II

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     Dois meses já haviam se passado e eu seguia a vida o mais normal que conseguia, as aulas na faculdade continuavam ficando gradativamente mais difíceis, porém não eram nada que não conseguisse lidar, ou torcia para aguentar mesmo. Continuava esbarrando com a menina quase todos os dias em que voltava para casa, depois de um mês nos encontrando no ônibus, começamos a puxar assunto algumas poucas vezes, mais por parte dela, já que eu parecia ficar travada para tentar engajar em qualquer interação. Quase não estava saindo mais de casa, a correria do dia-a-dia não permitia que eu pensasse, nem ao menos tivesse ânimo para sair.

     Na sexta-feira, andava apressada pelos corredores da faculdade tentando encontrar a sala, eu não era capaz de pensar que tanta coisa acabaria acontecendo. Minha turma acabava mudando tantas vezes de local, quase geralmente por ar-condicionado quebrado ou algum defeito no projetor, depois de subir e descer umas duas vezes procurando, finalmente encontrei. No final do dia, Bruna e Lisa apareceram com a proposta de ir para uma festa que ia começar na casa de uma das meninas de outro período, eu senti que estava traindo a minha vontade quando elas decidiram ir. A empolgação das meninas não me deixava dizer que não possuía energia suficiente para ir, então coloquei um sorriso no rosto e fui junto.

Eu nunca tinha sido tão empolgada para saídas e quando acabava saindo, terminava desanimada ou pensativa, e tinha plena consciência do quanto esse comportamento deixava as meninas chateadas.

     Eram quase nove horas quando finalmente chegamos na festa, desci do ônibus e caminhei devagar juntamente com minhas amigas, conversando e sorrindo por boa parte do caminho. O som estrondeante da música tocando era capaz de ser ouvido longe do local, acho que era alguma música da Dua Lipa, que ultimamente me parecia estar sendo muito popular, entre os jovens. Muitas pessoas já haviam chegado e conversavam, bebiam e gargalhavam, e ao passar da entrada vi que umas três pessoas pularam na piscina, o que me preocupou um pouco.

Pareço uma velha, eu sei.

     Senti meu coração parar ao ver ela dançando na sala junto com alguns amigos, o cabelo balançando com cada movimento, a blusa preta e calça jeans preta também, o all star vermelho destacando-se em toda a completitude do visual. Nossos olhares se encontraram por alguns segundos enquanto buscava recuperar o fôlego, aquele olhar me incendiou e precisei ir no sentido diferente, sentei um pouco do lado de fora em uma das grandes cadeiras que provavelmente caberiam três pessoas de uma vez. Minhas amigas foram até a cozinha e trouxeram um copo com vodka, me deram e voltaram a perambular pela casa.

     Já fazia quase uma hora e eu já devia estar no meu sexto copo de vodka, continuava sozinha e sentada na mesma cadeira de quando havia chegado. Levantei e caminhei até a sala pensando no que estava realmente tentando fazer. Talvez fosse dançar um pouco, torcendo que para que o álcool fosse embora do corpo, não podia chegar em casa com o cheiro de bebida, mas estava com vergonha demais para me mover no meio daquelas pessoas.

     Ela me olhou do outro lado do cômodo e eu senti como se fosse capaz de um ser humano ler a mente do outro, o que seria bizarro se real, e suas ações me faziam acreditar que esse era quase um superpoder dela, conseguia me ler da cabeça aos pés, sem nem mesmo soltar uma pequena dica sobre o que estou sentindo ou desejando, e naquela noite confesso que a única coisa que eu desejava era ela e senti uma felicidade avassaladora por ver que havia me notado. Só a queria ao meu lado, sorrindo, me permitindo ouvir as suas teorias mais malucas, perdida em um universo único dela, abrindo uma porta e me guiando com seu raciocínio pelo longo caminho. Eu só queria que estivesse ao meu lado e não sei como, mas pareceu entender isso, se aproximou aos poucos e ficou ao meu lado.

— Você está bem?

— Sim, creio que sim— tossi como se o esforço fosse muito.

     Sorri, tentando esconder o fato de que estava nervosa com a proximidade, poucas foram as oportunidades de antes ficarmos tão juntas como estava acontecendo ali naquela sexta-feira atípica, sempre havia um ônibus cheio, minha vergonha e outros fatores nos separando. O perfume forte exalando não parecia ajudar em muita coisa, mas ainda permanecia firme por fora, esperava que sim, mesmo estando embriaga naquele cheiro de tons florais e um toque cítrico.

Encontro com a Filha da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora