Gélido

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Ao avançar pelas ruas o ônibus sacudia brevemente. Era um pouco velho, tinha cheiro de queijo mofado e na cadeira da frente havia uma mancha suspeita.

Theo não se apegou a esses detalhes, tampouco a discussão que acontecia entre mãe e filha a dois bancos a frente, a direita, indecisas se perderam ou não o ponto. Seus olhos estavam fixos no celular maltratado que carregava. A tela estava trincada, quebrada em pequenos pedaço de vidro e faltavam alguns. Expondo seu interior. O aparelho estava retorcido em um ângulo estranho.

Era um bom celular. Olhando-o melhor parecia ter sido bem cara. Mas pouco importava agora, estava destruído, irreparável. Ele não conseguiu conter o ímpeto de usá-lo para extravasar toda a sua raiva, frustração e mágoa de meses atrás. Ainda que fosse estranho carrega-lo por ai, pois o considerava uma lembrança física do seu equívoco. Um estranho espólio de guerra.

Claro, não o havia quebrado antes de fazer um pente fino. Vasculha-lo, disseca-lo. Garret não era tão burro como ele imaginava, apesar de não ter colocado uma senha decente. Havia espalhado copias em pastas diferentes na nuvem, no celular. Theo teve que fazer a limpa no aparelho, inclusive em pastas restritas em redes sociais.

Para garantir. Para se sentir um pouco melhor e uma vez que já não tinha o que perder, assim pensava, teve que voltar a festa também. Para ter a certeza de que aquelas eram as únicas cópias. Teve um trabalhão para acordar o rapaz nocauteado. Ele relutou e teve que ameaçar quebrar aqueles dentes imensos e brancos, até se satisfazer com a resposta. Seu único prazer durante meses foi saber que, ao ameaça-lo, Garrett não tinha mais vídeo algum.

O que lhe levou a uma pergunta que ainda assombra e continuaria a assombrá-lo. Não seria mais fácil nocauteá-lo desde o início? Theo chegou a bater a cabeça contra a parede quando pensou. De que se tivesse conseguido pegar o aparelho antes, nas suas tentativas, as coisas teriam sido diferentes.

O Raeken suspirou. O ar embaçou o vidro da janela e as imagens lá fora se tornaram indistintas. Muito diferentes das que perseguiam sua mente. Ainda se lembrava de como Liam o evitou, de todas as formas, na escola. Como se ele não existe. Fosse invisível, mesmo que os olhos de Liam olhassem diretamente para si.

A indiferença machucava, doeu mais do que a pancada de sua testa contra a parede. Theo deixou-o em paz, tentava evita-lo também. Pois não queria deixá-lo mais estressado. O pavio de Liam estava mais curto do que o normal, o que lhe causou problemas até mesmo no lacrosse.

Mas aquilo lhe custara alto. Evita-lo, deixar de vê-lo nos corredores por alguns instantes. Pois Liam partiu assim que as aulas terminarem, sem ir ao baile, sem avisar a ninguém.

Os dias não foram fáceis. Esperar as coisas esfriarem não estava dando certo pois ele tinha a sensação de que não esfriaria, suas decisões eram magma. Teve de reunir muita coragem para contatar sua tia, a mãe de Liam. E após muita insistência, e um choro mudo, ela confirmou onde ele estava.

Esse era o destino de Theo.

Tinha de por um ponto final naquela história, por mais que doesse, por mais que não quisesse. Deveria deixá-la livre de pontas soltas. Explicar-se finalmente para Liam. E informa-lo. A, sim. Ele precisava saber, ouvir da sua boca. Sua covardia não podia sobrepor o fato de que Liam tinha o direito de saber.

Apesar de não esperar que ele o perdoasse. De que ficariam juntos novamente, como tanto planejaram. Era ser ingênuo demais, até mesmo para ele.

A viagem até Virginia fora difícil. Por muitas razões e a maior dela é pois não o via a meses. A última vez que o olhara foi na supermercado, escolhendo maçãs. Theo tentava controlar a euforia que sentir com a ideia de revê-lo depois de tanto tempo.

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