O deus Hermes, levando em sua mão o bastão de ouro com que adormecia ou despertava os homens, ia chamando as sombras dos pretendentes. Gemendo e chiando como morcegos, eles o seguiam pelos úmidos caminhos. Além do rio Oceano, passaram pelas portas de Hélio, o sol, atravessaram a morada dos sonhos, e logo chegaram aos campos de asfódelos, onde habitavam as sombras dos mortos. Ali encontraram as sombras de alguns heróis, reunidas em torno de Aquiles.
A sombra de Agamenon se aproximou, rodeada das sombras daqueles que haviam encontrado a morte no palácio de Egisto. Aquiles perguntou a Agamenon se não teria sido melhor morrer em Troia. Morto em combate, teriam lhe erguido um monumento e seu filho herdaria sua glória. Em vez disso, tivera aquela morte deplorável.
A sombra de Agamenon respondeu, lembrando a morte do grande Aquiles. Contou como haviam resgatado o seu corpo e o levado para um dos barcos. Lembrou o choro dos companheiros de Aquiles e o sofrimento de sua mãe. A deusa, acompanhada por outras divindades marinhas, deixara o mar para ver o corpo de seu amado filho. Todos choravam e se lamentavam pela morte do herói. Só depois de dezessete dias de pranto, o corpo foi queimado. Ao amanhecer, seus ossos foram recolhidos, lavados com vinho, ungidos com perfumes e guardados em uma urna de ouro. Os ossos do herói foram enterrados à beira mar e, sobre o túmulo, ergueram um grande monumento.
Agamenon continuou: "Tua mãe, com o consentimento dos deuses, trouxe prêmios magníficos para os jogos em tua honra. Tu, Aquiles, eras admirado pelos deuses. Teu nome não morreu contigo. Tua glória sempre brilhará entre os homens. Quanto a mim, tive morte deplorável, pelas mãos de Egisto e de minha mulher".
Enquanto conversavam, Hermes chegou ao Hades, guiando as sombras dos pretendentes mortos por Odisseu. Os heróis se aproximaram do grupo e Agamenon reconheceu a sombra de Anfimedonte, um dos pretendentes. Perguntou, admirado, por que tantos homens jovens haviam baixado, ao mesmo tempo, aos subterrâneos sombrios do Hades.
Anfimedonte respondeu que eram todos pretendentes à mão de Penélope, esposa de Odisseu. Contou as artimanhas usadas pela rainha para retardar sua decisão, e dos três anos que ela os enganara, dizendo tecer a mortalha para Laertes, o velho pai de Odisseu. Também contou sobre o retorno do herói, irreconhecível, vestido de andrajos, e de como havia sido insultado e agredido em sua própria casa. Por fim, relatou os momentos finais, após a prova do arco, quando Odisseu os atacara, ajudado por Telêmaco e pelos deuses, provocando grande carnificina. A sombra de Agamenon elogiou as ações de Odisseu e as qualidades de Penélope. Lembrou a todos a traição de sua própria esposa, que matara o homem com quem havia se casado. Assim conversavam as sombras no Hades, nas profundezas da terra.
Nesse meio tempo, Odisseu deixara a cidade, acompanhado de Telêmaco, o porqueiro e o boiadeiro, em direção às terras cultivadas por seu pai, Laertes. Ao chegarem, Odisseu disse a Telêmaco para entrar na casa e mandar os escravos prepararem uma refeição. Ele iria procurar seu pai e ver se ele o reconhecia. Assim dizendo, entregou as armas para os escravos guardarem e se encaminhou ao pomar, onde encontrou Laertes cavando em volta de uma árvore.
O velho rei estava sujo, vestido com roupas remendadas. Ao vê-lo naquele estado e curvado pela velhice, Odisseu apoiou-se no tronco de uma árvore e chorou. Por fim, caminhou em direção ao pai, elogiou o bom estado das plantas do pomar, e disse estranhar que ele não tivesse o mesmo cuidado consigo, pois apesar do descuido com as roupas, não tinha porte ou aparência de um escravo. Em seguida, perguntou a quem pertencia o pomar e se aquela terra, onde havia chegado, era Ítaca. Disse que procurava um amigo, a quem havia hospedado em sua casa, anos antes, e que lhe dissera ser filho de Laertes.
