O final do expediente é sempre a melhor hora do dia, me sinto aliviada por finalmente estar indo embora, depois de tanto tempo de trabalho cansativo e estressante.
Enquanto eu tiro o meu avental branco, Beatrice termina de guardar os copos. A única coisa que passa pela minha mente é o banho quente que tomarei assim que eu chegar em casa. Espio o relógio no pulso da minha amiga pra ver quanto tempo falta para o ônibus passar no ponto. 15 minutos.
Meu pai não me busca no trabalho, ele diz que o faz perder tempo porquê tudo o que ele quer é chegar em casa, o mais rápido possível, para descansar. Por isso, não compensa ele me esperar sair do trabalho. Inúmeras vezes eu já pedi pra ele me buscar pelo simples motivo de eu sair do trabalho às três da manhã e o bairro aqui é perigoso depois das onze horas, mas ele não se importa. Que novidade, não é? Ele não se importa com nada além dele mesmo e suas bebidas.
— Vamos? — Beatrice me desperta quando me chama pronta para ir embora. Sorrindo, eu anuo a cabeça. Pego minha bolsa no armário, apago as luzes e a sigo para fora da lanchonete. Hoje é a minha vez de trancar o estabelecimento. Assim que colocamos os pés na calçada um vento forte, e frio, assola nossos corpos fazendo nossos cabelos voarem. Eu aperto meus olhos encolhendo meu corpo para tentar me proteger da frieza que ressoa em minha pele. — Que merda! — Bea exclama e abaixa o grande portão de ferro com suas duas mãos, ela o pressiona pra baixo para que eu possa trancar com o cadeado. Eu me agacho colocando meus dois joelhos no chão, com força eu pressiono o fecho do cadeado. Ele é tão maciço que quando eu o aperto machuco as pontas dos meus dedos finos.
— Ai! — Um pequeno urro de dor sai dos meus lábios quando eu sinto a ardência em meu dedo, sai um pouco de sangue. Coloco o dedo sangrando na minha boca e rapidamente chupo o liquido espesso que possui um extremo gosto de ferro.
— Está tudo bem aí? — Ela estica a mão para me ajudar à levantar, eu aperto sua delicada e fria mão e em um impulso já estou de pé.
— Tudo! — Eu sorrio tranquilizando-a e chacoalhando minha mão para a dor passar. — Foi só um cortezinho bobo. — Ela bufa.
— O John é tão folgado, nós somos as escravas dele por acaso? — Eu guardo a chave da lanchonete em minha bolsa e começo à caminhar em direção ao ponto de ônibus. — Nós ficamos o dia inteiro aqui e ele não pode vir nem pra trancar a porcaria da lanchonete dele? — Beatrice me segue, eu nada digo apenas dou de ombros. Ela tem razão, praticamente moramos aqui e são raras as vezes que ele passa pra ver como estão as coisas. E o pior é que nem se quer ganhamos o suficiente pra isso. Duzentos e cinquenta dólares por semana não pagam as minhas mínimas horas de sono que eu tenho por trabalhar aqui.
— Você sabe como ele é....
— Sei... Um babaca de quinta! — Ela acende um cigarro. — Tem certeza que não quer carona? — Ela solta a fumaça no ar. — Você sabe que eu e o Ben não nos importamos em te levar pra casa. Não acho legal você pegar ônibus sozinha à essa hora. — Com os lábios fechados, eu sorrio agradecida.
— Obrigada, B, mas não precisa se preocupar. Eu chego na minha casa em vinte minutos. — É claro que eu adoraria pegar carona com Beatrice e seu namorado do mês. Mas é totalmente fora de mão, só iria tirar eles da sua habitual rota e consequentemente fazer Beatrice chegar mais tarde em casa, tendo menos horas de sono do que ela já tem. Ao fundo uma buzina soa alta, é o Ben chamando minha amiga.
— JÁ VOU, INFERNO! — Ela grita virando sua cabeça em direção ao carro vermelho. Ele buzina de novo e de novo, ela rola os olhos. Eu acho engraçado essa cena, é inevitável um pequeno riso sair da minha boca. Ela tem tanta sorte de ter alguém que a busque no serviço, tem sorte de dormir abraçada com alguém que gosta dela... — Te vejo amanhã?
Dou de ombros: — Para o seu azar. — Ela me abraça apertado.
— Te amo, aneliezinha. — Ela beija minha bochecha e sai correndo em direção ao carro de Ben, nesse mesmo momento o ônibus para no ponto.
Assim que a porta do ônibus se abre eu subo rápido os pequenos três degraus. Comprimento o motorista, senhor Fuller, que já está familiarizado com a minha pessoa. Há três anos ele é o responsável por esse ônibus e essa rota da madrugada.
— Boa madrugada, senhorita Anelie.
— Boa madrugada, senhor Fuller. — Eu dou a ele dois dólares e cinquenta. — Como estão as crianças? — Pergunto sobre sua filha e seu filho de cinco e sete anos, Loraine e Luke, duas crianças lindas que ele já me mostrou fotos.
