Capítulo I

580 41 28
                                    


Acordo-me e de imediato me espreguiço em seguida. Olho para o lado e vejo Peeta dormindo serenamente. Fazia tempos que eu não tinha uma boa noite de sono como essa e deitar-me ao seu lado, me proporcionava grande conforto e segurança, é claro que ainda havia várias madrugadas em que aqueles pesadelos tão reais e cruéis me assombravam e no fundo eu sabia, de certa forma, eles nunca iriam embora. Terei que aprender a conviver com isso, mas mesmo nas noites mal dormidas, nas horas em que eu sentia meu corpo suar frio, chacoalhando de desespero pela cama e adrenalina a mil... Os fortes braços de Peeta estavam lá para me envolver em um caloroso abraço. Mesmos que nós não sejamos completamente mais os mesmos, pelas cicatrizes irreversíveis que possuímos, por tudo que tivemos que vivenciar tão jovens.
Chegava a ser covardia o modo com que ele me fazia sentir em casa. Me esforço para me levantar cuidadosamente da cama macia, para não despertar Peeta, que estava com uma expressão tão plácida. Parecia estar tendo seus sonhos prediletos tamanha tranquilidade. Dou longos passos até a cozinha, cambaleante ainda pela moleza matutina, decido esquentar a água para fazer um chá. Aproveito esse tempo, para avistar à janela de dentro de casa e sentir a brisa fresca beijando a minha face, deleitando-me da paisagem, olhando os raios de sol refletirem nas flores de prímulas que Peeta havia plantado em nosso jardim, fez-me dar um pequeno sorriso silencioso, mas também uma certa dor no peito. Veio à mente a memória de Prim. Não tem um dia em que eu não sinta falta de minha irmãzinha, que tentei ao máximo proteger, minha patinha, o incentivo que me fez fazer tudo que fiz. Lutar, sobreviver e clamar por justiça e querer destruir a capital de uma vez por todas. Eu morreria só para ver minha família sã e salva, me remoendo com isso, em questão de pouco tempo, senti meus olhos marejados de lágrimas e dei um longo e pesado suspiro, lembrando do que Peeta uma vez me dissera: ''Se você matar Snow, se vencer, todas as mortes terão significado alguma coisa.'' No fim eu consegui. Matei Snow e em seguida atirei a flecha na pessoa que iria tomar seu lugar, Coin.
Mesmo com o fim da guerra, isso não me impedia de sentir-me só e abalada emocionalmente. Com minha mãe longe, perdi a amizade e qualquer tipo de contato com Gale, após a morte de Prim naquela explosão. De vez em quando, precisava ajudar Peeta com os flashbacks que apareciam, vez ou outra. As coisas estavam também difíceis para ele e não o culpo por isso. Ele perdeu toda a família e ainda foi torturado. Só ele deve saber o horror e a agonia latente que foi passar por isso, ele também passou um longo tempo em intensos tratamentos contra o telesequestro e eu não sinto medo em estar ao lado dele, na verdade, o meu maior temor é estar longe de sua presença, do seu cuidado, de seus mimos e carícias. Peeta é um verdadeiro calmante, sem tomar essa dose diária, fico à mercê de longos dias de depressão. Perco até a fome e todo meu norte perde o sentido, eu emagreço e sumo aos poucos. De vez em quando, Haymitch aparecia aqui para nos ver, estranhamente ele anda mais sóbrio, desde que descobrimos o lance que ele estava tendo com Effie, fazer ligações para Johanna também ajudava a animar meu dia, todo mês recebíamos cartas de Annie Cresta para ficarmos atualizados de alguma notícia.
— Katniss? – Peeta me chama.
Ele surgiu tão sorrateiramente, que assustei-me ao ouvir sua voz. Ele coça seus olhos bocejando, com a cara de quem havia acabado de despertar. Me mantenho quieta, apenas pensando em como nossa relação tem sido, após voltarmos para o distrito 12. Acabei me acostumando a dormir ao seu lado e ele não se queixava disso, porém, nada mais que isso têm ocorrido entre nós. Isso me incomoda, pois sinto a necessidade de mais proximidade. Percebo que ele sempre costuma demonstrar receoso quanto a isso, com certo medo de me ferir, quando o veneno estiver agindo em seu corpo. ''Isso é culpa minha'', sempre tento afastar meus pensamentos disso, mas acabo lembrando das palavras referidas a mim de Haymitch. ''Você podia viver cem vidas e ainda assim não merecer aquele cara, sabia?'' Sim, eu sei bem disso e isso faz ter ódio de mim mesma. Se não fosse por mim, Peeta teria evitado muito sofrimento, tenho consciência disso e nunca pagarei minha dívida. Viverei para sempre com este fardo em meu peito.