O pai respondeu, entre lágrimas, que ele havia chegado a Ítaca, terra dominada por homens maus e insolentes. O estrangeiro que ele havia hospedado, disse Laertes, certamente era o seu filho. Se ali estivesse, ele o receberia muito bem em seu palácio, mas devia estar morto, alimentando peixes, feras ou aves, em algum lugar distante da pátria. Laertes perguntou há quantos anos ele o havia hospedado e, em seguida, pediu que o estrangeiro dissesse de onde vinha, como se chamava, e o que fazia em Ítaca.
Odisseu inventou outra história, dizendo que seu nome era Epérito, vinha de Alibante e que haviam se passado quatro anos do dia em que Odisseu deixara o porto de sua cidade, com ventos e presságios favoráveis. Ao ouvi-lo falar sobre o filho, Laertes começou a chorar e esfregou um punhado de terra negra sobre os cabelos brancos. Odisseu não se conteve. Abraçou o pai e lhe falou: "Sou eu, meu pai. Voltei após vinte anos! Chega de chorar, pois não temos tempo a perder. Matei os pretendentes, vingando-me dos crimes que cometeram, e limpei minha honra." Recuperando a voz, Laertes lhe respondeu: "Se tu és o meu filho, mostre-me algum sinal para que te reconheça."
Então Odisseu mostrou ao pai a cicatriz feita por um javali e falou sobre as árvores do pomar que Laertes havia lhe dado quando ele ainda era uma criança. Ao ouvir as palavras de Odisseu, o velho pai sentiu as pernas tremerem e abraçou-se ao filho. Sabendo da morte dos pretendentes, seu coração temia que os moradores de Ítaca fossem até o campo para atacá-los. Odisseu disse ao pai para não se preocupar e seguiram para casa, onde Telêmaco, o boiadeiro e o porqueiro os esperavam, preparando a refeição. Laertes foi banhado por sua velha escrava e vestiu um belo manto. Quando a refeição foi servida, um escravo, chamado Dólio, chegou com seus filhos. Vinham cansados do trabalho no campo, mas reconheceram Odisseu, assim que o viram, e correram para abraçá-lo.
Enquanto isso, a notícia da matança dos pretendentes atravessava a cidade. Os homens de Ítaca, aos gritos e gemidos de dor, seguiram para o palácio de Odisseu, em busca dos corpos de seus mortos, para lhes dar sepultura. Com grande tristeza no coração, os homens se reuniram na ágora. O primeiro a falar foi o pai de Antíno. Entre lágrimas, acusou Odisseu de ser responsável por muitos crimes e incitou os homens a persegui-lo, para que não fugisse de Ítaca.
Naquele momento, Medonte e o divino aedo, vindos do palácio de Odisseu, avançaram para o centro da ágora. Medonte disse que aquelas mortes haviam acontecido com o consentimento dos deuses, pois havia visto um deus, com a aparência de Mentor, lutando ao lado de Odisseu, investindo furiosamente e incitando as mortes. As palavras de Medonte deixaram todos pálidos de terror e um velho herói tomou a palavra para dizer que os culpados eram os que haviam apoiado os pretendentes. Certamente atrairiam a desgraça sobre suas cabeças, se decidissem enfrentar Odisseu.
Mais da metade dos homens o ouviram e deixaram a ágora, mas outros se armaram e partiram para o campo. No Olimpo, Atena procurou seu pai, Zeus, e pediu ajuda para Odisseu. O pai dos deuses, afinal, decidiu que os levaria a esquecer a morte de seus filhos e irmãos. Os laços de amizade seriam reatados, para que pudessem prosperar.
Na casa de Laertes, ao ver a multidão que se aproximava, Odisseu e os que lá estavam pegaram suas armas. A deusa Atena, na figura de Mentor, juntou-se ao grupo e disse para Laertes invocar a filha de Zeus e arremessar sua lança em direção aos adversários. Ele obedeceu a ordem da deusa e sua lança voou certeira, perfurando o crânio do que vinha à frente. Odisseu e Telêmaco investiram contra os homens e teriam, certamente, matado todos eles, mas Atena, com um grito, ordenou que pusessem fim àquela guerra.
Apavorados, os homens largaram suas armas e fugiram para a cidade, Odisseu, porém, lançou-se contra eles, impetuoso como uma águia. Um raio caiu aos pés de Atena e a deusa, então, ordenou que parassem a perseguição. Não deviam desafiar Zeus, nem atrair sua cólera. Em seguida, ainda sob a forma de Mentor, a deusa fez com que as partes em conflito jurassem, com um contrato sagrado, que se manteriam em paz.
FIM