Depois da morte

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O que pensa que pode ser o inferno? Você tem medo dessa sua projeção ou acha que tudo não passa de pura alegoria ou imaginação?
Eu já estive lá... ou pelo menos eu acho que era esse tal lugar.
De início posso lhe explanar que se trata de um lugar sujo e asqueroso, é extremamente sufocante, pois além de pequeno ronda alí um cheiro putre de sangue e esgoto.
Não vi fogo nem o tal diabo, mas nessa ocasião tive a leve impressão de que talvez eu fosse o próprio.

Não, eu não tinha chifres e um rabo em forma de lança ou um tridente em minhas mãos... mas eu tinha dois largos e poderosos dentes roedores que brotavam da parte superior da minha boca, juntos e de fronte, que se projetavam para fora de tão grandes, machucando meu lábio inferior.

Eu possuía orelhas cujo as pontas se alongavam até um pouco mais que o topo da minha cabeça, mas estavam sempre caídas sobre as laterais do meu rosto...um rosto que era diabolicamente horrível, meus maxilares saltados e minha cabeça um pouco maior que o normal...meu nariz... já não existia, formavam apenas dois vincos estreitos que fungavam sem parar.

Seria surpresa maior dizer que eu morri? "Morri" mas acordei num lugar que parecia muito com nosso mundo e simplesmente me deparei com este ser bizarro no qual havia me tornado, não foi fácil de lidar, eu sempre muito vaidosa não queria aceitar minha morte e muito menos aquela nova aparência.

Me levantei do chão frio de uma rua completamente deserta, que me parecia até familiar de certa forma....
Eu estava praticamente surda com um um zumbido agudo nos meus ouvidos, senti meu corpo pesado e cambaleiei de um lado para o outro até achar equilíbrio em uma parede onde me escorei, bem no final daquela rua escura.

Era noite e eu estava assustada e estranhamente com muito frio mas muita sede, tanta que me debrucei desesperadamente sobre uma poça de água na beira da calçada, eu a bebi ferozmente até que senti um tremendo fisgar na minha mão direita, eu havia a mordido tão forte que agora sangrava, então toquei minha boca e senti aquelas coisas...

Fui recobrando os sentidos até perceber que a poça de água no chão refletia minha imagem.
Eu dei um grito que ecoou por todo o quarteirão ao que pareceu, mas nehuma resposta, ninguém das casas ao redor apareceu, ainda bem...
Ninguém podia me ver assim nessa condição, eu era um monstro, uma criatura bizarra e paranormal, poderiam querer me matar a pauladas, pedradas ou então me queimarem viva, pelo menos era o que eu faria.
Tatiei meu rosto angustiada sem entender ... Talvez eu precisasse de ajuda, ou então, fugir para longe e me esconder.

Sem saber o que fazer ao certo saí andando confusa a passos largos cobrindo minha cabeça com um capuz da minha blusa e tapando metade do meu rosto com a gola.
Andando durante ao que pareceram horas no puro silêncio e vazio daquelas ruas, iluminadas por um poste de luz ou outro, só podia ouvir meus próprios passos e minha respiração ofegante, rápida demais. Agora minha cabeça doía.

Passando por outra rua comecei a observar alguns ratos saindo de alguns bueiros, correndo pela lateral da guia da calçada e novamente se enfiando ligeiramente no primeiro buraco que encontravam, deixando por alguns segundos suas cabecinhas para fora para me encararem de volta. E enquanto eu caminhava eles pareciam rir de mim. Ignorei a sensação.

Seguindo, me deparo surpresa com um bueiro diferente de todos ali... estava iluminado por dentro, emitia uma luz fraca e amarelada mas que se destacava em meio ao breu...Parei e examinei a distância com atenção por um instante, minhas orelhas aguçaram e pude distinguir em meio aos risinhos dos ratos, cochichos de vozes que pareciam humanas.

Curiosa, resolvi me aproximar cuidadosamente em direção áquele buraco no chão e olhando em seu interior, os vi... eram uns doze no máximo, aglomerados e eram ... iguais a mim?! Conversavam entre sí, o lugar era um esgoto, mas estava "limpo" e totalmente seco...
Eu não sabia o que fazer, eu estava atônita e ainda muito assustada, mas precisava de ajuda, ajuda com a minha mão ferida, as orelhas, com a fome repentina, o frio, a solidão, tudo...

Eu continuei espiando aqueles seres e escutei dizerem algo sobre festa surpresa, boas vindas... e Leila?! Era a poha do meu nome... havia outra Leila?
" Leila, deve estar a caminho, vai se encher de alegria esta noite com tudo o que preparamos" - um menino com rosto de marmota, disse animado.
Eu dei um passo para trás pensando em voltar pela mesma rua e fugir mas tropecei em algo, e então veio um grunhido alto que ecoou esgoto a dentro... eu pisara em um rato.

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