Foi Atena, a deusa dos olhos de coruja, que levou ao coração da prudente Penélope a ideia de propor aos pretendentes uma disputa com o arco de Odisseu. Por isso a rainha pegou a chave da sala onde estavam guardados os tesouros do rei e para lá se encaminhou. Ia buscar o arco que o marido deixara em Ítaca ao partir para a guerra, por tê-lo recebido como presente de um amigo muito querido. Penélope girou a chave e a pesada porta se moveu, mugindo como um touro no pasto.
A rainha abriu uma arca, cheia de perfumados vestidos, e de lá retirou o rico estojo onde o arco estava guardado. Sentando-se ali, Penélope colocou o arco sobre os joelhos e chorou longamente. Afinal, acompanhada de suas escravas, desceu até a sala e disse aos pretendentes: "Ouçam o que tenho a dizer, arrogantes pretendentes, que comem e bebem nesta casa, dia após dia, aproveitando a ausência de seu dono. Dizem que querem me desposar. Pois bem, vou propor uma prova. Aceitarei me casar com aquele que lançar uma flecha com este arco, fazendo-a atravessar os orifícios de uma fileira de doze machados."
Penélope pediu a Eumeu para entregar o arco aos pretendentes e o porqueiro a obedeceu chorando, pois a arma lhe trazia lembranças de Odisseu. O guardador de bois também chorou ao ver o arco de seu senhor e Antino, com brutalidade, disse que fossem chorar longe dali. Em seguida, afirmou que seria difícil vergar o arco. Sabia que não havia entre eles ninguém que pudesse se comparar a Odisseu.
Telêmaco disse que também experimentaria o arco. Se conseguisse vergá-lo e atravessar todos os machados com uma flecha, não passaria pelo desgosto de ver sua mãe sair de casa com um novo marido. O príncipe tentou vergar o arco, uma, duas, três vezes. Na quarta vez, quase conseguiu, mas Odisseu fez um sinal para que não continuasse a tentar. Telêmaco, em voz alta, se lamentou, dizendo que certamente era muito jovem e não tinha a força necessária para se vingar dos que o provocavam. Em seguida, colocou o arco no chão e foi se sentar em sua poltrona.
Antino propôs que começassem a prova. O primeiro foi Liodes, o único que reprovava as atitudes dos pretendentes. Ele tentou vergar o arco, mas seus esforços foram inúteis. Ao desistir da prova, disse que aquele arco levaria muitos pretendentes à morte e que seria melhor para todos se buscassem outra mulher para se casar.
Com arrogância, Antino disse a Liodes que ele só proferia aquelas palavras ameaçadoras porque não havia conseguido vergar o arco, mas os outros pretendentes conseguiriam. Mandou Melântio acender o fogo na sala e buscar uma bola de sebo, para passar no arco. Os mais jovens aqueceram o arco e o testaram, mas também não conseguiram vergá-lo. Antino e Eurímaco, os mais fortes entre os pretendentes, ainda não haviam testado sua força e habilidade para vergar o arco.
Nesse momento, o porqueiro e o guardador de bois saíram para o pátio. Odisseu os seguiu e lhes disse: "Quero fazer uma pergunta: se Odisseu aparecesse de repente, vocês estariam dispostos a ajudá-lo, ou apoiariam os pretendentes?" Os dois disseram que se os deuses atendessem suas preces e Odisseu voltasse para casa, os pretendentes conheceriam a força de seus braços.
Quando Odisseu se convenceu da sinceridade dos dois homens, lhes disse: "Eu sou Odisseu, e estou de volta a minha casa, após vinte anos de grandes sofrimentos. Como são os únicos dos meus escravos a desejar minha volta, ninguém deverá saber que estou aqui. Se os deuses me concederem a vitória sobre os pretendentes, prometo que lhes darei bens, mulher e uma casa próxima a minha. Serão tratados como amigos e irmãos de Telêmaco". Como prova do que dizia, Odisseu mostrou a cicatriz que tinha na perna. Os homens se emocionaram ao reconhecer seu senhor e começaram a chorar de emoção, mas Odisseu os conteve, pois os pretendentes não podiam desconfiar do que estava para acontecer.
