VII

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     Cheguei em casa e fui direto tomar um banho, lavar aquela noite que só esperava esquecer, porém não conseguia tirar a imagem dela deitada no chão quase inconsciente. Tinha quinhentos quilos de agonia e preocupação me cercando, subindo em minhas costas, deixando tudo mais pesado e difícil de aguentar. Por volta das nove horas daquela mesma noite fiquei parada na porta ponderando se ainda tinha coragem para estudar naquele dia ou ir ler, no final desisti de olhar para qualquer coisa relacionada com a faculdade e peguei meu computador para escrever, minha maneira de soltar qualquer emoção. Coloquei o fone de ouvido e comecei a soltar algumas linhas que aos poucos se transformaram em parágrafos extensos com Imagine Dragons tocando sem parar de trilha sonora.

     Quando percebi já havia feito o início de um projeto de livro, mais um dos muitos que antes havia deixado de lado. Ao ouvir The Smiths-There Is a Light That Never Goes Out uma nostalgia me atingiu em cheio, o tempo de escola voltou com toda a força e eu sentia falta daquela rotina, sentia falta de ver os amigos todos os dias de manhã, contar os minutos que faltavam para o intervalo das aulas e ficar conversando besteiras com eles.

     Usei a essência dessa saudade para tentar transcrever isso na personagem que seguia-se vivendo naquele mundo imaginário criado apenas na minha cabeça, um mais ideal que eu gostaria de poder escolher para mim. Uma hora se passou até que me dei por vencida pela dor de cabeça lancinante que maltratava desde cedo, coloquei os óculos do meu lado por cima do computador desligado e deitei massageando levemente as têmporas. Ainda não sentia sono suficiente para poder dormir e no passo em que piorava, sabia que não conseguiria nem tão cedo, coloquei os pés no chão, imediatamente senti um arrepio subir pelas costas pelo choque térmico que gerou, a casa permanecia em silêncio, somente uma luz vinha pela parte de baixo da porta do quarto dos meus pais.

     Liguei a luz da cozinha e fui até o armário, abri a segunda gaveta dando de cara com os vários comprimidos que minha mãe estocava para quase todas as situações possíveis, escolhi o que ela sempre recomendava nessas situações porque eu quase nunca sabia o remédio certo para tomar. Depois de pegar dois comprimidos, sentei no sofá da sala apoiando o braço e comecei a mexer no celular, aproveitei para mandar mensagem perguntando se estava tudo bem com as meninas.

"Eu acho que sim, só cansada" Lisa respondeu depois de alguns breves minutos.

"Você falou com ela agora de noite?"

"Ainda não e não sei se estou com tanta cabeça para isso"

     Concordei com ela, depois deixei o celular de lado e liguei a televisão, pus um filme de drama para assistir e não sei em que momento adormeci, porém acordei com as costas doendo logo cedo na manhã do domingo com minha mãe varrendo a sala um tanto irritada, o que significava que se atrasara para ir à casa da minha avó, como era de seu costume em todos os domingos. Observei o sol entrando pela janela com um tom amarelado escuro, fechei novamente os olhos e tentei ignorar completamente os comentários que ela soltava em direção ao meu pai sobre algo que eles deviam ter discutido na noite anterior.

     Foquei apenas no calor que aquele pequeno raio de sol que entrava pela janela acima de mim. Por fim, encontrei-me sozinha na metade do dia, liguei o som e conectei ao celular, algo animado tocava no fundo e apenas mudei o local onde estava para pegar o computador e adiantar o trabalho que me assustava da faculdade que serviria como nota da primeira avaliação. O que era uma vitória maravilhosa, eu conseguia me dar muito melhor com trabalhos do que provas.

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     Naquele fim de domingo tedioso, pensava sobre todas as coisas que já tinha passado na vida e me senti mais sozinha do que antes havia sentido. Por boa parte do tempo, a sensação de que eu ia acabar sozinha naquele mundo me cercava, eu sei que pode parecer tosco, mas era uma das coisas que me assombrava e me fazia sentir como se nada tivesse sentido. Durante um tempo, fui fixada em um ideal amoroso que apenas eu percebia e sentia, o que me trouxe umas sequelas na vida, tanto física quanto mental, persegui essa ideia e quase me destruiu por completa. A vida ainda tentou mais uma vez me ensinar a lição, mas era muito ingênua para entender completamente o seu intuito. Talvez exatamente por isso eu tivesse adotado uma visão tão antissocial como estilo de lidar com todas as outras pessoas que procuravam aproximar-se.

Encontro com a Filha da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora