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As estrelas nunca estiveram tão brilhantes como as que eu observava no céu naquela noite. Era o nosso passatempo predileto e tinha se tornado a minha melhor fuga.

A semana não tinha sido fácil e o dia de maior sofrimento do ano se aproximava.

Como ele fazia falta.

Rocco se fez presente e logo se sentou ao meu lado. Ele me conhecia da cabeça aos pés. Compreendia a minha dor e sabia exatamente como aquilo latejava em dias ruins. Rocco era tudo. Era a única família que eu tinha.

Mas nem sempre foi assim...

Não cheguei a conhecer minha mãe, que morreu logo quando nasci. A vida não me deu esse privilégio. Mas sempre a tive por perto nas memórias que meu pai sempre contava com um sorriso nos lábios. Entretanto, era sempre muito difícil vê-lo chorar quando a saudade apertava. Eu sabia que ela tinha sido o amor da vida dele e a medida que os anos foram se passando, meu pai já não parecia tão feliz assim. Rocco, era seu melhor amigo que sempre estava por perto e sempre nos chamava para irmos assistir a uma partida de futebol. O que alterava instantaneamente o humor do meu pai. Assistir Roma jogar era a coisa que ele mais gostava... seu time de coração.

Desde muito cedo fui ensinada que em Roma existem apenas dois times: o Lazio e a Roma. A rivalidade entre os times e seus torcedores sempre foi enorme, sendo capaz de dividir famílias e bairros felizes, transformando-o em zonas de guerra civil. Na Itália e principalmente em Roma sempre é importante escolher cedo na vida se você torce pelo Lazio ou para a Roma, por que isso, em grande parte, irá determinar com quem você passa a tarde de domingo pelo resto da vida.

Meu pai sempre foi apaixonado por futebol, o que não deixava Rocco para trás.

- A gente pode mudar de mulher. - disse meu pai procurando nosso lugar na arquibancada. - Pode mudar de emprego, de nacionalidade e até de religião, mas a gente nunca pode mudar de time.

Revirei os olhos vendo Rocco concordar com as palavras ditas do melhor amigo. Ajeitamos-nos na arquibancada. Mas não demorou muito para meu pai, Rocco e mais alguns torcedores da Roma que estavam ali parecerem estar tomado por uma febre alta. Coisa de italianos. Em especial, de Romanistas. ‎

O jogo acontecia e a torcida a minha volta gritava rude e apaixonada.

- Dai, dai ,dai Totti, dai... va bene, va bene, ragazzo mio, perfetto, bravo, bravo... Dai! Dai!

Sempre que acontecia no campo alguma grave omissão de justiça, o estádio inteiro se punha de pé, como todos aqueles homens acenando, ultrajados e berrando palavrões, como se todos os 25 mil presentes houvessem acabado de participar de uma confusão no trânsito. Os jogadores do Lazio não eram menos dramáticos do que seus torcedores, rolando no chão de dor como em uma cena de morte de Julio Cezar, exagerando em cada movimento, e em seguida pondo-se de pé dois segundos depois para encabeçar mais um ataque ao gol. O que tornou a situação da Roma pior, que acabou perdendo.

- Bomba de creme? - Rocco perguntou ao meu pai assim que saímos do Olímpico de Roma.

Meu pai consentiu com a cabeça e fomos para a padaria. Uma logo na esquina. Pequenina, discreta, escondida em um subsolo romano. No domingo à noite, o lugar estava lotado, o que já era tradição após as partidas de futebol. Os torcedores do Roma sempre paravam ali antes de voltar do estádio para casa, e passam horas em pé na rua, encostados em suas motos, conversando sobre o jogo, parecendo mais machos do que nunca enquanto se deliciava comendo as bombas de creme.

Eu amava aquele lugar...

...

Os anos se passaram, mas sempre íamos aos jogos juntos e infelizmente às vezes acabávamos comendo as bombas de creme. Mas as coisas mudaram do dia para noite quando me deparei com Rocco desolado na sala assim que voltava da faculdade. Nunca tinha o visto daquele jeito.

El Chantaje | Sergio RamosOnde histórias criam vida. Descubra agora