus próprios olhos! O teu marido voltou! Matou os pretendentes que devoravam os teus bens e ameaçavam teu filho!" Penélope lhe respondeu: "Mãezinha, os deuses te enlouqueceram? Vens zombar de mim quando meu coração está imerso em tristeza? Por que me acordastes? Estava dormindo tão bem!"
A velha ama lhe respondeu: "Não estou zombando, filha querida, Odisseu voltou e está em casa. É o estrangeiro que foi insultado no palácio. Telêmaco sabia disso, mas ficou em silêncio. Ocultou os planos do pai e esperou o momento da vingança." Penélope saltou da cama, louca de felicidade. Abraçou a velha e começou a chorar. "Diz mãezinha, é verdade mesmo que ele está aqui? Ele os matou? Como fez isso? Eram tantos!"
Euricleia respondeu que não vira a luta, mas ouvira os gritos e os suspiros dos que caíam mortos. Encontrara Odisseu de pé, coberto de sangue, como um leão, entre os corpos amontoados sobre o solo. "A sala está limpa, purificada pelo enxofre, e ele mandou que te chamasse. Vem comigo, para que se encontrem após tanto sofrimento. Ele voltou ao lar e castigou os que desonraram sua casa".
Penélope ainda não acreditava que o marido pudesse estar de volta. A ama dizia que ela havia se sentado ao lado do esposo, diante do braseiro, e contava como o havia reconhecido pela cicatriz, no momento em que lavava os seus pés. Penélope a ouviu, muito cautelosa, e disse que desceria para ver os corpos dos pretendentes e o homem que matara todos eles. Pouco depois, a rainha entrou na sala, em silêncio, e se sentou diante de Odisseu, com o coração cheio de dúvidas. Como deveria agir? Observava o homem sentado a sua frente, iluminado pelo fogo, e não conseguia reconhecê-lo vestido de farrapos. Manteve-se silenciosa.
Telêmaco censurou a atitude da mãe e acusou-a de ter um coração duro como pedra. Depois de tantos anos de separação ela devia aproximar-se do marido, fazer perguntas, mas mantinha-se distante. Penélope respondeu que seu espanto era tamanho que não sabia o que dizer, ou o que perguntar. Se aquele homem fosse, realmente, Odisseu, eles se reconheceriam por meio de sinais que só eram de conhecimento deles dois.
Então Odisseu sorriu e disse a Telêmaco que ele não devia incomodar a mãe, pois ela desejava colocá-lo à prova, e completou: "Estou sujo e maltrapilho, por isso ela não me reconhece. Vamos agora resolver outros problemas. Se alguém nesta terra mata um homem, deve se exilar, abandonando os parentes e sua pátria. Nós matamos muitos homens, filhos de famílias nobres. Qual a nossa situação?"
Telêmaco respondeu que aquela resposta devia ser dada por Odisseu, que tinha a fama de ser o mais sagaz dos homens. Ele acataria o que o pai resolvesse. Então Odisseu disse que todos deveriam tomar um banho e se vestir com suas melhores roupas. O aedo tocaria música alegre na cítara e os que passassem na rua iriam pensar que ali acontecia uma festa de casamento. As notícias sobre a matança não deviam correr antes que conseguissem chegar aos bosques de suas terras. Lá, inspirados por Zeus, decidiriam o que fazer.
As ordens de Odisseu foram cumpridas. Os que passavam diante do palácio, ao ouvirem os sons alegres de uma festa criticavam a rainha, dizendo que ela não soubera ser fiel ao seu marido e aceitara se casar com um dos pretendentes. Enquanto isso, Odisseu era banhado, untado com óleo, e vestido com bela túnica e rico manto. Atena fez com que parecesse mais alto e mais forte. Seus cabelos caíam em cachos e sua aparência era a de um deus. Voltou a se sentar diante de Penélope e lhe falou: "Mulher cruel! Como é duro o teu coração! Que esposa evita o marido após vinte anos de ausência? Pois bem, arruma uma cama para mim, velha ama, para que eu durma sozinho, já que essa mulher tem um coração de ferro".
Penélope então lhe respondeu: "Homem cruel! Não sou orgulhosa, nem te desprezo. Sei quem tu eras no dia em que teu barco te levou para longe de Ítaca. Euricleia, arrume a nossa cama, mas ela deve ser colocada fora do quarto e recoberta de peles, lençóis, almofadas e esplêndidas mantas".
