Capitulo 04 – Liar
Por: Starblues
“Eu vejo sombras lá embaixo das montanhas.
Não tenho medo quando a chuva não para. Pois você ilumina meu caminho, ilumina meu caminho.
Você ilumina meu caminho.”
– Flashlight / Jessie J.
Passei a noite toda revirando-me na cama, a ansiedade para que o dia seguinte chegasse só o fazia parecer cada vez mais distante, só queria dormir e acordar já sendo manhã, mas a minha mente não parava de trabalhar. Já me encontrava empurrando os carneiros por cima da cerca, e acho que até eles já estavam cansados da minha insistência. Por volta de alguma hora da madrugada, decidi me levantar para tomar um ar, a ansiedade corroía-me e a possibilidade de simplesmente deitar e dormir já me parecia simplesmente muito distante. Aquela não era uma madrugada atípica, eu tinha crises desde que era criança e aquilo já havia me roubado inúmeras noites de sono. Então eu sabia que provavelmente só iria dormir quando o sol estivesse aparecendo.
Optei por fazer um chá, aquilo sempre me ajudava em noites como aquelas, não era atoa que eu possuía um verdadeiro estoque – dos bons, não as porcarias que a Sina tomava. Era sempre a mesma rotina, quando o chá estava pronto, eu me sentava no fundo de casa e costumava olhar o céu, aquela noite não seria diferente. Aquilo costumava me acalmar, eu sempre pensei que ajudaria ter alguém para conversar durante a crise, mas eu jamais ia tirar o sono da Sina ou do Noah, eles não mereciam perder suas noites de sono. Eu mesma gostaria de estar dormindo, por que tiraria a chance alguém? Depois que meu chá estava pronto, eu costumava ir para meu quintal para olhar as estrelas.
A minha parte favorita da minha casa, sem sombra de duvidas, era meu quintal. Era lá onde eu podia ter paz e tranquilidade, e que me lembrava de todos os momentos que eu havia passado ali com meus familiares, antes deles voltarem pro Brasil. Onde eu ia pra pensar, refletir, ou quando estava ansiosa, como era o caso daquela noite. Como meu bairro era tranquilo e seguro, ficar ali aquele horário nunca havia me causado problemas. Minha vizinhança era tranquila, a da esquerda costumava viajar bastante e quase não ficava em casa, e a vizinha da direita era a Sina, o que me livrava de tarados me espionando.O mais contraditório era que aquela noite quem estava espionando era eu. Vi que uma das luzes da casa de Sina estava ligada, e aquilo me chamou a atenção para olhar o que era que estava acontecendo ali. Sina dormia cedo, era quase uma senhora no corpo de uma jovem, então pensei que talvez ela estivesse tendo algum pesadelo, mas foi então que me dei conta de quem estava acordado àquela hora da noite não era Sina, era Josh.
Então como se tivesse adivinhando que sua silhueta estava sendo observada, Josh apareceu na janela, sem camisa. Como era bem provável que onde eu estava ele não pudesse me ver, então me dei ao luxo de admirar seu corpo desnudo, ele havia adquirido um corpo invejável ao longo desses anos, eu não poderia negar, cada músculo no seu devido lugar como se houvesse sido lapidado a mão por algum artista romano. Fiquei petrificada ao vê-lo olhar em minha direção e dar sorrisinho sem vergonha enquanto acenava. Ele havia me pegado secando-o sem pudor algum, não havia muito que fazer, apenas acenei de volta e fingi não achar mais tão interessante espiar meu novo vizinho pela janela. Passado um tempo, olhei novamente só para me certificar, e ele já não estava mais lá.
– Procurando por mim, Any? - pulei em sobressalto com uma voz surgindo da escuridão.
– Quer me matar de susto, infeliz? - o vi sorrir de orelha a orelha.
– Por que está ai sozinha no meio dessa escuridão toda? - ele apoiou um dos braços na cerca branca que separava nossas casas.
– Estou sem sono... – murmurei sem muito ânimo.
– Teve sonhos molhados, né? - fez uma expressão forçadamente compreensiva. – Somos amigos desde sempre, Any, sabe que pode me pedir ajuda a qualquer momento.
– Que nobre homem você é, Joshua, fazendo tanto por uma pobre mulher como eu.
Ele deu um rápido sorriso de lado, mas logo voltou a ficar sério. Um silêncio momentâneo se instaurou sobre nós.
– Está preocupada com algo? - não pude deixar de olhar abismada para ele. Josh estava preocupado comigo?
Ponderei um pouco acerca da minha resposta e preferi ocultar meu encontro com Noah em algumas horas.
– Ansiedade... ela me tira algumas noites de sono. – ele acenou como se entendesse bem o que eu estava dizendo – Mas e você? O que faz acordado? Achei que estaria desmaiado depois de tanto tempo dentro de um avião.
