Capítulo 4

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Já se passaram três anos desde que o conheci. Desde então, percebi que essa experiência é mais gratificante do que uma vida sem propósito. Neste momento, gostaria que nada mudasse. Contudo, minha esperança cresceu e passei a desejar mais. Anseio que o garoto possa me enxergar, que ouça minha voz... ou até mesmo que me ajude a lembrar quem eu sou.

Em minha vida, deparei-me com diversas decepções. Desde o início, a primeira delas foi abrir os olhos para este mundo e perceber que eu era diferente dos outros. A seguir, enfrentei a decepção de perder meus pais em um acidente, o que me deixou sozinho para viver.

Sou alguém que teme ser machucado repetidamente. Apesar de as decepções serem parte da minha vida, não estava acostumado a elas, e essas lembranças me deixaram receoso de iniciar novas atividades ou conversar com alguém. Assim, procuro evitar nutrir esperanças em minha vida.

No entanto, há uma outra esperança: espero que o garoto possa me enxergar.

Não quero admitir que sinto algo diferente por ele, por dois motivos. Em primeiro lugar, não costumo me interessar romanticamente por homens, mas preciso reconhecer que talvez até possa gostar deles, embora não compreenda o motivo. Talvez seja porque a gentileza de algumas pessoas me faz feliz, e acabo interpretando esse sentimento como uma forma de gostar.

Além disso, o segundo e mais significativo motivo é que não quero acabar na cadeia! ( NT: Sim gente, uma criança de 13/14 anos. Pensei muito se censurava essa parte pq sinceramente achei péssima, mas vou deixar e vcs decidem se relevam isso ou não.)

Tudo bem, ainda me recordo de que a diferença de idade entre mim e o garoto é de 25 anos. Desde que morri, já se passaram 13 anos, e essa diferença é tão grande que é impossível haver qualquer tipo de romance, seria mais como uma relação entre pai e filho!

Embora tenha me transformado em espírito, meu rosto ainda aparenta ter 25 anos, não pareço um homem velho, mas, em termos normais, ainda é um tabu para mim.

Mas sendo espírito, é impossível que eu acabe na cadeia.

Suspirei e levei minhas mãos aos olhos, tentando pensar de forma lógica.

Concluí que o garoto nem sequer pode me enxergar. Se gosto dele, isso não significa que seja um sentimento romântico! Se possível, espero ver o menino crescer saudável, casar-se com uma boa esposa, ter um filho adorável e, quem sabe, me visitar. Isso me deixaria feliz.

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Após minha morte, passei meus dias sentado, conversando comigo mesmo e me isolando, pois nunca havia encontrado outro espírito além de mim. Tentava distrair-me para não me preocupar com coisas impossíveis, como o garoto não poder me enxergar. Convencia-me de que não havia nada de estranho nisso e que não valia a pena me decepcionar novamente.

No entanto, quando o festival Qing Ming chegou novamente, no quarto ano, o garoto trouxe frango frito e bolo de chocolate. No começo, forcei-me a acreditar que ele não poderia me ver, mas algo estava diferente este ano.

Parecia que o garoto não me via, pois não reagia às minhas tentativas de comunicação e fixava seus olhos apenas na minha lápide. Mesmo assim, eu ainda tinha esperanças de que ele pudesse me ver.

"Você pode ver o Phi, certo?" Eu trouxe meu rosto para mais perto dele, mas o garoto permaneceu imóvel e não mostrou nenhuma reação, como se ele não me visse, seus olhos estavam fixos apenas na minha lápide.

Esperei que ele respondesse por um momento, mas parecia que eu não receberia nenhuma resposta do menino. Fiquei muito nervoso, depois caminhei de um lado para o outro, não muito diferente de interrogar um suspeito.

No entanto, ele acabou indo conversar com seu pai, o que me fez suspirar e perceber que talvez realmente não pudesse ser visto por ele.

Sentado em minha sepultura, observei-o de longe, com muitas perguntas em mente. Se ele estivesse mentindo ou fingindo não me ver, não conseguia entender o motivo, pois não havia sentido nisso. Mas, se fosse o caso, por que ele trazia chocolate e carne?

Após muito pensar, minha cabeça doía e percebi que não importava o quanto eu tentasse, nada mudaria. Então, decidi parar de me preocupar com isso. Até que a voz do pai do garoto o chamou, olhei para cima e pretendia vê-lo uma última vez, esperando encontrá-lo novamente no próximo ano. Foi nesse momento que percebi que o garoto olhou para mim antes de se afastar.

"Sabe... No começo, quando eu ia trazer as coisas para a oferenda, eu não sabia o que trazer", respondeu o garoto com uma voz suave, curvando-se em saudação. "Então eu perguntei ao meu pai o que ele traria quando viesse visitar o festival Qing Ming. Papai disse que levaria coisas que os falecidos gostavam, mas eu não sabia o que o Phi gostava, então trouxe algo do meu gosto. Não sei se o Phi também gosta ou não, mas se o Phi tiver alguma preferência, por favor me diga em meus sonhos."

Ao ouvir essas palavras, minha primeira reação foi alegria, pois descobri que o que ele trouxe para a oferenda era algo que eu também gostava! Contudo, essa felicidade logo deu lugar à tristeza em meu coração, pois percebi que tudo isso era apenas fruto da minha imaginação desde o início.

"Vejo você no próximo ano, Phi", concluiu o garoto, despedindo-se e prestes a seguir seu pai para partir.

Com uma expressão sombria, várias ideias se atropelaram em minha mente, lutando por espaço. Eu estava em conflito e incapaz de controlar meus pensamentos. Então, decidi agir imediatamente: fui à frente do garoto, curvei-me e o abracei fortemente.

Nesse momento, pareceu que o tempo parou. Mesmo que tenham se passado apenas alguns segundos, senti como se tivesse sido minutos. O garoto permanecia imóvel, e não sabia se era porque ele me via ou por outra razão, mas decidi não nutrir esperanças em relação a esse pensamento obscuro novamente. A esperança é como escalar um penhasco, quanto mais alto você sobe, mais dolorosa é a queda. Então, se não tivesse esperanças desde o início, não me machucaria.

Quando o garoto saiu do estado de congelamento, olhou ao redor, passou pelo meu corpo e seguiu seu pai. Mesmo que tenha sido apenas um breve abraço, não pude realmente tocá-lo nem sentir o calor de seu corpo, mas isso foi o suficiente para me deixar extremamente feliz por um dia inteiro. Se eu ainda estivesse vivo, talvez pudesse sentir meu coração batendo de alegria.

Esse acontecimento me trouxe a certeza de meus sentimentos em relação a ele. Eu gosto dele.

Porém, o que posso fazer? Já estou morto.

Ele está vindo para mim (Novel PT-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora