A luz que entrava pela cortina não parecia incomodar seus olhos cobertos com sua velha manta de elefantes. Poucas coisas conseguiam acordar Kathy e o som de passos era uma delas. Quando sua avó abriu a porta Kathy já estava sentava na cama, esfregando os olhos com força.
- Bom dia, bela adormecida –Joana tinha sido avó cedo, mas as linhas de expressão e os cabelos brancos já começavam a surgir, não tinha mais a mesma energia de antes e preferia ficar em casa e assistir sua novela a sair.
- Oi vó – sussurrou com uma voz rouca de sono
- venha comer logo, antes que seu tio acabe com tudo - com essas palavras fechou a porta deixando Kathy sozinha.
Já fazia um ano e quatro messes que tinha enterrado sua mãe, mas todos os dias quando sua avó a chamava para comer ainda doía do mesmo jeito. Tudo parecia muito errado ainda. Ela sorria, mas queria vomitar em seguida e tinha feito isso muitas vezes nos primeiros messes. Tinha ido a milhares de psicólogos, tomado dezenas de remédios, mas nada tinha trazido sua mãe de volta então ela só fingia. Fingia está com fome, fingia sentir o sabor das comidas, fingia estar se divertindo com seu tio, fingia estar animada para sair, fingia achar engraçado qualquer piada, fingia estar vivendo. E às vezes quando ela se pegava se divertindo de verdade toda aquela ânsia voltava então ela mentia que estava cansada ia para o quarto e vomitava sozinha no banheiro.
Ela se odiava por isso, se odiava por não ser verdadeira, se odiava por não ligar para dor dos outros, se odiava por não ser forte como os outros, mas parecia tão errado seguir em frente. Às vezes acordava de um sonho engraçado e pulava da cama até o quarto do lado para ir acordar a mãe e contar, mas ela abria a porta e entrava em um banheiro. Então a dor voltava, "ela não está aqui" "essa nem é nossa casa" repetia para si mesma.
Eles haviam se mudado há alguns messes, uma casa menor e sem memórias. Era isso que tanto Kathy odiava na nova casa, não tinha porta retratos, não tinha a voz dela cantando enquanto cozinhava, não tinha o cheiro dela nos lençóis, não tinha seus gritos de raiva assistindo futebol. Era uma casa vazia: preta e branca.
Kathy finalmente se levantou, foi até o banheiro com a toalha no ombro se deteve no espelho observando seu rosto. Seus olhos castanhos chocolate observaram como suas olheiras tinha crescido e uma ruga tinha aparecido no meio de suas grossas sobrancelhas. Kathy desamarrou seus longos cachos grossos de um coque frouxo e abriu um sorriso amargo ao lembrar como sua mãe sempre fazia trancinhas nele quando estava estressada. Seus olhos arderam como se fosse chorar, mas fazia tempo que Kathy não chorava mais, só doía.
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- Bom dia – cumprimenta com um sorriso alegre – espero que ainda tenha comida pra mim – completa já sentada olhando pra seu tio que devorava um pãozinho
- Claro que tem, você acha que eu deixaria minha sobrinha preferida sem comer? – sua cara de cachorro molhado faz ela soltar uma risada seca
- sou sua única sobrinha – responde passando manteiga no pão e mordendo
Depois de duas mordidas e um gole de chá um humhum a faz levantar os olhos para encontrar com os preocupados olhos da sua avó. Ela tinha visto muitas vezes essa expressão e mesmo antes de ouvir ela sabia que a conversa era sobre sua mãe. Seu estômago se revirou e as duas mordidas de pão queriam voltar pela garganta.
- precisamos conversar Katherine – "droga não, hoje não".
-pode falar vó – sua voz sai mais estridente do que ela queria. Engoliu mais um pedaço, sem mastigar.- Eu e seu tio queremos que você volte para faculdade - começa
- Vó eu nã....
- Já faz um ano Katherine! –se exalta.
- Mãe –Augustus aperta a mão da sua mãe tentando acalmá-la. Funciona
Mas dessa vez Kathy não pode fingir, no banheiro não alcançou o vaso e despejou o pouco que havia em seu estômago no box. Nenhum dos dois veio, eles nunca viam, sabiam que o melhor era deixá-la. O gosto do vômito na boca dava mais ânsia, sentiu a boca encher de água e se preparou para mais uma rodada, mas não tinha mais nada em seu estômago e tudo que sentiu foi a garganta arder e uma tosse seca. "Já faz um ano Katherine" era tudo que rodava em sua cabeça e isso dava mais vontade de vomitar.
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O que as estrelas deixam para trás
General FictionAs estrelas deixam algo para trás quando decidiram iluminar o céu? Se sim, como eles vivem? Bem acho que posso lhes contar dois jeitos diferentes de viver depois de conhecer uma estrela. Eu não ficaria surpresa se achasse um deles uma tremenda fresc...