Odisseu respondeu, indignado, que nenhum mortal conseguiria tirar aquela cama do lugar, a não ser auxiliado por um deus, pois ele mesmo, sozinho, sem a ajuda de ninguém, havia entalhado a cama em uma oliveira de tronco grosso e ajustado suas peças. Ele mesmo, sozinho, construíra o quarto do casal em volta dessa cama. Então Odisseu disse a Penélope: "Essa é a prova que te dou. Agora quero saber se o leito continua no lugar, ou se o separaram do tronco, que é a sua base."
Penélope sentiu suas pernas tremerem. Abraçou o marido, entre lágrimas, pedindo que ele não a odiasse por não ter se lançado em seus braços. Tinha medo de ser enganada, mas agora que ele lhe dera a prova, ao descrever o leito, sentia-se segura para entregar o seu coração.
Odisseu chorou ao apertar a esposa contra o peito. A Aurora de dedos róseos ainda os encontraria chorando, se Atena não tivesse tido a ideia de prolongar a noite, detendo a Aurora no Oceano. Então Odisseu disse a Penélope que suas provações não haviam chegado ao fim. Ainda lhe restava cumprir o que a sombra de Tirésias lhe ordenara. Deveria seguir, de cidade em cidade, levando um remo nas mãos, até chegar a uma terra onde os homens nunca tivessem visto o mar e comessem alimentos sem o tempero do sal. Quando encontrasse outro caminhante que lhe perguntasse o que fazia com uma pá de joeirar grãos, deveria cravar o remo no solo e oferecer sacrifícios ao deus Poseidon. Depois, ao voltar para casa, ofereceria hecatombes a todos os deuses e teria uma velhice tranquila.
Enquanto o casal conversava junto ao fogo, as escravas preparavam o leito com lençóis macios. Depois de tudo pronto, uma escrava iluminou o caminho com uma tocha e o casal seguiu para o quarto. Telêmaco, o boiadeiro e o porqueiro também foram dormir, e o palácio foi tomado pelas sombras.
Depois de desfrutarem os prazeres do amor, o casal se entregou ao prazer das conversas. Penélope contou o que havia passado, ao ver sua casa invadida por tantos homens, que se embriagavam e devoravam seus rebanhos. Odisseu contou o que havia passado e sofrido, narrando suas aventuras com os cícones, seu encontro com os lotófagos e com o ciclope, o auxílio de Éolo, as desventuras em terras dos Lestrigões e sua chegada à ilha de Circe. Contou sobre a descida ao Hades, seu encontro com Tirésias, com a sombra de sua mãe e com as sombras dos heróis. Também contou sobre o seu encontro com as Sereias, com Cila e Caribdes. Narrou a sua chegada à ilha de Hélios e, depois, à ilha de Calipso. Finalizou contando o que lhe acontecera na terra dos Feáceos e a recepção desse povo, que aceitara transportá-lo até Ítaca. Ao finalizar sua narrativa, foi tomado por um sono reparador.
Enquanto isso, Atena, a deusa de olhos brilhantes pensando que Odisseu e a esposa já haviam se deliciado o bastante na cama, ordenou que a Aurora se erguesse do mar, elevando-se aos céus. Odisseu deixou a cama macia e disse à esposa: "Mulher, passamos por muitas provações. Tu chorando pelo meu retorno, e eu, suportando os infortúnios que os deuses me enviavam. Agora, deves cuidar dos bens que possuo e deste palácio. Como meus rebanhos foram dizimados pelos pretendentes, devo recuperar o que perdi. Mas antes de tudo, quero ir ao campo, visitar meu pai. Quando o sol se erguer, a notícia da matança se espalhará. Sobe aos teus aposentos com as escravas, onde devem permanecer, com as portas trancadas, sem receber nem falar com ninguém."
Odisseu vestiu sua couraça e ordenou a Telêmaco, ao porqueiro e ao boiadeiro que todos se armassem com bronze e armas de guerra. Abriram então as portas e saíram, com Odisseu à frente. A luz espalhava-se pela terra, mas Atena, envolvendo-os em uma névoa sombria, os conduziu, rapidamente, para fora da cidade.