— Cada vez mais arteiros — ele guarda o dinheiro na caixinha preta, ao lado do câmbio. — mas com muita saúde, graças a Deus. — Ele sorri feliz e eu retribuo o sorriso. O senhor Fuller libera a catraca para eu passar e sigo caminho em direção as cadeiras do fundo. Mesmo evitando contato visual com os dois caras que me olham como se eu fosse um pedaço de carne eu me estremeço, segurando forte a bolsa em meu ombro, ao passar por eles. Sento na cadeira que fica ao lado da janela, não olho para nenhum deles apenas coloco meu fone de ouvido e aperto play em uma música da Alicia Keys. Meus olhos acompanham as paisagens escuras da cidade lá fora. Eu estou tão cansada que quase adormeço, mas sou impedida de cair no sono quando um zumbido, externo ao som que sai do meu fone de ouvido, me incomoda ao ponto de me fazer ver o que está acontecendo. Quando percebo os dois caras estão sentados nas cadeiras perto da minha. Isso me deixa totalmente assustada, não estava esperando por isso. Um deles, que possui cabelo grande até o queixo e barba escura, tira o fone do meu ouvido e meu coração pulsa entrando em alerta. O que está acontecendo aqui? Que merda é essa? Eu estou atônita olhando pra ele, quase paralisada.
— Responde a gente, princesa. — Minha respiração está começando a sair do compasso. Eu olho para todos os cantos e não há uma saída eficaz. Procuro os olhos do senhor Fuller, mas eles estão impregnados na rua escura. Meu Deus! Meu Deus! Por favor não deixe que nada aconteça comigo. Eu sou uma boa moça, uma boa filha, uma boa amiga.... Eu nunca nem roubei os doces das senhorinhas da igreja, mesmo quando Beatrice me implorava para roubar pra ela porquê o saquinho dela já tinha enchido.
O outro cara, esse é careca com barba loira e uma cicatriz enorme no supercílio, toca minha coxa desnuda com um sorriso malicioso e nojento nos lábios. Eu sinto repulsa e aflição. Eu não posso morrer assim, desse jeito tão feio e horrível. Meu Deus, por favor!
— A gente não morde. — O careca diz, não tenho nem coragem de olhar pro lado. — Só se você pedir. — Ele aperta minha coxa e eu sinto nojo. Nojo e desespero. Com pressa eu tiro sua mão imunda da minha perna e abaixo minha saia de trabalho. Merda! O que esses doentes têm na cabeça?
Eles me olham com um sorriso doentio nos lábios enquanto esperam eu dizer algo, mas eu nada falo. Pressiono minha bolsa contra o meu corpo e faço menção de levantar, mas o cabeludo bloqueia minha passagem. Eu estou desesperada. O que eu faço em uma situação dessas? Como saio daqui? Eu quero sair daqui, quero ir pra um lugar seguro.
— Onde a gatinha pensa que vai? — Eu não acredito que isso está acontecendo. Não acredito. Não acredito.
O medo que toma conta do meu corpo é tão grande que consigo sentir meus dedinhos do pé tremerem.
— O... Meu... Meu... Ponto... Já... É.... O.... Próximo... — Minto, ainda faltam dois quarteirões para eu chegar em casa, mas eu prefiro ir andando do que ficar mais dez minutos nesse pesadelo. Eu estou experienciando um pesadelo.
Eles se entreolham e sorriem mais ainda.
— Então nós vamos descer com você, é muito perigoso uma moça gostosa e linda andar pela rua sozinha a essa hora da madrugada.
— Não precisa, obrigada. — Falo rápido para tentar passar pelo cabeludo que bloqueia minha passagem, mas o careca segura o meu braço. Eu tenho que dar uma bolsada na cara dele e é isso o que eu faço, por sorte ela é pesada o suficiente pra gerar um impacto. O amigo dele me olha um tanto desacreditado e avança em cima de mim, eu dou uma joelhada no meio das suas pernas, infelizmente é tempo o suficiente para o outro se recuperar da bolsada. Ele se levanta para tentar me pegar, eu começo a gritar para o senhor Fuller. Ele me olha pelo retrovisor e freia o ônibus, o impulso da freada brusca faz com que meu corpo caia pra frente totalmente desequilibrado. Eu levanto de pressa, gritando pra ele deixar eu sair pela porta da frente. A adrenalina toma conta do meu corpo e eu saio correndo em direção a porta pela qual eu entrei, o senhor Fuller tem seu semblante pasmo e assustado. Ele libera a catraca, eu passo por ela com muita rapidez e tropeço nos três degraus, caio batendo meus joelhos no asfalto, eles latejam de dor. Olho pra trás para enxergar o ônibus e vejo os dois psicopatas batendo no vidro e gritando. Eu me levanto do chão e começo a correr mais, não posso perder tempo. E se eles saírem do ônibus e me alcançarem? Eu corro e corro mais porquê minha vida depende disso. As lágrimas rolam soltas em meu rosto, o vento frio bate em minha face e sinto as lagrimas me gelando cada vez mais e mais.
Como isso aconteceu comigo? Como pôde acontecer comigo? Se eu não tivesse conseguido sair a tempo...? Que coisa horrível teria acontecido comigo? Meu Deus! Meu Deus! Por que existem homens tão doentes? Por quê? Por quê?!
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TONS FRIOS
RomanceAnelie e Anabelle possuem a mesma cor de cabelos e olhos, o mesmo tom de pele, a mesma idade e data de aniversário. São gêmeas idênticas, totalmente diferentes. Enquanto uma se mantêm nadando em dinheiro e esbanjando luxo, a outra trabalha arduament...