— Katniss, a água vai ferver até evaporar! – Lembrou-me do bule de chá que eu havia posto para esquentar.
Estava tão perdida em meus devaneios que havia esquecido completamente.
— Obrigada, acabei me esquecendo. – Dei um leve sorriso para ele, colocando o chá em uma xícara e sentando-me à mesa.
— Você podia ter me acordado, sabia? Eu teria feito um belo banquete para o nosso café da manhã. – Sorriu e juntou-se comigo à mesa, colocando algumas torradas e geleias sobre a mesa, junto de uma vasilha de morangos frescos. Não podia deixar de reparar nos fios loiros bagunçados de seu cabelo devido à profunda noite de sono que tivemos... deitados lado a lado. Enquanto me alimentava, trocava olhares fugidios com ele. Percebia que seu olhar desviava do meu para algum canto perdido. Eu não queria continuar nesse silêncio. ''Vamos Katniss, diga alguma coisa!'' Antes que eu pudesse agir, senti as mãos quentes de Peeta ficar por cima das minhas, acariciando-as e lançando um leve sorriso em seus lábios. Apenas me fixo em seus olhos tão azuis como o céu limpo e livre de qualquer nuvem.
— Olha, percebo sua dor e agonia e o quanto você tenta ocultar isso das pessoas, tentando permanecer como uma mulher firme e forte, mas você é humana Katniss, e eu quero te ajudar no que for preciso. Sei que as marcas da guerra permanecem em nós, mas depois de tudo que você fez por mim, eu me sinto impotente, às vezes... – Vejo um doce sorriso seu se transformar em um olhar de remorso e culpa. O que está dizendo, Peeta? Desde que você voltou para casa, pela primeira vez eu vejo um significado na minha vida, eu vejo esperança e alguma razão.
— Tudo o que eu fiz por você? Peeta... é você quem tem feito coisas por mim! Eu não fiz nada por você e fracassei em muitas coisas. Te fiz sofrer e terei divídas para sempre contigo, esse peso como uma bigorna caindo por cima de minha cabeça. Não fale mais isso, por favor. Pedi quase implorando. Vejo logo depois uma expressão de indignação no seu olhar. Ele dá um leve tapa na mesa e se levanta seguidamente. – Você salvou minha vida, Katniss! E continua salvando até os dias de hoje. Não existe dívida nenhuma comigo e nunca existiu. Não quero exigir nada de você, só sinto essa imensa necessidade de estar aqui, por você e para você. Não se rebaixe e não se culpe, porque isso sim, me faz sofrer. Eu... eu... Ele desiste de completar a frase e continuamos nos encarando em silêncio.
Sua bondade é sempre admirável, Peeta Mellark.
— Eu tenho medo de te perder. – A voz saiu baixa ao declarar meu maior pesadelo.
— Você sabe, eu não irei a lugar algum. – Essas palavras me confortaram tanto, que senti meu coração errar algumas batidas. Tentei abrir a boca, mas minha língua simplesmente permanecia imóvel. Não consegui pronunciar nada. Eu sou mesmo patética. – Eu também te machuquei... e muito, apenas de lembrar... eu... – Interrompo-o, colocando meus dedos em seus lábios, impedindo que prosseguisse. Peeta com certeza ainda se sentia culpado pelas vezes que tentou me matar, quando não estava em seus estado normal. Eu sempre soube que aquele não era o mesmo Peeta que havia tido a gentileza e compaixão de me jogar aquele pão, depois de tempos, já morrendo faminta.
O verdadeiro, se encontra bem à frente de mim. Este é o Peeta que voltou para casa, que me conforta desde os jogos, que me ampara, que se sacrifica por mim, que me traz sentimento de calmaria e abundância.
