Capítulo 4

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Foi um período complicado pra mim, a época em que Tony e Suzana namoraram. Odiava cada momento que precisava vê-los juntos, como casal; odiava não ter coragem de dizer a ele como me sentia; odiava ser amiga da minha maior rival.

O tempo foi passando e, apesar da tristeza de vê-los juntos acabei me acostumando.

Nessa época me achava invisível. Sabia que não era a garota mais feia do mundo. Tinha espelho, não era cega. O problema é que ninguém parecia me notar. Enquanto minhas amigas eram alvo da atenção de diversos rapazes, eu não chamava tanta atenção. Quase todo mundo me achava fofa, a mascote do meu grupinho de amigas.

Não era legal, engraçado, ou nada positivo. Pra mim era realmente humilhante.

Até que um dia isso começou a mudar.

Ele se chamava Ricardo e era apenas um ano mais velho do que eu e estava uma turma acima. Estudávamos no mesmo colégio de freiras, completamente rigoroso, e ainda assim os alunos faziam de tudo para burlar as regras. E muitas vezes conseguiam.

Todo final de aula eu ia embora para casa com duas colegas de classe que moravam no mesmo quarteirão que eu. Seria mais um dia comum se Ricardo não tivesse parado perto de mim e perguntado se podia caminhar comigo.

Até aquele momento nós nunca havíamos trocado uma palavra. Eu era uma garota invisível. Ele um dos garotos mais populares da escola, cheio de amigos e líder de uma banda.

Não entendia o motivo dele, do nada, estar falando comigo, muito menos querendo me acompanhar até em casa.

- Você quer me levar em casa? – perguntei cética.

- Sim – ele disse sorrindo da minha expressão. – Eu posso?

Concordei com a cabeça e fomos caminhando. Minhas duas amigas andavam na frente cochichando a nosso respeito, já que elas não paravam de dar risadinhas bobas e viravam o tempo todo para nos observar.

- Isso é muito estranho – eu quebrei o silêncio.

- O quê?

- Nós nunca nos falamos. De repente você quer me levar em casa.

Ricardo balançou a cabeça.

- Faz sentido você estranhar.

- É.

Caminhamos em silêncio por alguns minutos. Eu queria saber o que ele estava pensando. Desejava entender o que tudo aquilo significava, mas não tinha coragem de começar uma conversa.

- Eu observava você, sabia? – ele quebrou o silêncio.

Olhei para ele assustada. Como assim ele me observava? Nunca notei aquele garoto virando o olhar em minha direção, como ele poderia ter passado algum tempo prestando atenção em mim?

- Sempre tão discreta – ele continuou. – Tão bonita e fora de alcance.

Ele me achava bonita? Quer dizer que eu não tinha passado todo o meu tempo sendo invisível?

- Não consigo acreditar que você me notava.

- Tanto que sei que o namorado da Suzana é seu amigo.

Enrijeci ao ouvir o nome de Tony. Tive medo que minha paixão fosse descoberta. Coisa de menina que acha que todas as pessoas do mundo irão saber do que se passa em sua mente.

Depois de alguns segundos percebi que Ricardo tocara no nome do meu amigo apenas por acaso. Ele não estava preocupado com Tony. Não o via como rival.

- Se me observava há tanto tempo por que nunca falou comigo?

- Porque é preciso ter muita coragem para chegar até você.

Eu não entendia. Para mim aquilo não fazia o menor sentido. Eu era tão assustadora que era preciso tomar coragem para trocar algumas palavras comigo?

- Sou algum monstro?

- Não. – ele riu. – Você só parece ser boa demais. Além de não prestar atenção em alguém que esteja fora do seu grupinho.

- Não é verdade!

- Então por que não fala com as outras pessoas da escola?

- Porque elas não falam comigo – respondi prontamente.

- Está vendo?

Eu não falava muito com os outros alunos porque eles sempre pareceram satisfeitos em não falar comigo. Será que eu que não dava lugar para que eles se aproximassem de mim?

- Não me acho melhor que as outras pessoas.

- Eu sei. Demorei pra entender, mas agora sei que você é apenas tímida com quem não conhece.

Sorri para ele.

Aquele rapaz que fazia o maior sucesso com as garotas e que podia ter quem quisesse no colégio estava querendo ser meu amigo, ou até algo mais. Era legal não ser invisível, principalmente quando se descobre que a pessoa que está olhando para você é interessante também.

Passamos pela frente das casas das minhas colegas, me despedi de cada uma e seguimos até a minha casa. Paramos em frente ao portão.

- Foi muito bom conversar com você – Ricardo disse. – E confirmar que você é uma garota legal.

- Também gostei da conversa e da caminhada.

Ele me deu um beijo no rosto e foi se afastando da minha casa.

- Espero que a gente possa fazer isso mais vezes – ele foi dizendo enquanto ficava mais e mais distante de mim.

- Quando quiser – respondi.

Dei tchau e entrei.

Talvez eu pudesse fazer novos amigos e talvez passar menos tempo pensando em Tony e em seu namoro com Suzana.

***

- Quer dizer que o galã da sua escola te trouxe em casa, foi? – Tony perguntou no final de semana.

Estávamos sentados no quintal da casa dele. Nossos pais reunidos para mais um churrasco em família. Suzana não tinha ido, o que dava a nós dois privacidade para conversar.

- Quem te contou? – perguntei.

- Quem você acha?

- A Suzana, claro. Não sei por que ela tinha que falar.

- Ela sabe que somos amigos e que eu me interesso em saber sobre você.

- Claro...

No fundo eu achava que a Suzana tinha falado pra ele porque era fofoqueira mesmo. O problema é que desde que os dois haviam ficado juntos eu estava arrumando defeitos pra ela que nem sabia se eram realmente reais.

O ciúme estava me tornando uma pessoa meio mesquinha por dentro.

- Não entendo por que ultimamente você anda tão abusada com a Su.

- Não estou abusada com ela.

Ele tomou um gole do seu refrigerante antes de continuar.

- Você pensa que eu não observo? Vocês costumavam passar quase o tempo todo juntas, mas agora sempre que ela te chama pra sair, você arruma uma desculpa. Até de mim você anda mais distante, Laurinha.

- Só não quero atrapalhar o casal.

Ele olhou pra mim por alguns segundos. Parecia querer dizer mais alguma coisa, mas no fim apenas respirou fundo e deixou pra lá.

- Então, você está namorando o Ricardo?

- De onde você tirou isso?

Quando é que uma caminhada havia se tornado um namoro?

- Vocês mal se falavam, agora ele te traz em casa, o que eu vou achar?

- Quer saber, Tony? – eu disse já meio irritada com aquela conversa. – Você não tem que achar nada. Por que você não cuida da sua namorada, que é melhor?

Levantei com a desculpa de pegar mais carne e me afastei dele, que me olhava como se jamais tivesse me visto.

Um Golpe de SorteOnde histórias criam vida. Descubra agora