Segundo dia: Ocupar a mente

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Para seguirmos adiante, não podemos em hipótese alguma retroceder, então precisamos manter o progresso que já conseguimos. Por isso, nem respondi as mensagens do Bernardo, mesmo com uma culpa latejante no peito. Vacilar agora poderia colocar tudo a perder, então vamos nos esforçar!
Ele também não mandou mais nenhuma, óbvio. Com certeza, só quis ser educado, já que somos vizinhos.

Mas, vamos a mais uma lição, não menos importante.

Passo 2: Ocupar a mente.

Nada melhor do que ocupar a mente com coisas realmente úteis, que valem a pena. Pode ser estudar algo novo, fazer uma caminhada, ouvir uma música diferente (que não seja romântica, hein! Esquece aqueles pagodinhos e não chega perto dos sertanejos!). Procure algo que te acrescente, que te faça evoluir, mesmo que só um pouquinho. Algo que desperte seu interesse.

Eu escolhi primeiro a caminhada. Nada como andar e respirar ar fresco, e ainda ficar em forma. Coloquei minha roupa de ginástica e meu tênis com amortecedor. Fiz um rabo de cavalo e passei um desodorante.

Me olhei no espelho. As namoradas do Bernardo ficavam lindas com calça legging no Instagram, já eu parecia uma vara.
Mais um motivo pra focar: ele nunca sairia com alguém que tem a bunda igual a do Bob esponja. Não depois de namorar as Kim Kardashians da cidade.

Não importa, foco no objetivo.

Saí de casa e dei de cara com ele.
Meu Deus, por quê? Não tive nem um segundo pra pensar, ou correr, ou enfiar a cabeça num buraco. Bernardo me viu e veio direto, na minha direção. Procurei mil desculpas para fugir mas não dava tempo.

Ele chegou perto e cumprimentou com aquele sorriso.

– Oi Júlia!
– Oi... – Respondi.

Derreti. Paralisei. Ele falou um monte de coisa e eu não consegui entender nada, estava chocada que aquele garoto tava falando comigo mais do que um oi.

Ele parou de falar e me olhou de forma estranha. Que cara eu devia tá fazendo aquela hora? Meu Deus!

Eu acenei com a cabeça, concordando sei lá o que, já que nem ouvi nada do que ele tinha dito. Ele se despediu e foi embora.

Droga! Com certeza, era uma tentação! O diabo ou sei lá o que estava querendo me fazer desistir do meu objetivo. Foi como descobri que tudo e todos vão conspirar contra, mas temos que ser firmes.

Fiz a caminhada, na intenção de ocupar minha mente e esquecer dele, mas o caminho todo só tinha ele no pensamento. Não era justo! Eu precisava tentar de novo.

Peguei um livro pra ler, mas era "Como eu era antes de você". Botei um filme na Netflix, mas só aparecia recomendação de comédias românticas, minhas favoritas... Naquele dia não queria que fossem!

Tentei me distrair com o celular. Abri o Instagram, ali eu não tinha ele adicionado. Mas, foi só abrir que ele apareceu como recomendação de amizade. Não é possível! Alguém está querendo me ferrar, só pode ser!

Me rendi e fui ver as fotos dele.
Algo estava errado. Ele não sorria em nenhuma delas. Por quê? Ele sempre vivia sorrindo. Aquilo me preocupou um pouco.

Passei alguns longos minutos naquele feed, tentando descobrir algo. Não tive coragem de adicioná-lo, afinal, eu ainda estou tentando esquecer esse garoto. Eu juro que tô...

Mas, e se ele só queria alguém pra conversar? E se ele estiver passando por algum problema? Isso explicaria o porquê dele vir falar comigo. Seria um grande pecado tentar descobrir o que tava acontecendo com ele?

Olhei pela janela, e ele estava sentado na porta de casa com seu cachorro, Frodo. Bernardo curtia muito o Senhor dos Anéis, e o bichinho era pequenininho como um hobbit. Ele parecia tão fofo ali... O Frodo, claro!

Fiquei um bom tempo o observando. Bernardo estava triste. Acariciava o cachorro como se aquilo o consolasse de alguma forma. Vi como eu tinha sido cruel e egoísta, não custava nada ter ouvido o garoto um pouco ao invés de só pensar em mim e nos meus sentimentos. E além disso, seria uma forma de ocupar a mente, por que não? Tiraria o foco da pessoa e colocaria no problema dela.

Me rendi e fui discretamente até ele. Como quem não quer nada, fui até a entrada de casa e fingi que ia limpar uma janela. Ele me olhou e sorriu, acenando. Acenei também.

Ele se levantou e começou a brincar com Frodo e uma bolinha. Eu, doida pra arrumar uma desculpa pra perguntar algo a ele e puxar assunto, mas só conseguia esfregar cada centímetro daquela janela, ao ponto de refletir minha imagem no vidro nitidamente, e a dele. Fiquei observando-o pelo vidro, implorando a Deus por dentro pra ter apenas uma oportunidade. Foi quando a bolinha do Frodo magicamente veio parar no meu pé.

Bernardo se aproximou, pedindo desculpas:

– Sinto muito. Joguei forte demais! – Ele disse, com uma das mãos na cabeça.
– Tudo bem. – Respondi. – Não pegou em nada. Só caiu na grama.

Ele sorriu, parecendo sem graça.

Um silêncio pairou no ar. Por dentro, eu estava com vontade de socar minha própria cara. Como pode a gente ensaiar tanta coisa pra falar na mente, mas na hora não sair nada? Só queria que alguém aparecesse e me desse um empurrão forte, me jogando pra cima dele.

Olhei pro Bernardo, e me lembrei do objetivo. Droga, fui egoísta outra vez. Queria muito ajudá-lo de alguma forma, então joguei minha vergonha de lado:

– Tá tudo bem? – Perguntei.

Ele me olhou, surpreso. Depois sorriu e respondeu.

– Tá sim...

Aquilo não foi nada convincente. Tive ainda mais certeza de que ele tinha um problema. Talvez não pudesse me contar. E eu só sendo intrometida, pra variar... me senti idiota.

Frodo sentou na grama da minha casa com a bolinha. Bernardo o observava, e de repente disse:

– Você... Já se sentiu perdida? Como se ninguém fosse capaz de te entender, e você se sentisse a pessoa mais errada da Terra?

Como esquecer um garoto em 7 diasOnde histórias criam vida. Descubra agora