Capítulo 3

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Eu e João Carlos aproveitamos nosso breve lanche em silêncio, apenas nos observando e trocando pequenos sorrisos.

Não era desagradável comer com aquele desconhecido ao meu lado. De alguma forma eu me sentia muito tranquila com ele ali.

Era engraçado como a vida pregava peças. Jamais iria me imaginar ao lado de um rapaz bem mais jovem que eu, dentro de um avião em direção a Salvador, e me sentir mais a vontade do que com amigos de uma vida inteira.

Até o momento uma das piores coisas que andavam me acontecendo era a sensação de não me encaixar mais em nada. Parecia que, de alguma forma, eu havia me tornado uma estranha em meu próprio mundo. Por mais que meus amigos de anos ligassem, mandassem mensagens, fossem me visitar, muitas vezes parecia que estavam ali apenas por obrigação. E eu odiava sentir que não estavam verdadeiramente preocupados comigo.

E ali, ao meu lado, aquele estranho me olhava como se estivesse realmente interessado em me ver bem.

- É engraçado – comecei a falar. – Não consigo lembrar quando foi a última vez que consegui ter uma refeição em silêncio que não foi algo constrangedor.

- Constrangi você?

- Não. Exatamente o contrário. Isso que me surpreende.

João sorriu para mim e seus olhos acompanharam o sorriso.

- Também me sinto confortável com você.

- Isso deveria ser estranho, não?

- Por quê? – Ele perguntou parecendo realmente não entender minha pergunta.

- Olha pra você – eu apontei para ele. – Quantos anos você tem?

- Ah, a velha questão da idade...

Eu sempre me relacionei com pessoas da minha idade. Minhas amigas estão na mesma faixa etária que eu, e os poucos amigos homens que mantenho são mais velhos no máximo cinco anos. Não sou uma pessoa que tem amizade com jovens.

É claro que mantenho um certo contato com os amigos das minhas filhas, mas eles me consideram uma tia. Não somos amigos. Não conto sobre a minha vida e os meus problemas para eles.

Então é muito estranho conseguir manter tanto uma conversa quanto um silêncio agradável com alguém visivelmente mais novo. E o pior é a atração que me surpreende sentir por ele.

- Quer dizer que você é uma dessas mulheres com preconceito com homens mais novos? – Ele não perde tempo e vai direto ao centro dos meus pensamentos.

- Não sei se preconceito é a palavra correta.

- Qual seria a palavra correta, então?

A maneira como ele fala é calma. O assunto não parece incomodá-lo e ele demonstra querer entender meus argumentos.

- Não sei. – respondi. – Só sei que é raro para mim ter afinidade com alguém tão mais novo.

- Você não sabe se sou tão mais novo assim – rebateu, parecendo começar a se divertir com o novo tema da conversa.

- Você é.

- Sei que não se pergunta isso a uma mulher, mas quantos anos você tem?

Fiz que não com a minha cabeça.

- Eu perguntei primeiro. Que tal você me dizer qual a sua idade?

- Quantos anos eu pareço ter?

Faço que não com a cabeça, me forçando a não entrar no jogo dele.

– Sou péssima para adivinhar idade.

- 27 anos – ele fala sem titubear.

Eu o observo sem dizer nada. João Carlos tem mais ou menos a idade que eu pensava. Muito novo. Muito... Muito para a atual situação da minha vida.

De repente paro e fico chocada comigo mesma. Eu estou flertando com um garoto? Já é bizarro me pensar flertando com alguém depois de tudo que acabou de acontecer em minha vida, quanto mais com alguém tão jovem. Não é o momento para me envolver com nenhum homem, mais novo ou não. Acabei de me separar do meu marido. Eu devo ficar quieta, tentando entender o que aconteceu, não me interessando por jovens charmosos.

Qual o meu problema?

- Você pensa demais – João Carlos interrompe minha mente que trabalha a todo vapor.

Olho para ele sem entender.

- Consigo ver sua mente racionalizando tudo. Você é uma mulher muito transparente.

- Meu marido... – paro por alguns segundos e conserto. – Ex-marido. Ele costumava não me entender.

Começo a rir do nada.

- Não sei por que estou te contando isso. Desculpa.

Ele pega minhas mãos entre as suas. A forma como faz isso é tão carinhosa que paro de rir na mesma hora.

- Não precisa se desculpar. Você está me contando porque precisa falar, me achou confiável o suficiente, e não estou envolvido na história. – ele para por alguns segundos apenas me observando. – Não tem problema.

- Obrigada! – Começo a rir de novo, mas desta vez com mais tranquilidade. – Tanta sabedoria em uma pessoa tão jovem.

- É porque aquilo que falam sobre idade e maturidade é verdade, sabe?

- Que seria...

- Um não está relacionado ao outro. É a vida que faz você ter maturidade, não sua idade.

- Eu sei... é só que...

- Está tudo bem. Não precisa explicar.

Sorrio para ele, me sentindo agradecida por ele não me pressionar demais.

- Só pra constar – ele volta a falar. – Você não é velha. Você é maravilhosa.

- Como pode me achar maravilhosa? Você nem me conhece.

- Não preciso conhecer você profundamente para saber que é maravilhosa. Descobri isso ao ver você fazendo careta para o livro.

O piloto começa a falar com os passageiros. Estamos perto de aterrissar. Sorrio para João Carlos e arrumo meu cinto de segurança.

Foi providencial chegarmos a Salvador. A cada minuto aquela conversa se tornava mais íntima e eu ficava mais assustada com a confusão que sentia dentro de mim por conta disso.

Aquela Laura que conversava com estranhos não era eu. A Laura que desejava um garoto mais novo que mal conhecia também não era eu. Quem era esta mulher que parecia ter tomado conta do meu corpo durante o voo? Quanto mais pensava menos conseguia entender o que estava acontecendo. E havia sido uma viagem rápida. Me assustava pensar o que teria acontecido se o voo tivesse sido longo.

Um Golpe de SorteOnde histórias criam vida. Descubra agora