Capítulo 1

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He's coming to me

Há mais de dez anos que vim a este mundo. Embora pareça ter sido há muito tempo, ao mesmo tempo parece ter sido pouco. Se compararmos, pode-se dizer que o período em que eu estive vivo e tinha um corpo saudável foi mais curto do que o tempo em que estive morto.

Desde que abri os olhos pela primeira vez para contemplar este mundo, sofro de uma série de doenças cardíacas. Essas enfermidades impõem limitações ao meu corpo, restringindo minhas capacidades. Por não conseguir realizar exercícios intensos, às vezes me limitava a permanecer sentado e mesmo assim, de repente, meus problemas cardíacos se manifestavam, obrigando-me a ser hospitalizado.

No fundo do meu coração, sempre me senti constantemente desencorajado por não possuir um corpo saudável, mas sim um corpo mais frágil e diferente dos demais.

Por diversas vezes fui obrigado a passar longos períodos hospitalizado, o que resultava na perda de várias atividades escolares. No entanto, graças ao incentivo constante de minha mãe, eu decidi levar uma vida plena.

Certo dia, deixei o escritório para fazer uma compra, sem esperar um repentino ataque cardíaco. Experimentei uma dor intensa, meu coração estava sob pressão, como se fosse explodir a qualquer momento, meu peito estava tão apertado que a respiração se tornou difícil. Naquele momento, fiz o meu melhor para chamar por socorro.

No entanto, tive o azar de que ninguém me viu ou passou por ali no momento, absolutamente ninguém.

Por fim, agonizei até que se tornasse insuportável, e quando abri os olhos novamente, já me encontrava neste cemitério.

Inicialmente, pensei que tivesse dormido demais e estivesse sonhando, não prestei atenção à situação ao meu redor. Somente ao testemunhar meus parentes sepultando meu corpo em uma cova, percebi a realidade.

Tentei gritar e fazer com que todos ouvissem que eu estava ali, mas minha voz não foi ouvida por ninguém, absolutamente ninguém.

Ao acordar, senti-me confuso com o que estava acontecendo e minha concentração estava prejudicada. No fundo do coração, tentava me convencer de que aquilo era apenas um sonho. Belisquei minha própria bochecha, esperando que o pesadelo terminasse em breve. No entanto, um dia inteiro se passou e o sonho persistia.

A realidade era difícil de acreditar. Passei horas caminhando ao redor do cemitério, tentando entender o que havia ocorrido. Aos poucos, percebi que havia deixado este mundo e estava morto. Desde que aceitei esse fato, perdi a noção de quantos dias se passaram. Curiosamente, não me senti exatamente triste nem tive vontade de chorar. Em vez disso, havia um sentimento de pânico, como se estivesse ouvindo falar da morte de outras pessoas, não da minha própria.

Com o tempo, meus sentimentos foram melhorando gradualmente e busquei ocupar meu tempo para mostrar a mim mesmo que ser um fantasma não era tão ruim. Pelo menos como espírito, podia viajar para diferentes lugares sem limitações, ao contrário de quando estava vivo e não podia me afastar muito.

Apesar de parecer estranho vagar apenas pelo cemitério como fantasma, com o passar do tempo, minha curiosidade diminuiu. Era como se tivesse sido deixado sozinho para enfrentar cada novo dia. Embora não precisasse mais comer após a morte, ainda sentia vontade de satisfazer meus hábitos alimentares de quando era humano.

Durante o festival Qing Ming¹, alguns parentes costumavam prestar homenagens para garantir que eu pudesse me alimentar mesmo no além. No entanto, após três anos, percebi que essas visitas cessaram e fui esquecido depois que todos receberam minha herança.

Agora, restava apenas sofrimento e miséria, e eu sentia uma forte curiosidade por coisas que não pude fazer quando ainda estava vivo. Desejava ardentemente poder me comunicar e interagir com as pessoas, e torcia para que alguém pudesse me enxergar.