Combinaram que voltariam para a sala. Eumeu pegaria o arco e o entregaria a Odisseu, pois sabiam que os pretendentes não permitiriam que um mendigo participasse da prova. Em seguida, o porqueiro deveria avisar às mulheres para se fecharem bem em seus aposentos e não abrissem as portas, mesmo que ouvissem gritos e gemidos. Caberia ao guardador de bois passar o ferrolho na porta do pátio, deixando-a bem trancada, para bloquear a saída.
Tudo combinado, Odisseu voltou a se sentar na cadeira próxima à porta. O arco estava com Eurímaco, que o aquecia no fogo da lareira, sem conseguir vergá-lo. O homem sentia-se humilhado por ser inferior a Odisseu e comentou com os companheiros que aquela vergonha sempre os acompanharia. Antino, sorriu e disse que aquele era um dia de festa e não valia a pena se esforçarem. Deviam todos comer e beber em honra do deus Apolo. Os machados que esperassem. A prova poderia ficar para outro dia.
Nesse momento, Odisseu pediu para experimentar o arco, e todos se irritaram com ele. Antino reagiu com violência. Disse que ele havia bebido demais e o ameaçou com alguma desgraça, se insistisse em vergar o arco. Penélope, dirigindo-se a Antino, disse que ele não devia desrespeitar um hóspede de Telêmaco. E perguntou: "Pensas que se o estrangeiro vergasse o arco me levaria daqui como esposa? Não se preocupem com isso e continuem a comer e a beber."
Eurímaco respondeu que, embora não acreditasse que o estrangeiro a levasse, seria uma vergonha para todos os pretendentes se ele conseguisse vergar o arco. O povo diria que eles não haviam conseguido e essa vergonha mancharia a reputação de todos eles. Penélope respondeu que pessoas como eles, que devoravam os bens dos outros, não podiam esperar o respeito dos outros e nem ter uma boa reputação. A rainha pediu que dessem o arco ao mendigo. Se ele conseguisse curvá-lo, ganharia boas roupas, um rijo cajado, uma espada, sandálias e poderia ir para onde quisesse.
Telêmaco tomou a palavra e disse a Penélope que seria ele a decidir quem poderia usar o arco. Mandou a mãe se recolher aos seus aposentos, dizendo: "Deves agora cuidar dos teares, das rocas e do trabalho das escravas. Esse assunto de arco é para os homens, é assunto meu, pois sou eu quem manda nesta casa". Surpresa com as inesperadas palavras do filho, Penélope foi para os seus aposentos, onde chorou, lamentando-se pela ausência do marido, até que Atena lançou um agradável sono sobre seus olhos.
Enquanto isso, Eumeu havia pegado o arco e ia levá-lo a Odisseu, mas desistiu quando os pretendentes começaram a gritar com ele. Telêmaco, então, ordenou que pegasse o arco e o levasse ao estrangeiro. O porqueiro obedeceu e entregou o arco a Odisseu. Em seguida, foi até a velha Euricleia e avisou: "Telêmaco ordena que tranquem todas as portas da sala. Se ouvirem gritos e gemidos, não se assustem. Continuem seu trabalho sem se alarmarem." Euricleia fez o que foi ordenado, enquanto Filetio, o boiadeiro, saía para fechar bem as portas do pátio.
Enquanto isso, Odisseu manejava o arco, revirando-o em suas mãos, experimentando-o, verificando se os anos não o haviam danificado. Os pretendentes, apreensivos, o observavam, comentando sobre a perícia do estrangeiro em lidar com o arco. Em seguida, com a mesma facilidade com que um músico retesa as cordas de uma lira, Odisseu vergou o arco. Depois, experimentou a corda, fazendo-a soar. Os pretendentes foram tomados de angústia e suas faces perderam a cor. Nesse momento, Zeus enviou outro forte trovão.
Satisfeito com o sinal enviado por Zeus, Odisseu pegou uma das flechas que estavam sobre a mesa e encaixou-a no arco. Em seguida, puxou a corda e disparou a flecha de ponta de bronze, que atravessou os orifícios de todos os machados. Voltando-se para o filho, Odisseu lhe falou: "Telêmaco, o teu hóspede não te envergonha. Não errei o alvo e nem me custou armar o arco. As ofensas dos pretendentes não me incomodam. Mas agora, enquanto brilha a luz do dia, é hora de servir a ceia aos convidados. Que a festa continue, com cantos e danças, que são a melhor parte de um banquete". Após essas palavras, Odisseu fez um sinal para Telêmaco, que se armou com a espada e empunhou sua lança, colocando-se, de pé, ao lado de seu pai.