1. bagagem

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Nas viagens de uma vida corrida
Simplesmente me perdi, em contrapartida
Nos relances de uma vida vivida
Esperando o possível fim, estarrecida.

— Essa é a última coisa — ela me disse, entregando-me um casaco de lã vermelha do qual ela mesma fizera. Seus olhos brilhavam. — Promete que não vai esquecer de comer antes de sair e vai se cuidar?

— Mãe... — sorri — não se preocupe. 

Depositei um beijo em sua testa e peguei o casaco de sua mão, agradecendo. Ela deixou uma lágrima escapar, era algo inevitável para alguém tão sentimental, mas eu tinha de deixá-la e eu sentia muito por isso. Mas ela ficará bem.

☁☁☁☁☁☁☁☁☁☁

Eu me lembro avidamente da minha despedida. Morar no Paraguai era bom, mas a minha vida não poderia se resumir à isso, eu tinha sonhos e precisava realizá-los, sou sortuda por ter uma mãe tão apoiadora.

Três anos morando no Peru e confesso ter saudades, mas não tenho interesse em voltar, encontrei minha vida aqui, fazendo um curso e trabalhando de meio período em um café atraente e confortável. Tenho alguns amigos dos quais, só de falar, minha mãe apoia e afirma sempre que foram boas coisas para minha vida. Não coloco o orgulho de parte, só pelo fato de eu ser a responsável pela minha própria felicidade.

Porém, aqui está a minha bagagem, duas malas em cima da cama e uma lista em minhas mãos, para que eu não esquecesse de nada. Resolvo ligar para um amigo e tentar esquecer um pouco da minha ansiedade.

Pego meu telefone e sento na minha pequena poltrona, discando para alguém que mora a três casas de distância.

— Oi! — disse ele, suspirando.

— Boa noite para você também — eu ri.

— O que você quer?

— Bem, o que foi? — franzi as sobrancelhas e de repente senti um arrepio em meus braços — quer vim jantar comigo? Podemos conversar?

— E eu ainda tenho chances?

— Chances de quê Bem, não entendo...

— Chances de te convencer a ficar, ou sei lá.

— Estou muito ansiosa, Bem... Pensei que poderia conversar com meu melhor amigo...

— É aí que está, você não entende? Como pode ser tão antissentimental? Por que você faz isso comigo?

— Bem, isso o quê? Eu preciso que me explique.

— Cansei, Melina! Está diante de você e sempre esteve.

E desligou. Só isso?

Respirei fundo e passei as mãos em meu rosto. O que foi que fiz?

Digitei para ele uma mensagem e esperei que ele respondesse, apesar de saber que não o faria. Você ainda tem chances de me convencer a ficar, mas quero bons argumentos.

Mesmo tentando chamar a sua atenção, eu sabia que estava fazendo algo de errado.

Deixa para lá, Melina, já isso passa.

Me levantei e fui fazer um café, esperando que aquele sentimento estranho se esvaísse. Porém, é claro que aquele café viria a me trazer lembranças desnecessárias. Logo, tal costume levava-me diretamente para ele, que me acostumou a cafés com as visitas em sua casa e as caronas para a faculdade.

A primeira vez que nos vimos fora na minha segunda semana aqui, ele estava ajudando no novo projeto de reciclagem da nossa rua, estava entregando panfletos informativos embaixo das portas dos nossos vizinhos e, por acaso, a minha porta era a seguir e eu, sem compreender, questionei assim que me aproximei.

— Pode me informar o que está fazendo? — Falei atrás dele e o mesmo se assustou, mas ao me encarar, alguma coisa pareceu fazer sentido para ele, e eu apenas arqueei a sobrancelha.

— Novo projeto da nossa rua — ele me entregou o panfleto e pigarreou. — Você deve ser a moça que se mudou recentemente, me falaram da senhorita — ele sorriu, mas não me deixou responder. — A julgar pelo seu casaco, pelo seu sotaque e pelo seu jeito se vestir, você não é desse país, acertei?

Estreitei os olhos na direção dele e olhei ao redor, para pensar no que falar.

— Deveria tomar cuidado com vizinhos fofoqueiros — apontei.

— Eu quem observo demais, desculpe.

— Tudo bem — analisei os papéis — assinarei. Admirável seu interesse pelo meio-ambiente.

Fui de encontro a porta, mas ele pediu que eu esperasse e abriu a boca duas vezes, como se escolhesse as palavras.

— Se me permite, pode me dar água? Sabe como é, trabalho duro na rua desde cedo e até chegar em casa posso ter morrido desidratado — ele deu de ombros.

— Não é assim que se morre desidratado... — sorri, me virei e abri a porta. — Entra!

E depois disso, só conversamos por horas e nos tornamos bons amigos e desde então não tivemos conflitos e brigas como esta. Estou confusa e me pergunto se deveria.

Eu poderia ir até à casa dele, fazer uma visita, conversar. Mas, deixa as coisas exatamente como estão. Minha mãe me ensinou que em alguns momentos as coisas se resolvem sozinhas e não devemos intervir.

Minutos mais tarde, antes de dormir, olhei ela janela e percebi que sentiria falta deste lugar e das pessoas. Lembrando-me dos bons vizinhos atenciosos, do casal de idosos do 31, que me cumprimentavam e sempre elogiavam minha roupa, aquele lugar, a faculdade, a paisagem, as tradições, me foram reconfortantes, mas agora era hora de ir para outro lugar e para outras pessoas.

* * *

O próximo capítulo sai quinta-feira, às 15:00
Obrigada por estar lendo e acompanhando.
Até a próxima! <3

A Viagem de MelinaOnde histórias criam vida. Descubra agora