DEUX

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Olho para a imensidão do palco e para a iluminação branca fosca que o rodeia. Vários coreógrafos se posicionam no centro e olham para cada dançarino, eles parecem analisar nossas almas e fitar nossas mentes. Sinto um arrepio percorrer os músculos de minhas pernas e os tendões dos meus pés.

Identifico um rosto conhecido em meio à linha reta de profissionais - Oliver Rousseau. Ele olha para mim e dá um breve aceno, de maneira imediata me sinto mais calma. Anthony acena de volta e sorri.

—Ainda bem que ele está ali. –Diz e entrelaça os seus dedos.

Apenas assinto discretamente. Oliver sempre foi o meu coreógrafo, desde quando eu era apenas uma menina sonhadora. Eu devo muito à ele, pois, sem a sua ajuda, jamais conseguiria me estabilizar em uma companhia de dança tão renomada. Foi graças à ele que encontrei o universo da dança, o único em que me encontro comigo mesma e me sinto livre para voar.

Mais dançarinos se acomodam nos assentos ao nosso redor. Mantenho a minha atenção nas luzes do palco –é a única maneira que encontro para relaxar e para me concentrar em minha dança. Relembro todos os passos e imagino como será a apresentação.

Depois de alguns minutos de aguardo, uma das coreógrafas começa o seu discurso. O anfiteatro fica em completo silêncio, apenas a voz dela ecoa pelo ambiente.

—Sejam bem-vindos à audição mais aguardada da temporada. –Diz e se aproxima da beirada do palco. Sua voz é rouca, mas ao mesmo tempo, soa extremamente fina. –Para este ano, selecionaremos um dançarino de cada modalidade. As categorias são: balé, hip hop e dança contemporânea. –Numera com seus longos dedos, o pescoço alongado de maneira impecável.

—Tenho certeza de que ela deve ser a coreógrafa da equipe de balé. –Anthony sussurra e se aproxima de mim. –Olha só como os pés dela permanecem na mesma postura.

Observo as pernas magricelas dela, o modo como seus pés equilibram a sua longa altura.

Eu jamais serviria para dançar balé. Primeiro, não sei o básico de qualquer uma das posições. Segundo, tenho a metade da altura adequada, sou praticamente uma anã entre moças gigantescas. E terceiro, não estou no padrão de corpo delas. Elas são tão magras e esbeltas, e eu estou mais para baixinha e encorpada.

Volto a minha atenção para a coreógrafa. Sinto o nervosismo se infiltrar em meu estômago e beliscar às minhas células. Eu preciso conseguir, preciso mostrar todo o meu potencial, preciso mostrar a verdadeira face da minha dança. Desejo apenas conquistar mais um passo em minha carreira e lutar pela minha arte.

—Vamos começar a audição com a categoria de balé. –Ela diz. Em seguida, um dos coreógrafos atrás dela lhe entrega uma folha. —As apresentações serão por ordem de idade. Os mais novos irão se apresentar primeiro.

Olho para os bailarinos no outro lado do anfiteatro, eles não parecem nervosos, na verdade, não parecem sentir nada. Seus rostos refletem apenas um vazio sem fundo. Continuo encarando os rostos diferentes, até que, o mesmo rapaz olha novamente para mim. Ele contém um mistério, mas não um vazio. Seus cachos negros reluzem como uma noite sem estrelas. Há um infinito de possibilidades em suas íris indecifráveis. Ele continua a me encarar, como se eu fosse a exoticidade do local.

Ele me transmite uma sensação de frio e escuridão, não de modo assustador, mas de uma maneira diferente. Ele sorri, sem mostrar os dentes, o canto de seus lábios se curva levemente e provoca um arrepio em meu pescoço.

Desta vez, ele desvia os seus olhos e me deixa a mercê de hipóteses e teorias.

—O primeiro a se apresentar será... –Ela começa a dizer e checa novamente a lista em suas mãos longas e pálidas. —Ícaro Duarte. –Diz e olha para o aglomerado de bailarinos no canto direito do anfiteatro.

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