Carta n°15 - Antônio

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                A última pessoa com quem tive contato foi Antônio. Ficou responsável de abastecer a cabana de suprimentos e me deixar aqui. Ainda quando eu estava na cidade, tínhamos uma ligação direta para facilitar nossa comunicação sem uso de telefones. Empreguei-o no departamento de transportes e quando eu apenas tocava do meu ramal ele atendia e avisava que estava subindo para minha sala. Lá, praticamente depois do combinado ele tinha uma lista de compras para fazer. Era mais discreto que elas fossem feitas pouco a pouco. Quando estava tudo pronto na data agendada, fui de metro até uma estação combinada aonde ele me apanhou de carro e me trouxe.

O que sempre admirei foi que ele nunca em momento nenhum fez uma pergunta sobre tudo isso. Não perguntou absolutamente nada. O porque eu ia me mudar, o que estava acontecendo e sequer como iria receber a imensa quantia em dinheiro que o paguei para sair do país com sua família e seguir os passos de seus primos na Espanha. Os mesmos iriam dar o pontapé inicial para a nova vida que eles teriam fora do Brasil. Era como se confiasse em mim. Em troca e por conta da necessidade, eu confiava nele. Acho que isso foi o mais perto do que tive de uma amizade.

Diferente das outras pessoas que viveram ao meu redor, Antônio nunca me pediu nada, nunca teve interesse em mim ou minhas coisas. Seus olhos castanhos sempre observavam a meus movimentos, minhas roupas (eu sempre usava terno e gravata), se estava digitando uma mensagem no celular, falando com alguém e até quando me despedi de Nora, meu motorista particular "oficial ". De qualquer forma ele nunca perguntou nada.

A viagem até aqui levou por volta de 12 horas. Viemos sem parada. Acho que em silêncio, ele teve a sensibilidade de que eu precisava sair daquilo tudo o quanto antes. Sensibilidade essa que psicólogos caríssimos que passei anos pagando não tiveram. Não pediu para parar em posto para ir ao banheiro, contentou-se em arbustos no acostamento de estrada. Não reclamou de fome, enganou a mesma com um pão de forma com manteiga, do qual insistiu em me dar a metade afirmando que eu precisava me alimentar (tivemos que sair às pressas da cidade). A agua que tomamos era provida de duas garrafas de 2 litros que por conta própria ele havia enchido (ou comprado) e teve o cuidado de deixar para gelar.

Viemos no carro dele, uma picape velha que a lataria parecia que ia cair conforme acelerava o barulhento motor. Quando chegamos, ele me ajudou a descarregar 2 maletas e uma quase que instantaneamente uma delas devolvi a ele. Informei que tratava-se de seu pagamento. Ele sequer abriu a mesma. Balançou a cabeça, me deu um aperto de mão voltou para o carro e se foi.

Eu sabia que ele nunca iria falar sobre a minha localização. O que mais me inspirou confiança em Antônio, foi seu silêncio. Curioso, não é? Muitas vezes passamos a vida falando incansávelmente com pessoas que não nos importamos, para nos fazermos quistos ou agradáveis justamente para ter sua confiança. Como se fosse um troféu, como se fizesse toda a diferença do mundo saber que temos a confiança dessa pessoa. As vezes gosto de pensar nela como um vaso de porcelana chinês. É bonito, sensível, frágil, prestigiosa, chama atenção, mas no fim das contas é inútil. É só a porra de mais um vaso! Um vaso que serve para colocar uma planta, como qualquer outro se incumbiria da mesma função perfeitamente igual. Qual era a grande diferença no final das contas? Se por exemplo, a confiança que é tratada como uma virtude e o sigilo sendo sua característica principal, apenas fosse tratada como realmente é, uma obrigação. Por outro lado, pergunte-se se temos a obrigação de ser honesto. Esquece leis, livros religiosos, ensinamento familiar, esqueça tudo isso. Por que verdadeiramente devemos ser honestos?

Sei que eu não fui e mesmo assim Antônio foi meu vaso de porcelana chinês.  

As cartas encontradas de Rogério FonsecaOnde histórias criam vida. Descubra agora