Garoa

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Ao longe o sol se punha. O crepúsculo parecia tão assustador e desesperador que quase sufocava a esperança. Mas o resquício do brilho aquecia sua alma porosa. Era a promessa de que ele brilharia outra vez, horas depois, em um outro tempo, que mantinha-o firme e ancorado.

Mas até isso era incerto. Ninguém sabe o dia de amanhã. – M.


Theo encarava o teto branco do quarto fixamente, deitado na cama. Não estava acostumado com aquele colchão, por isso o achava muito desconfortável. Também havia a claridade que entrava pelas janelas. Fazia as paredes brancas parecerem refletores muito grandes. Incomodava sua visão e ajudava a afugentar as lágrimas represadas nos olhos.

Seu corpo doía um pouco, e estava sendo muito obtuso ao descrever a sensação ardida. Desde a madrugada. Quando tudo acabou. Queria algo para a dor, mas também queria ficar sozinho. Algo que não acontecia à dias.

Somente ele e seus pensamentos. Por mais traiçoeiros que fossem.

Chamar alguém estava fora de cogitação, por hora. Estava ciente de que haveria um remédio ali que aliviaria a dor do seu corpo. Mas o que faria com a outra? Que parecia mais intensa e duradoura. Aquela que fizera morada em seu peito, que fazia-o recordar de sorrisos que jamais presenciaria em um futuro próximo, olhares que jamais teria e promessas que ficariam ao vento sem serem cumpridas.

A dor ao menos era um sinal de que ainda estava vivo. Era bom. Pois as vezes, quando se perdia em pensamentos ou se aventurava muito em lembranças, nem isso tinha certeza.

Imaginava algo como uma casca, ou pele, que uma vez abrigara algo quente e real. Mas que agora estava seca e quebradiça.

Um suspiro trêmulo escapou dos seus lábios. Uma pontada de dor subiu, arranhando suas costelas, querendo emergir por sua garganta em forma de grito. Ele acariciou a pequena cabeça. Sentia as pálpebras pesadas de cansaço. Mas não conseguia dormir.

As lembranças iam e viam em sua mente como uma luz psicodélica e hipnótico. Era tentador, mergulhar em lembranças; Carregadas de felicidade, tristeza e remorso. Cheias de “E se...” tão incertos como o agora.

Nos últimos meses tentou evita-las. Aquelas três cenas, aquelas em específico, rastejavam em seu cérebro feito vermes, tentando a todo custo sair, devorando-o aos poucos. Evitar parecia mais fácil do que enfrentar e aceitar a realidade. Mais fácil para poder seguir em frente. Mas e agora? Ele estava cansado demais. E se entregar era tentadoramente fácil.

E foi exatamente o que fez. Apertou os olhos, respirou fundo, sentido a lágrima descer por sua bochecha. Deixando que aquela correnteza incerta, que tanto tentou evitar, o levasse para qualquer lugar que não fosse o quarto em que estava.

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