Quarto Canto: Salmo dos Quatro Cantos da Terra

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Dahat, abrindo os olhos ao final do terceiro salmo, virou apenas a cabeça no leito e viu seu amigo sentado em silêncio, olhando para a janela aberta. O quarto já estava escuro, pois a noite começava. Então uma música começou. Vinha de perto, provavelmente de alguma pobre taverna daquela suja rua ou de pessoas na rua mesmo. A música era mais rápida e divertida, feita para dançar e rir. Era sempre assim: a cada começo de noite, após o terceiro canto, o povo cantava suas músicas, com letras nada sagradas, que falavam de paixões, traições, bebidas e diversões.

Suspirou e se levantou dizendo:

– Vou te contar o plano – Com um sobressalto Ghenab se virou rindo. E Dahat continuou falando. – Você deve entrar em ação ainda esta noite.

– É isso aí! Vamos agir enfim – O jovem ladino torcia as mãos em excitação. E logo se levantou para acender a candeia enquanto Dahat escolhia um dos rolos de couro num dos cestos.

Ele abriu o rolo sobre a mesa e Ghenab se aproximou para ver a gravura. Os desenhos mostravam corredores, salões e portas. Era a planta do interior do Templo das Vozes. Dahat apontou para um ponto da gravura e disse:

– Este aqui é o corredor por onde os sacerdotes cantores passam para chegar nos quatro alpendres em forma de concha que existem no quarto pavimento. – Ghenab parou de olhar para a gravura e olhou para o amigo com olhos de admiração. Dahat riu e acrescentou: – O que foi? Eu tinha que entrar lá. Como eu faria um plano sem conhecer o lugar?

– É que você não é muito de ação... pensei que eu entraria...

– E você vai entrar. Agora preste atenção – interrompeu Dahat e apontou para a gravura. – O quinto pavimento é quase igual ao primeiro, só que por ele ficam os músicos. A diferença é que a câmara dos tesouros fica nesse quinto andar, o mais alto do templo, bem no centro do edifício. O Coração Vermelho está bem aqui, sobre uma mesa cobre...

– Como você entrou?

– Não foi difícil. Depois vou te explicar melhor – respondeu o cérebro da dupla. – Você sabe, os sacerdotes músicos usam grossas túnicas azuis que cobrem todo o corpo, incluindo a cabeça; e os sacerdotes cantores usam túnicas iguais, porém vermelhas. Eu comprei uma túnica azul e uma cítara faz uns dias. Ontem de manhã eu dei um jeito de me juntar aos músicos, vestido como eles e carregando o instrumento nas mãos...

Enquanto Dahat explicava o que havia feito, Ghenab olhava para o amigo com um sorriso nos lábios.

– Enquanto o segundo canto era feito e você cortejava a filha do artesão lá no mercado – disse Dahat rindo. – Eu entrei na câmara dos tesouros, no quinto pavimento do templo, e encontrei o que procurava. Aquele lugar está repleto de guardas, mas todas as paredes são revestidas com cortinas e véus. Não foi difícil me esconder. Depois do salmo, eu saí com os músicos, me escondi no jardim para tirar a túnica e saí de lá como uma pessoa qualquer. Você vai fazer o mesmo que eu, só que com uma flauta que consegui hoje. A cítara não serve, é muito grande...

Dahat continuou explicando e, em pouco tempo, Ghenab estava pronto para começar a executar o plano. Comeram pão e queijo enquanto tratavam os detalhes e o ladino tirava suas dúvidas.

Mais algum tempo depois, o jovem ladrão colocou tudo o que precisaria em uma bolsa de couro e a dupla saiu da estalagem para o ar noturno.

Depois de caminharem juntos por algumas ruas, em direção ao centro da cidade, se separaram.

Dahat parou na frente de uma taverna e se juntou a uma roda de pessoas, que batiam palmas e dançavam enquanto um grupo no centro tocava seus instrumentos e uma bonita moçava cantava. A voz dela era forte e melodiosa, e a letra não era nada sacerdotal, narrando como os homens se encantam como se fossem meninos, diante de uma bela mulher.

Os Quatro Cantos da TerraOnde histórias criam vida. Descubra agora