Aquele silêncio entre nós, após a conversa, era como um silêncio castigador e desconfortável, que felizmente foi quebrado por Peeta, já que eu, quase nunca consigo ter iniciativa. Algo que quero muito mudar, para que nossa relação possa progredir cada dia mais.
— Você se lembra daquele dia? – Me perguntou.
— Qual dia? – Pergunto, sem saber do que se tratava o assunto.
— O dia que perguntei se era verdadeiro ou falso, o seu amor por mim. – Disse recordando o momento.
Ele queria que eu confirmasse mais uma vez, eu não sei bem o porquê. ''Será que ele duvida disso?'' Sinto-me meio encabulada de repetir, mas não demonstro, respondo firmemente de cabeça erguida.
— Lembro. – Digo, fazendo questão de me fixar em seus olhos, que também estavam fixados aos meus.
— É realmente verdade o que me disse? – Questionou-me.
— Você sabe que sim. – Começo a olhar o chão, após responder. Mordi meus lábios e me contive para não roer as unhas, que quase já não tinha. Sempre odiei o sentimento de sentir-me vulnerável, mas quando se tratava de Peeta Mellark, isso parecia ser algo inevitável, chegava a ser cômico e trágico ao mesmo tempo, mas eu não conseguia impedir de sentir-me envergonhada. Naquele momento, temia quer ele ouvisse as batidas do meu coração, tão acelerado, que estavam audíveis. Dessa vez não havia câmeras, audiência ou multidões para vigiar cada passo que fazíamos, não tinha mais que provar nada para ninguém.
Pergunto a mim mesma: será que é por isso que quase não nos tocamos ultimamente? Talvez Peeta queira mais do que uma confirmação saindo de mim. É provável que queira que eu demonstre com outras ações. Será que ele não percebe que apenas sua mera presença é o que me faz sentir segura? Minhas noites sem estar ao seu lado são obscuras, torturantes e mais amargas que as bebidas que Haymitch costumava usufruir diariamente.
Observo atentamente a expressão de seu rosto e tento decifrar o que passava em sua mente naquele momento. Ele parecia um tanto satisfeito ao ouvir as palavras que saíram da minha boca, confirmando mais uma vez o que sinto, sem fingimento algum, apenas a mais pura verdade. Porém, ele não se movia do lugar, por quê? ''Ele deve estar com medo.'' Pensei. Talvez seja exatamente isso.
— Bem Katniss, acho que vou sair para providenciar alguns ingredientes e fazer um almoço farto e de primeira mão. – Disse, desviando totalmente do assunto que havíamos tido há poucos momentos.
— Vindo de suas mãos tão artísticas e cuidadosas, eu tenho certeza que o sabor será divinamente saboroso e que irei me deliciar a cada garfada! – Sorri para ele, um sorriso que há tempos não se esboçava em mim.
— Acho que vivi para ver a senhorita Everdeen me elogiar assim, de bom grado. –Respondeu, e dei um leve sorriso que saiu de forma inevitavelmente espontânea e involuntária, fazendo Peeta se contagiar e começar a rir baixo também. Depois que nossos risos foram parando aos poucos, ficamos nos encarando por algum tempo, parecia minutos que estávamos ali, apenas esperando algo.
Alguma coisa que nós não sabíamos exatamente o que era.
— Não tem graça. – Tentei parecer séria, mas havia falhado miseravelmente. Peeta sorriu de canto... Quanto a mim, sempre tento permanecer na defensiva em todas as situações, mas não consegui evitar de corresponder ao sorriso inocente dele, mesmo que bem discretamente, acho que foi capaz de perceber.
Alguns minutos se passaram e Peeta finalmente fala algo.
— Nem você mesma acredita no que acabou de dizer. – Disse ele. ''E ele estava certo quanto a isso''.
Apenas dei uma cutucada com o cotovelo em seu braço. Já não tinha mais nada a declarar.
— Sério, agora vou lá, prometo que não vou demorar. – Disse Peeta.
Quando percebo que ele está praticamente alcançando a maçaneta da porta pronto pra sair, nesse momento é que sinto meu corpo mover-se sozinho. Agarro seu braço numa tentativa de impedi-lo de ir, ele volta seus olhos para mim e noto sua expressão de alguém abismado com minha atitude.
Admito que até eu me vi estupefata com tal ação involuntária de minha parte, agora eu teria que dar alguma explicação para ele sobre isso.
— Algum problema, Katniss? – Peeta perguntou aflito e eu neguei com a cabeça. Lógico que era uma mentira, eu queria mais. Mais um tempo com ele, mas só de pensar em pronunciar isso, fazia-me sentir atordoada, como se ele tivesse poderes para me decifrar. Ele fecha a porta e fica em pé esperando algo de mim, talvez ele tenha visto em meu olhar, a minha denúncia.
— Peeta... – Comecei a tentar formular alguma frase, mas sem sucesso. Ele prestou atenção e não era besta o suficiente de não notar que eu estava esforçando-me para pronunciar algo. Senti seu abraço me aquecer e afundei meu rosto em seu pescoço, sentindo e aproveitando de seu cheiro... doce... me deleitando cada segundo em seus braços.
Ele se separou lentamente de meu abraço, fixou seu olhar, tão paralisante... chegou seu rosto tão próximo do meu, porque não nos distanciamos nem um centímetro um do outro... Nossas respirações já estavam juntas e se misturando, quase virando uma só, foi quando eu tive o belo impulso e iniciativa de encostar minha boca na dele, e aí que ele teve novamente a covardia de corresponder. Envolvi meus braços em volta de seu pescoço, sentindo um fogo interior e a necessidade, o anseio de precisar de mais doses como essa, pouco me importava esses malditos ingredientes, eu não estava preocupada em pensar sobre almoços agora.
O beijo não parou, fazíamos segundos de pausa e seguidamente voltávamos a nos beijar de forma intensa, que parecia se aprofundar de forma voraz a cada milésimo de segundo que passava.
Peeta parecia não saber exatamente o que fazer com suas mãos e decidi ajudar ele nisso... eu mesma posicionei suas mãos em minha cintura, esse simples toque fez calafrios percorrerem por todo meu corpo e me contagiava com a nostalgia dos beijos passados que trocamos que já fizeram uma faísca surgir, uma faísca que começou a virar chama. Agora, neste exato momento, formou-se um incêndio.
Suas mãos passearam até minhas costas e ambos necessitávamos desse toque, era recíproco. Nossas respirações já estavam mais do que descontroladas, principalmente quando senti beijos molhados começarem a trilhar um caminho em meu pescoço, um ponto que descobri ser bem fraco e um suspiro bem forte saiu de minha boca, me senti pequena quanto a isso, mas não evitei de sorrir e fechar os olhos enquanto ele o fazia. Depositei minhas duas mãos em seu rosto, fazendo ele olhar pra mim, ofegante e ouvindo o fôlego pesado ecoando pela sala. Olhei para seus lábios úmidos e seus olhos que estavam de uma forma que nunca havia visto antes... invadi sua boca novamente tendo a ousadia de fazer suaves movimentos com a minha língua, enquanto puxava ele pela blusa para longe da porta, ele me encostou na parede de forma delicada e segurou meus pulsos a cima da minha cabeça, depois que nos separamos do beijo, ele terminou com um leve selinho em meus lábios e uma pequena mordida de leve, provocativamente.
— Katniss... eu.. – Peeta parecia ter desistido de prosseguir, apenas encostou sua testa levemente úmida na minha e ficamos ali tentando reaprender a como encontrar ar naquela situação.
Quando acredito que Peeta fosse continuar com o que estava dizendo, nós dois ouvimos um barulho na porta e trocamos olhares de frustração por termos que interromper esse momento raro que acabávamos de passar. Já tive beijos que me fizeram estremecer até a alma, mas esse... esse foi único e o mais especial para mim até agora. ''Será Haymitch? Effie? Alguma outra pessoa?'' Minha mente estava nublada e ainda me sentia eufórica com o que estava fazendo há pouco. Gosto de visitas, mas essa era a vez que eu gostaria que ninguém aparecesse. Gostaria por um segundo, que só existisse Peeta e eu naquele momento, tentei parar de bufar e voltar ao meu estado normal de sempre.


Aliso meus cabelos arrumando-os e limpo a voz com uma tosse seca, como quem não estivesse fazendo nada demais. Acelero meus passos e dirijo-me até a porta, abrindo-a rapidamente.


— Greasy Sae? – Pergunto.

Always - EverlarkOnde histórias criam vida. Descubra agora