O Diário de Leo

3. Como eu e você viramos Eu e Você

3.

Acho que deveríamos falar sobre como passei a ter um diário. Queria que fosse uma história do tipo “sou criativo e preciso expressar minhas ideias”, mas não é nada disso.

A gente tem que voltar no tempo, tipo, há uns meses atrás, mais ou menos quando tempo quer ser inverno e esse país insiste em ser uma completa piada nesse quesito. Dá para acreditar que eu nunca vi neve? Acho que sim, já que talvez eu esteja agindo como um completo mimado agora, mas em minha defesa, amo o frio. Foco, Leo. (seria uma boa falar sobre o clima depois).

 Nunca tive notas altas, mas mantinha a média, era organizado com meus horários e ainda sou. Tenho problemas de ansiedade, não esqueça isso é importante. Mantenho tudo mais organizado possível para que eu saiba que tenho o controle de todas as coisas que pretendo e preciso fazer. 

Era final do ano passado quando o irmão de Pedro faleceu aquilo pegou toda a cidade de surpresa, embora cuidemos muito bem da nossa vida, Curvel é uma cidade pequena, consequentemente todos sabem o que acontecem com a sua. 

Algumas semanas daquele burburinho de perguntas e suposições de como estaria Pedro e seus pais, tudo se acalmou. Mas meu amigo parou de frequentar um tempo a escola, e aquilo mexeu de verdade comigo. Eu não sabia como ajudar, já falei que sou péssimo com palavras, todas as vezes que pensava em mandar alguma mensagem, não fazia ideia do que escrever. 

O peso de não ser um bom amigo/pessoa sempre me corroeu, não me entenda mal, não sou aqueles caras babacas que falam idiotices e pensam que arrasaram. Apenas sou o cara que fica em silêncio quando deviria falar e fala quando deveria ficar em silêncio. É, acho que isso faz de mim, um babaca. 

Acredite em mim, faço tudo que posso para ser um bom filho e um bom amigo, mas algumas vezes eu sou desligado.  Me afasto para deixar alguém capacitado cuidar do problema, (o que fiz quando mandei mensagem para Linda).

Linda sempre entendeu esse meu lado, ela sempre dizia:

— Você está lá, Leo. É o que importa. 

Eu acreditei nisso sempre que vinha dela, mas quando se tratava de pessoas como meu pai, minha mãe ou parentes mais próximos, era péssimo. Surgiam comentários como: 

— Leonard, era o enterro de seu bisavô. Custava ter falado algo circunstancial além de “não tínhamos proximidade”.

Embora eu tenha sido sincero aos doze anos quando falei isso, não mudei muito e era mais ou menos assim que meus comentários saíam. Com o tempo aprendi que existe um determinado dom nas pessoas. Esse dom permite que as pessoas digam as coisas que outras precisam ouvir, mas infelizmente eu não nasci com ele e muito provavelmente nunca o terei.

Naqueles dias não apenas o fato não estar agindo como um amigo presente estava me corroendo. Meu pai havia tentado mais uma editora que o havia rejeitado (de novo); não sei se você sabe, mas alunos do ensino médio podem ser muito (muito mesmo) cruéis. 

Eu ouvia todos os dias comentários maldosos sobre meu pai ser um fracassado, sobre minha mãe ser o homem da casa porquê meu pai não tinha culhões. Colaram uma mensagem na cadeira que sentava nas aulas dizendo que eu tinha duas mães, e que uma era a chefe e a outra era subalterna.

 Sempre deixavam bilhetes ofensivos como esses na nossa caixa de correio. Um domingo quando meu pai foi pegar o jornal na banca para que minha mãe pudesse ler enquanto tomava café, ele viu um envelope com selo de uma editora para qual tinha escrito, acontece que alguém forjou o bilhete e deixou lá. Quando meu pai abriu tinha um: “Fracassado”. Estava em letras recortadas de jornal, nunca fizemos nada. 

Minha mãe decidiu que eu ou ela iria buscar o jornal, não deixaríamos meu pai passar por isso. Perdi as contas das coisas ofensivas que deixavam para a gente na nossa caixa de correio. As pessoas não estão preparadas para certos conceitos familiares, meus pais nunca fizeram mal a ninguém, apenas decidiram que quem teria emprego fixo seria minha mãe e meu pai correria atrás do seu sonho.