– Também pensei que sim, mas acabei tomando bastante café no vôo, o que me resultou numa versão minha cheia de energia.
Era estranho estar ali conversando com ele, quando éramos crianças nós mal nos falávamos, e eram sempre conversas estranhas e travadas, isso quando não estávamos provocando um ao outro. Me levantei de onde estava sentada e me apoiei ao seu lado na cerca, ambos fitamos o céu, cada um imerso em seus próprios pensamentos.
– Por que você não gostava de mim quando éramos crianças? – soltei sem pensar muito sobre como aquela pergunta seria estranha sem contexto algum.
– Eu não te odiava, Any, tá maluca? – agora sua atenção estava toda em mim e aquilo me deixava inquieta.
– E porque me tratava com tanta indiferença? – vi seus olhos se arregalarem em surpresa.
– Por que eu tinha 12 anos - sua voz foi ficando mais baixa e talvez... receosa? – E não sabia como falar com a garota que eu gostava.
– Até parece, Josh, quer mesmo que eu acredite nisso? A Heyoon te desafiou a me beijar e você fugiu e nem se quer olhou na minha cara depois disso.
Ele se remexeu desconfortável. Parecia mesmo estar num dilema interno.
– Eu fiquei com vergonha, Any, e medo de que você me rejeitasse no meio de todo mundo, isso é o que eu faço, antecipo as coisas ruins. - estava realmente surpresa com o rumo daquela conversa, imaginar que ele havia fugido por que gostava de mim, aquilo era surreal demais para acreditar. – Eu fiquei tão constrangido depois que não consegui se quer olhar para você.
– E não ajudou muito quando eu fiquei zombando de você... - foi inevitável não me sentir culpada.
– Tudo bem, eu não sou mais aquele garotinho de oito anos atrás, hoje em dia eu vou atrás do que eu quero.
Então num piscar de olhos, toda atmosfera boa e tranquila que nos rodeava, parecia densa e inebriante, como se eu pudesse ficar bêbada só estar ali ao lado dele, seus olhos tinham uma intensidade e um brilho... Ninguém nunca havia me olhado daquela forma. Nem chegava perto da que tivemos no aeroporto, era como se ele tivesse um imã me atraindo para ele. E eu me aproximei mais, ficando cada vez mais perto, estava presa nele e naquele magnetismo que ele tinha. Estávamos cara a cara, e estranhamente, ele não parecia mesmo ser o garotinho de oito anos atrás, ele parecia um homem, e mais do que aquilo, um homem por quem eu me sentia atraída.
– Tem como provar? – minha voz saia mais fraca, e mais vacilante do que eu gostaria.
Ali tão perto notei Josh tinha um cheiro bom, eu não saberia explicar, mas ele tinha cheiro de sabonete, como se estivesse recém-saído do banho. Estava terrivelmente dividida entre enfiar meu nariz em seu pescoço e manter minha dignidade - ou o que restava dela.
Tudo poderia acontecer ali, mas a minha mente brilhou uma imagem de Noah e eu me senti culpada por estar daquela forma com Josh, Noah havia preparado tudo pra que tivéssemos um dia juntos e lá estava eu como se não fosse nada, como se o fato dele se deslocar de tão longe para me ver, não significasse nada. Então fiz o que faço de melhor:
Provocar Josh Beauchamp.
– De repente, fiquei com tanto sono. - o semblante intenso dele foi substituído por de confusão. – Espero que esse não seja o efeito que você causa nas mulheres, Josh. Funcionou para mim. - cortei a distância entre nós e sussurrei em seu ouvido. – Mas sabe como é, pode pegar mal com outras mulheres.
Não poderia negar que ver Josh trincando aquele maxilar perfeito e semicerrando os olhos pra mim com insatisfação, me deixava tentada a provoca-lo ainda mais, mas eu realmente precisava dormir – apesar de que depois daquela proximidade toda com ele talvez fosse uma tarefa um tanto complicada.
– Na próxima oportunidade que tiver, você ficará com tudo, menos com sono. – o ouvi dizer enquanto me distanciava.
– Aproveita que nos sonhos tudo é possível. - dei uma piscadela antes de fechar a porta.
Demorei mais tempo do que gostaria para dormir naquela noite, meu cérebro insistia em me oferecer imagens de Josh sem camisa na janela, ou de nós dois cara a cara separados apenas por uma cerca. Fiquei tão concentrada em tentar esquecer Josh, que acabei me esquecendo do meu encontro com Noah, o que me permitiu pelo menos pregar os olhos aquela noite.
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LIAR
RomanceAny era uma mentirosa, não só por estar mentindo para si mesma, mas também por mentir para as pessoas que mais amava. Ela se enganava ao achar que conseguiria equilibrar uma paixão genuína e um amor inconsequente. Escolhas necessitavam ser feitas e...