Hora 21

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Quando acordei João estava parado na porta de casa me olhando, vê-lo sorrindo todo compreensivo me fez voltar a chorar, João abriu a porta do carro e me ajudou a descer. Entramos em casa e tudo parecia claro demais, arrumado demais. Na sala haviam duas malas e vários papéis na mesa. Olhei para ele assustado enquanto me ajudava a sentar no sofá.
-Você vai embora?-Minha voz falhou.
-Vou ficar em um hotel por hoje.
-Não precisa ir embora hoje, essa é a sua casa.
-Você pode ficar com ela.
-Não João eu vou para o meu apartamento, ele é pequeno e suficiente para mim por enquanto, mas por favor esta noite não me deixa dormir sozinha.
-Tudo bem meu amor, eu fico com você hoje, mas precisamos decidir quem fica com nossos apartamentos.
-Temos que fazer isso agora?-Perguntei sentindo o peso das minhas decisões.
-Seria bom fazermos o mais rápido possivel para que você possa ser feliz.
Assenti, fazia sentido tudo o que ele estava dizendo, afinal eu quem liguei para Ótavio, eu quem pedi para os papéis do divórcio sairem o mais rápido possivel, João na verdade só estava me ajudando.
-Quando fui comprando, fiz questão de deixar em números pares, deixei os que você gosta no seu nome, e os outros no meu então não há muito o que dividir, tenho 4 apartamentos no seu nome e outros 4 no meu, a única coisa que está no nome dos dois são as casas da praia, que podemos vender e dividir caso você queira, que é o que eu acho justo, só uma em si que não está no meu nome, que é a que eu fiz no seu aniversario, essa está em seu nome afinal foi seu presente, caso não queira, podemos dividir o aluguel das casas que estão em ambos os nomes. Ou podemos vender tudo e dividirmos o dinheiro.
-Não, não podemos vender, ocê quem construiu cada lugar desses, são memórias.
-Então estamos acertados? Rápido assim.
-Rápido assim. Puxei-o para perto me aninhando em seu colo, se a vida fosse assim tão fácil.
Ouvi meu celular tocar algumas vezes, uma mensagem atrás da outra e então uma chamada, estiquei o braço, mais de vinte mensagens de Angela, dez mensagens de minha irmã e a ligação de minha mãe. Meu deus o que está acontecendo.
-Mãe, ta tudo bem? Perguntei insegura.
-Eu que te pergunto Rafaella.
-O que houve mãe?
-Rafaella onde você estava ontem a noite?
-Eu fui visitar João. Meu corpo estremeceu. -Eu falei que ia.
-Eu sei que não é lá que você estava Rafaella.
-Como assim mãe?
-Pode me dizer aonde você estava exatamente?
-Ah, eu tive que parar em um hotel no meio da estrada para fugir da tempestade.
-E que merda você foi fazer nesse hotel Rafaella? Agora ela gritava no meu ouvido. -E com quem você estava?
-Com uma amiga mãe, eu apenas fugi da tempestade.
-Rafaella para de mentir para mim, você foi fotografada em um motel Rafaella. Apenas de roupão, de mãos dadas com uma mulher Rafaella. Em um motel.
-Que?
-É Rafaella, eu acabei de receber a foto está em toda a internet, você pode me explicar isso? Por qual motivo você estava em festa dessas?
-Mãe eu só fui fugir da chuva!
-Não me interessa Rafaella. Ela gritava irritada, sentia minhas lágrimas cairem. -Você é uma mulher casada não tem que ser vista em um lugar desses com uma mulher baixa dessas.
-Não mãe, eu não sou uma mulher casada. Respondi, João apertou minha mão me dando forças. -Estou assinando os papéis do divórcio agora.
-Você está tentando me matar Rafaella?
-Não mãe estou tentando ser feliz.
-Feliz Rafaella? Que mulher foi feliz divorciada, sozinha?
-Eu não estarei sozinha.
-Ai. Você traiu seu marido? Quem é esse homem que você está pecando minha filha?
Me calei, João fazia sinal para que eu desligasse o telefone.
-Rafaella? Minha mãe estava mais calma agora. -Não é a mulher que você foi fotografada Rafaella?
João agora me mostrava em seu celular a foto, era uma foto nossa Gi me puxando pelas mãos foi logo após meu beijo com as duas, haviam outras fotos da festa, uma delas aparecia Gi ao fundo me beijando desfocada. Meu coração parou de bater e então bateu rápido demais quando a voz de minha mãe soou fria e distante em meu ouvido.
-Você não é mais a minha filha, até recobrar seus sentidos Rafaella eu não quero saber de você e o desgosto que trará para a sua familia.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ela havia desligado.
-Eu não acredito nisso. Olhei as mesagens do meu celular, todas elas eram a mesma foto, todas elas eram argumentando-as.
"Irmã me liga por favor"
"Posso ligar mais tarde? Mamãe acabou de me ligar, não foi agradavel" Respondi.
"Você está bem?"
"Não."
"A mamãe falou merda?"
"Falou para eu não falar mais com ela, que ela não é mais a minha mãe"
"Então é verdade?"
"É..."
"Fico feliz por você finalmente perceber e enfrentar ela! Estarei aqui se precisar de alguma coisa tá?"
Olhei para João, ele sorria tentando compreensivel.
-Parece que o mundo está contra mim só por eu ter decidido ser feliz.
-Eu sinto muito meu amor.
-Eu não sei o que eu fiz de errado João, eu não sei o que eu posso fazer para arrumar isso tudo.
-Rafaella, não tem o que você arrumar. Seu tom de vóz era sério. -Você fez a escolha de ser feliz, e por mais simples que isso pareça infelizmente as pessoas do seu meio não vão entender, então você precisa ver quem vale a pena ficar ao teu lado.
-Você vale.
-Obrigada meu amor. Ele sorriu beijando minha testa.
E eu só queria ficar assim, deitada ao lado dele que sempre fora um grande amigo, mais amigo do que marido de fato.
Seu perfume forte se misturava com suave de Gizelly, fazendo um nó de confusão na minha mente, tudo o que eu queria era que isso passasse que o tempo voasse para o futuro onde tudo termina bem.
-Vai terminar tudo bem né? Perguntei chorosa.
-Claro que vai. Ele riu, me sentia uma criança em seu colo. -Você deve gostar muito dela, nunca te vi chorar tanto.
-Eu gosto, não sei explicar João, é só algo que... Me destrói saber que não vou ficar com ela.
-Como assim não vai? Ele perguntou em choque.
-Fizemos um trato, se em um ano estivermos ainda nos sentindo assim que iremos voltar e encontrar uma a outra.
-Um ano Rafaella?
-Sim... Mas um ano é tempo demais pra me manter longe dela. Um ano é tempo de mais para não ouvir sua voz.
-Aí meu amor, vai passar rápido, lembra que passamos quase quatro anos separados quando fui para a faculdade? Lembra como foi rápido? Assenti -E eu vou estar aqui para te ajudar se quiser.
-Promete não me deixar? Ele pensou e vi em seus olhos como estavam longes. -Ai meu deus eu em momento algum pensei como deve estar sendo para você. Sai do colo dele.
-Não, não eu te realmente te entendo meu amor, só vou ter que me acostumar com a ideia de sermos apenas amigos, mas é mais fácil sabendo que o problema não fui eu.
-Bom na verdade o problema foi você sim. 
-Como assim?
-Ué, se tivesse nascido mulher, ai eu ainda estaria casada com você. Ri jogando uma almofada nele. -Muito cedo para fazer piada?
-E quem te garante que eu seria lésbica? Já viu o tanto de homem bonito que tem nessa cidade? Ele riu afinando a voz.
 Por um segundo tudo estava suave novamente, eramos dois amigos brincando e toda a dor que eu sentia estava presa dentro de mim esperando a noite vir, jogamos a almofada algumas vezes quase acertando o abajour e o quadro na parede. A campainha tocou e João se levantou para ir atender.
-É aqui que mora a tal da Rafaella? Ouvi uma voz grave vindo da porta. -Eu quero falar com ela agora!
-Ei meu amigo se acalma. João falou. 
 Me levantei do sofá e fui em direção a porta, parado me olhando estava um homem com a barba por fazer cabelo raspado, alto e magro a pele morena. 
-Você! Ele falou entrando na minha casa e apontando o dedo para mim, João o segurou antes que ele chegasse em mim. -Você é a culpada de toda a desgraça no mundo.
-Quem é você? Está louco cara? João o empurrou para longe, a veia pulsando em seu pescoço. -Quem você pensa que é para falar com minha mulher assim?
-Ah, então ela é sua mulher? Ela ainda não te falou o que fez durante a madrugada com a minha mulher?
-Ivo. Soltei reconhecendo-o.
-Então você sabe quem eu sou.