Certa manhã, tudo parecia tranquilo, pois o dia do festival Qing Ming ainda não havia chegado. Os sons suaves do vento e do canto dos pássaros preenchiam o ambiente. No entanto, acabei adormecendo acidentalmente e não pude presenciar o nascer do sol.

Ao acordar, ouvi um som lá fora, como se estivessem escavando ou fazendo alguma construção. Intrigado, olhei pelo buraco e vi pessoas discutindo sobre o material a ser usado para consertar uma lápide. Logo perdi o interesse e me peguei pensando no que fazer, quando uma voz me surpreendeu.

"Papai, por que essa sepultura está tão marrom e é diferente das outras sepulturas que são verdes?"

Interrompendo meus pensamentos, virei-me para ver quem falava e procurei por outras sepulturas sujas, mas não havia nenhuma parecida com a minha. Observando mais atentamente, percebi que era uma criança de aproximadamente dez anos, que continuava tagarelando sem parar.

Essa visão me tocou profundamente, evocando memórias de quando eu mesmo tinha a mesma idade e passava os dias olhando pela janela do hospital. O pai explicou ao filho:

"Essa sepultura é assim porque a família não tem pagado as taxas de manutenção, então ninguém ajuda a cuidar dela e limpá-la." Em seguida, ele carregou o menino em seu colo.

Ao escutar essa triste informação, a expressão do garoto ficou sombria. "Então faz muito tempo que ninguém vem prestar homenagens a ele também, não é?" perguntou com voz aguda.

"Sim, acho que sim." O pai respondeu e acariciou a cabeça do filho antes de colocá-lo no chão. A criança correu em direção ao túmulo e se virou para encarar o pai.

"Papai, você tem incenso suficiente?" perguntou com preocupação. "Esse Phi parece ser uma boa pessoa. Acho que ele ficará faminto se não houver comida."

Ouvindo as palavras do garoto, comecei a rir. Não era algo engraçado nem uma frase estranha, mas as palavras dele tinham um tom tão inocente que me fizeram sorrir.

O pai da criança também riu.

"Papai, estou falando sério." insistiu o garoto, franzindo a testa e diminuindo o volume de sua voz ao ver o pai rindo alto. Sentia que seu pai não estava levando a sério o que ele dizia.

"Não fique chateado com o papai!", o pai tentou consolar o filho em tom persuasivo. "Pegue três incensos da sacola e encha o copo de plástico com terra, depois coloque o incenso por cima. Mas não o chame de Phi, talvez ele seja mais velho que eu!"

"Acho que não." exclamou a criança enquanto colocava o copo cheio com incenso em frente à lápide. "Está escrito na lápide que ele morreu aos 25 anos."

Fiquei em silêncio, deixando meus olhos percorrerem a escrita na lápide. Que vida curta! Ter vivido apenas 25 anos no mundo era uma história trágica. Agora eu deveria somar 10 anos a mais na minha idade, mas não era o mesmo que se estivesse vivo.

"Talvez ele tenha sofrido um acidente..." disse o pai em voz baixa, enquanto riscava um fósforo para acender os três incensos sobre o copo de plástico. "Filho, você tem alguma comida ou doces para oferecer a ele?"

A criança entrou em pânico ao ouvir isso, procurando algo em seus bolsos antes de começar a orar. E perguntou ao pai:

"Papai, isso é permitido?"

Enquanto observava aquela cena, tentei ver o que era, mas não enxerguei nada, percebendo que talvez estivesse iludindo a mim mesmo.

"Isso está bom." o pai tentou tranquilizá-lo, com receio de que o filho ficasse desanimado. "Logo iremos para casa, então se despeça dele!"

O garoto juntou as mãos e fez suas orações diante do altar, antes de voltar correndo para junto do pai.

Antes de desviar o olhar, eu o observei por um instante e, quando meus olhos avistaram os objetos que a criança havia oferecido, um sorriso se formou em meu rosto.

Ele havia deixado três doces.

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¹- O Festival Qing Ming é um festival tradicional chinês onde os entes queridos visitam o cemitério para fazer uma limpeza nas lápides e prestam homenagem aos mortos uma vez por ano.

Ele está vindo para mim (Novel PT-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora