Ler relatos de assédio é gatilho pra mim, mas acredito que seja gatilho para qualquer mulher que já tenha entendido que todas nós somos vítimas em potencial. E que pode ser amanhã. Ou pode já ter sido. Ler isso é gatilho pra mim. Mas acredito que para qualquer mulher que já precisou olhar nos olhos de uma amiga e ouvir a frase que mais temos medo de ouvir - e de falar : eu fui estuprada. É gatilho pra mim, mas acredito que para qualquer mulher que já sentiu culpa mesmo sem ser culpada. Que já se sentiu suja mesmo sem estar. Que se sentiu vulnerável mesmo no lugar mais seguro do mundo. Que já se arrependeu por uma atitude que não foi ela quem tomou.
Mas, eu sei, os homens também têm inseguranças. Porque se nós somos vítimas em potencial, eles são agressores em potencial, e aceitar esse lugar não deve ser fácil. É por isso, inclusive, que a maioria não aceita. A maioria dos homens se isenta do assunto porque pensa que o fato de não ser um agressor já é o suficiente. Mas não é. Porque todos nós somos seres históricos e não há como fugir de um histórico de opressão. Se sou branco, estou implicado na branquitude racista. Se sou homem, estou implicado na masculinidade opressora. Não porque sou mau, mas porque sou um ser social, antes de outra qualquer coisa. Vivemos em sociedade e, por isso, somos filhos e filhas do racismo, do patriarcado, da homofobia, da opressão. Faz parte de quem somos e é necessário reconhecer nosso lugar no mundo para que a nossa desconstrução pessoal aconteça.
E você, homem, pode não ter feito absolutamente nada de errado, mas o receio existe. Porque você sabe que pode fazer. E, se for o caso de você ter feito algo, o receio é ainda maior porque hoje as mulheres formam uma rede de apoio imensa e você sabe disso. Mas, presta atenção: se você se sente inseguro diante dessa rede, imagina como a gente se sente diante de vocês, que reforçam o vínculo masculino historicamente e historicamente se protegem mesmo sabendo os absurdos que cometeram - ou relevaram - debaixo dos panos.
Isso, sim, assusta. Porque vocês, historicamente, protegem o absurdo. E o absurdo também vive nos detalhes. Em falas, em comportamentos sutis, em violências quase imperceptíveis. E as vítimas desses absurdos são, majoritariamente, mulheres. Por isso eu falo sobre isso: por necessidade. Não é porque sou chata ou porque sou à toa. É porque sou mulher e porque ser mulher nesse mundo dá medo.
Homens historicamente se escondem atrás de homens.
E eu espero que você saia dessa barreira. E que nunca mais sirva de esconderijo para comportamentos masculinos opressores.
Eu espero, homem, que a frase "eu fui estuprada" um dia possa te doer. Porque essa dor é necessária. E porque sentir sozinha dói muitas vezes mais.

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Reflexões para todas
Historia CortaAqui eu escrevo alguma reflexões sobre ser mulher nesse mundo. Sobre amadurecer e desnaturalizar certas premissas e se desconstruir diariamente, porque viver é isso. Algumas dores precisam ser sentidas, faladas, tocadas. E aqui eu me permito ser vul...