-Me desculpa.
-Te desculpar pelo o que? Destruir meu casamento, roubar minha mulher ou expulsar de casa?
-Rafa do que ele está falando?
-É o marido da Gizelly.
-Ah. Ele segurou Ivo pelos ombros. -Cara vamos dar uma volta e conversar. 
-Eu não tenho o que conversar com você, eu vim aqui falar com ela.
-Cara respeita ela. João falou calmo. -Rafa, prepara um chá para nós por favor.
 Fui para a cozinha deixando-os sozinhos na sala, ainda conseguia ouvir a conversa dos dois, Ivo estava bravo andando de um lado para outro da sala, João provavelmente havia sentado.
-Ivo né? Bom Ivo eu sinto muito que você se sinta assim de verdade, eu também estou me sentindo um merda para ser bem sincero, mas estou aqui pois sei que ela vai precisar de mim, cara quando ela me contou eu chorei tanto no carro que não tinha mais lágrimas, meu casamento havia acabado depois de uma noite para ela. São mais de vinte anos juntos, mas ela não é a mulher com quem me casei, ela é uma mulher que nem ela sabe quem é por nunca ter sido livre antes. 
 "Então eu a entendo, mas cacete eu cheguei em casa e destrui tantas coisas, fui na academia e descontei no saco de porradas, liberei toda a energia que estava dentro de mim, voltei para casa e gritei, não com ela, não com sua esposa. Mas eu gritei por mim, pelo meu casamento afinal não é só a vida dela que mudou do dia para a noite, mas eu a amo incondicionalmente Ivo e sabe o que eu vou fazer? Esperar que ela seja feliz, estar ali por ela quando ela quiser e precisar e não sair entrando na casa dos outros e atacando-os."
-Eu só não entendo como ela pode fazer isso, tinhamos um acordo, ela poderia estar com outras mulheres desde que voltasse para mim de noite.
-Sabe Ivo, isso é normal não temos como não nos apaixonarmos, se fosse assim era só eu ligar o botãozinho e eu deixaria de estar apaixonado pela Rafaella, ou você acha que quero estar apaixonado pela minha ex-esposa que na verdade gosta de mulheres?
-É acho que não, mas eu e ela tinhamos um acordo.
-Acordos se acabam, Ivo o que você precisa entender é que não teve um culpado nisso, Rafa não é culpada, Gizelly não é culpada nenhum de nós dois foi culpado. Simplesmente aconteceu e nós dois precisamos seguir nosso rumo agora.
-Como vou seguir daqui para a frente cara? Acabei de começar um emprego em que não vou receber até ter lucro no restaurante, não tenho familia e nem uma casa para morar...
-Gizelly falou que não se importa de você morar com ela. Falei entrando na cozinha com a bandeja do chá.
-Então vocês conversaram sobre mim?
-Gi estava muito preocupada com você, falei para ela que eu tenho alguns apartamentos que você poderia ficar até se estabilizar.
-Ela estava preocupada comigo?
-Sim, ela disse que você iria ficar chateado e que ela não queria te magoar, o que eu entendo sabe? Eu não queria magoar o João também, mas eu percebi e acredito que Gi também, que não poderiamos continuar vivendo com esse sentimento dentro de nós e enganando vocês.
-Merda. Ivo falou baixo. -Eu sinto muito Rafaella, sinto muito mesmo pela forma que invadi a sua casa, que tratei você. 
-Não havia necessidade de ter sido feito. Comentou João.
-Mas eu entendo o que o levou a fazer. Comentei sentando ao lado de João, me protegendo atrás dele.
-Eu estou chateado com tudo isso, Gizelly é meu porto seguro.
-E ela pode continuar sendo Ivo, nada vai mudar além do fator romantico. 
-Ela disse que vocês são mais amigos de qualquer forma, ela te vê como alguém que quer ser parte da vida dela, assim como eu quero com João.
-Ela é minha única amiga na verdade, eu confio nela mais do que confio em mim mesmo.
-Então Ivo, para que destruir algo assim? Pensa que você vai morar em uma republica com seu melhor amigo, que por acaso é uma mulher. João sorriu.
-Me desculpa Rafa, me desculpa por tudo, espero de todo coração que você possa me perdoar.
-É só você prometer nunca mais tratar nenhuma mulher da mesma forma. Sorri esticando o braço para um aperto de mãos.
 Não confiava nele a ponto de abraça-lo. 
 Não confiava nele e ponto.

One Day. (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora