Capítulo 2

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Conheci Tony na adolescência, quando minha família se mudou para São Paulo. Meu pai havia sido admitido como professor efetivo de literatura na USP. Na época minha mãe abriu mão do seu trabalho em Campinas para poder seguir meu pai em direção ao seu sonho.

Inicialmente eu e meus dois irmãos odiamos a ideia de largar a nossa vida já tão estabelecida em nossa cidade para irmos para a capital do estado, algo que mudou com o passar do tempo, já que nos apaixonamos por São Paulo.

Foi como professor da universidade que meu pai conheceu Antônio, seu colega de departamento na USP, e o pai de Tony, aquele que viria a ser meu futuro marido e pai das minhas filhas. Os dois ficaram tão amigos que logo começaram a fazer churrascos entre as duas famílias.

Não posso dizer que logo de cara me apaixonei pelo garoto alto, magro, desengonçado e bonito que era Tony, mas ficamos amigos com muita facilidade. Aos 13 anos ter um grande amigo do sexo oposto e que é apenas isso, um amigo, é algo maravilhoso. Conosco foi assim. Ambos filhos de professores de literatura tínhamos muito o que conversar, tanto sobre as incríveis obras literárias que acabamos lendo durante a vida, por conta da influência dos nossos pais; como as irritações que os dois nos causavam por só falarem de literatura e assuntos relacionados.

Foi um ano inteiro de amizade sem nenhum interesse.

Tudo mudou no ano seguinte.

Minhas amigas do colégio eram malucas por Tony. Falavam o tempo todo da nossa proximidade, de como ele era atencioso comigo, como me enchia de carinho. Diziam morrer de inveja. No início eu não me importava. Tony era meu melhor amigo, não conseguia pensar em ter nada com ele, além da nossa amizade.

Eu dizia isso o tempo inteiro. Chegou uma hora que uma das minhas amigas acreditou.

No aniversário de 15 anos dela, Suzana pediu que eu convidasse o Tony para a sua festa. Eu, inocente, fiz exatamente o que ela pediu. E lá fomos nós para o seu baile de debutantes.

No início foi tudo lindo. O lugar maravilhosamente decorado, eu e todas as outras meninas com nossos vestidos brilhantes, a música animada. Era uma festa de sonho para uma garota tão jovem e que era bastante protegida pela família. Eu me sentia no paraíso junto com tantas pessoas queridas.

Mas meu mundo desmoronou quando, depois de vários minutos sozinha, apenas com algumas amigas, resolvi procurar Tony.

Ao sair para o jardim da casa dei de cara com Suzana, a aniversariante, abraçada com meu melhor amigo. E tudo se tornou pior quando o vi beijá-la.

No início não entendi porque aquela cena me magoou tanto. Eu sabia que minha amiga achava Tony lindo. Só que ver os dois se abraçando e se beijando foi como uma pancada dentro de mim. Algo que não estava preparada para sentir.

- Você e a Suzana? – perguntei quando ele me levou de volta para casa.

Ele me olhou sem graça.

- Como você sabe?

- Eu vi vocês dois juntos.

Eu tentava de todas as maneiras não demonstrar os meus sentimentos, que eram estranhos e difíceis de entender até para mim mesma.

- Tem algum problema pra você, Laurinha?

- Pra mim? Claro que não.

Mentir parecia ser o único caminho. Não podia dizer a ele que estava achando tudo estranho. Que aquela situação estava me incomodando muito, mas que ao mesmo tempo não sabia explicar o porquê.

- Que bom. – ele pegou as minhas mãos entre as suas. – A nossa amizade é muito importante. Você é muito importante para mim.

- Você também é pra mim.

O sorriso que ele me deu iluminou tudo.

Fiquei dias sem entender como eu podia ter passado tanto tempo sem compreender que o que eu sentia por Tony era muito mais que uma simples amizade. Que o ano inteiro que compartilhamos juntos, sendo melhores amigos, havia sido incrível e inesquecível; mas as coisas jamais seriam as mesmas para mim. Eu estava apaixonada pelo meu melhor amigo e não havia como mudar isso.

***

Os dias viraram semanas que acabaram se tornando um mês.

Um mês inteiro acompanhando de perto o namoro entre Tony e Suzana. E nenhum dos dois tinha a menor pista de como me sentia observando de camarote a felicidade dos pombinhos.

Suzana parecia a garota mais apaixonada do universo. Era o dia inteiro falando de como Tony era incrível, como ele era atencioso, como tudo que ele fazia era mais bonito, especial e agradável apenas porque era feito por ele.

Enquanto ela passava o máximo de tempo possível recitando as qualidades dele, eu ouvia e sorria sem graça.

Tony, ao contrário, pouco comentava sobre seu namoro. Na verdade ele focava sua atenção em mim. O tempo que passávamos juntos – que depois do início do relacionamento com Suzana havia diminuído – ele queria saber como eu estava, quais as novidades na minha vida, como minha família andava. Ele nunca tomava a iniciativa de falar sobre sua vida romântica.

- E o namoro? – puxei o assunto durante um churrasco na minha casa.

A música estava alta e os nossos pais riam enquanto conversavam. Nossos irmãos corriam pelo quintal fazendo a bagunça que toda criança saudável faz. Eu e Tony ficávamos levemente afastados dos adultos, mas não tão longe que eles não pudessem nos observar.

- Está tudo certinho, Laurinha – foi a resposta dele.

- A Suzana está super apaixonada.

A resposta que tive foi apenas o silêncio.

- E você? – quis saber.

- O quê?

- Você também a ama?

- Amor é uma palavra muito forte.

Eu parei para observá-lo.

- Eu acho que a Suzana te ama.

- Vamos mudar de assunto? – ele falou já se levantando. – Vou pegar mais refrigerante pra gente.

Não tive tempo de dizer mais nada, pois Tony saiu em disparada. E eu me perguntava por que ele fugia das minhas perguntas. 

Um Golpe de SorteOnde histórias criam vida. Descubra agora